domingo, 28 de dezembro de 2008

sobre a estranha situação do elefante

seu nome era joaquim garbusco, mas ele também era conhecido como "pavio". não mentirei para vocês, ele era assim chamado por um único motivo: eu o quis dessa forma.
como autor, locutor e genioso por natureza, sinto que é meu dever avisá-los de antemão: minha vontade será magnânima e a explicação para diversos eventos bizarros que acontecerão nas próximas linhas. outro dia mesmo, eu analisava, sabe-se lá deus por quê, a palavra "pavio" e decidi que seria um apelido peculiar para alguém. como alguém eu não poderia criar, decidi escrever um breve conto sobre o jovem joaquim, estudante e preguiçoso, apelidado de pavio. talvez sua mãe tenha o chamado assim por algum motivo obscuro, talvez tenha sido algum amigo malicioso, o fato é que eu não me importo.
pavio acordou certa manhã e observou que havia algo de errado com seu quarto, algo que não se encaixava à habitual paisagem composta por seu guarda-roupas bege, sua escrivaninha de compensado e seus pôsteres de filmes coreanos. o objeto que distoava do mundano era um enorme elefante acinzentado que comia tranquilamente o que parecia ser um bambu. tudo bem, não era um objeto, era mais um gigantesco paquiderme com olhar tolo e despreocupado.
pavio não sabia como lidar com esta situação. quero dizer, o que haveria alguém de fazer ao acordar e se deparar com um elefante em seu quarto? por um breve tempo, pavio e o animal se encararam e se analisaram à distância, sem imaginar que tudo isso era a mais pura obra de um autor frustrado e insône, que decidira tomar mais uma taça de vinho antes de se retirar aos seus próprios aposentos.
infelizmente, a taça de vinho (periquita, português, tinto seco. recomendo, aliás) acabara, e deixara o jovem escritor e locutor desse estranho conto em uma sinuca de bico. deveria ele continuar a escrever e se arriscar a um final infeliz e sem sentido ou simplesmente jogar a toalha a admitir que toda essa situação, todas estas palavras não passaram de um capricho seu, uma simples desculpa para escrever sobre um personagem conhecido como pavio que acordou certa manhã com um elefante em seu quarto?
sim, talvez a segunda opção pareça mais tentadora aqui, colocada em palavras. sim, acho que esse conto realmente foi apenas para a realização de um desejo incomum. na verdade, esse conto não era nada demais, mal tinha um começo, não deve merecer um fim. na verdade, e cito luís fernando veríssimo agora, este conto termina aqui.

domingo, 9 de novembro de 2008

sobre o último minuto

você abre os olhos e só vê branco. a lembrança de um romance de saramago passa brevemente pela sua cabeça. no entanto, você não está cego, acometido pela cegueira branca. está, sim, em um pálido quarto de hospital, como pode ser percebido pela aparelhagem característica e a famosa máquina que emite "beep".

sua respiração está mais pesada do que o costume. puxar o ar para dentro dos pulmões prova-se algo extremamente complicado. é difícil raciocinar. tubos saem de seus braços, ligados a bolsas com líquidos transparentes penduradas ao lado da cama.

sua cabeça roda, parece pesar 30 kilos. o branco dos lençóis se mistura com o bege claro das paredes e o cinza da televisão. uma mulher entra e mexe nos tubos. sai antes que você possa perguntá-la o que faz ali, o que está acontecendo. aliás, você percebe que não consegue falar, dói demais.

falando em dor, agulhas penetram lentamente seu peito, espalhando-se por suas costas, ao longo de toda coluna. não é a melhor sensação do mundo. talvez até se assemelhe ao que você imagina ser a morte ou o inferno. felizmente, a agonia passa, tão logo você desiste de mover qualquer parte do corpo. agora já sabe: até mesmo o mindinho pode funcionar como gatilho para dor tão profunda. parece uma boa idéia permanecer imóvel.

a imobilidade é seu santuário de calma e paz, mas isso ainda não responde o que raios está fazendo naquele quarto de hospital. algo no fundo de sua mente lhe diz que, de alguma forma, você sabe a resposta para tal pergunta, porém esta está guardada em um lugar distante o suficiente para que suas mãos não possam alcançá-la. cansa pensar muito a respeito e, se há algo de que você tem certeza, é de estar profundamente, completamente, exaurido de qualquer energia.

sua cabeça ainda pesa os 30 kilos, e só então percebe o travesseiro macio e fofo com leve cheiro de hortelã com detergente na qual está depositada.

a agonia volta. dessa vez, não é a dor que a ativa, mas a falta de motivos, dos por quês de estar ali, preso àquela cama e aos tubos.

lentamente, as memórias começam a pipocar em sua cabeça, como não poderia deixar de ser. estranha e tortuosa é a psique humana. às vezes falha com o homem, exita em funcionar e exercitar os propósitos pelos quais existe. contudo, há os momentos em que decide lhes fornecer pequenas pistas a respeito do que acontece à sua volta, mesmo que, na maioria das vezes, não façam idéia.

você então vislumbra os vultos dos fantasmas que estiveram ali, naquele mesmo quarto, chorando e aguardando por boas novas. uma mulher com camisa rosa claro, cabelo castanho e olhos azuis cheio de lágrimas. ela olha para a sua figura fraca e doentia na cama e seu desespero é verdadeiro e profundo. você gostaria de poder acalentá-la, dar garantias de que tudo ficará bem, mas não tem poder para tanto. o simples fato de continuar vivo já é um fardo grande demais.

crianças entram correndo pela porta. a mulher olha para elas com ternura e tristeza. a mais nova delas, uma menina loira com sardas pela face, brinca com as flores depositadas em um vaso sobre a mesinha ao lado do seu leito. ela não parece saber muito o que significa sua estadia ali. o mais velho, no entanto, exibe os olhos marejados e procura desviar o olhar de onde você está deitado. a dor da consciência de sua tristeza é maior do que a das agulhas, e você chega a desejar que ele não estivesse ali para vê-lo naquele estado. infelizmente, não há nada que você possa fazer. não há nada que você possa fazer há muito tempo, aliás.

os três, entes querido de uma vida há muito passada, se movem como espíritos etéreos, cujo lugar é qualquer um, exceto aquele pálido quarto de hospital. eles deviam estar mundo afora, procurando seus próprios destinos, e não sofrendo por um moribundo sem a menor perspectiva de poder sorrir, cantar ou dançar novamente.

a onda de luz que inunda suas dúvidas neste momento é mais intensa do que a experiência de olhar para um eclipse solar sem qualquer proteção. a cegueira vem de verdade dessa vez, vindo, no entanto, como uma cegueira que lhe abre os olhos para a verdade. você vê, pela primeira vez. vê o médico, com seu jaleco branco e óculos de lentes grossas determinando, com poucas palavras, o fim de seu caminho, de sua vida. na verdade, ele não necessitaria de mais de uma palavra para tal. câncer. terminal. não há nada que possamos fazer. sinto muito.

você gostaria de chorar neste momento. aliás, se já houve algum momento perfeito para as lágrimas desde a criação do mundo, seria este. você quer chorar e seus olhos permanecem secos. nenhuma gota desce por sua face, não importa o tamanho da dor que tome conta de seu coração. a tristeza é tão profunda que seria egoísta não fosse um detalhe: márcia.

você se lembra do nome dela, afinal. consegue até se lembrar daquela pequena lanchonete no interior em que estava no dia em que a conheceu. recorda-se do gosto do café, do cheiro das flores sobre a mesa, da aparência mal-encarada da garçonete rude que o atendeu. a luz do sol que invadiu o ambiente quando a porta dupla foi aberta por márcia era suficiente para queimar levemente sua íris, mas sua beleza o impediu. aquele era o momento de uma vida inteira juntos.

para seu espanto, alguém aperta sua mão, ali, naquele quarto de hospital. a cabeça está caída sobre o braço esquerdo, depositado a seu lado na cama. os cabelos começam a clarear e há um quê de derrota naquela cena. você sente sua perna úmida e salgada por um choro de dias. ela nunca saíra dali, nunca deixara de rezar e rogar por melhoras, mas a esperança se esvaía.

algo então acontece dentro de sua doença, de seu estado, de toda a dor causada pelo tumor instalado em seu peito. você o sente regredindo, perdendo força, desistindo de derrotá-lo, até que, finalmente, ele se retira. você se sente completo novamente. poderia se levantar neste exato momento, agarrar aquela mulher que nunca desistira de ti e dar-lhe um beijo que poderia, nos livros, até mesmo ser chamado de "beijo da vida". você está pronto para mim.

eu saio das sombras. poderia ser de trás da cortina, de debaixo da cama, ou de dentro do guarda-roupas. você sente um novo aperto, dessa vez no ombro, autoria de minha esquálida mão. com seus olhos, você procura sua amada, sua mulher e companheira, mesmo sabendo que, em seu sono, ela não poderia ter chamado sua atenção de tal forma. sempre admirei isso nos homens. como, mesmo nas situações mais impossíveis, procuram força e esperança em sentimentos intangíveis como o amor.

finalmente, você me localiza e, pela primeira vez, o olhar que vejo não é de terror ou espanto, e sim da mais profunda aceitação pelo que viria a acontecer. você certamente foi um ser humano admirável. não tentou barganhar, implorar ou subornar. simplesmente pediu mais um minuto para se despedir. de pé novamente, depois de meses naquela cama, você calmamente inclinou-se e beijou ternamente a testa daquela que ainda demoraria anos para me conhecer.

juntos, deixamos aquele pálido quarto de hotel. meu trabalho estava feito e você teria toda uma nova vida pela frente. nada mudou no seu antigo mundo, só a máquina, que passou a emitir um longo e fulminante "beep".

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

sobre segundos de euforia

na última vez em que assisti a uma corrida inteira de fórmula 1, do ínicio ao fim, airton senna morreu. lembro de poucas coisas da ocasião. na verdade, acho que só me lembro realmente de alguma coisa, qualquer que seja, porque foi nesse dia em que vi meu avô chorando pela primeira vez.

neste domingo, anos depois, acabei acompanhando o gp de interlagos. não sei bem o que foi. nunca fui um grande entusiasta do automobilismo. talvez fosse a torcida dos meus amigos e do resto do país, talvez fosse porque eu realmente simpatizo com felipe massa, o zacarias da ferrari. de qualquer forma, às 15 horas, lá estava eu defronte ao televisor.

a corrida começou morna e logo se tornou entediante como sempre. tive de resistir bravamente à tentação de mudar de canal, mas confesso que fui me distraindo com outras coisas, apesar de manter a tv sintonizada. acho que o fato de não ter mais nada que preste nos canais abertos aos domingos (tudo bem, talvez não só aos domingos) tenha sido um forte motivador a manter-me firme.

massa foi o líder do campeonato por alguns instantes, é verdade, mas eu sabia que aquilo não duraria. nenhum outro motor tinha potência para rivalizar com os da ferrari e da mclaren. havia apenas um fator que poderia dar o título ao brasileiro: o talento individual dos pilotos. infelizmente, eu sabia que não havia tanto talento para garantir a colocação de hamilton atrás o suficiente.

deus, como é bom às vezes estar enganado. foi assim que, faltando apenas duas voltas para o fim, vettel, alemão que já não tinha nenhuma chance ao título, parte para cima do inglês e dá o campeonato a felipe massa. nesse momento eu já estava na beira do assento, praticamente de pé, rezando para todas as divindades que conheço, e até a algumas inventadas, só para garantir.

o brasileiro, depois de liderar desde o começo a corrida, cruza a linha de chegada campeão do campeonato. tudo o que havia para fazer tinha sido feito. o impossível tinha se transformado em possível e o país verde-amarelo era então vermelho.

até a penúltima curva da última volta. quis o destino que o jovem piloto da escuderia italiana não conhecesse a vitória. não neste ano, pelo menos. timo glock, com pneus para pista seca, não conseguia tração suficiente para manter sua quarta posição debaixo da chuva que caía sobre interlagos. assim, com a curva, nada pôde fazer para impedir a ultrapassagem de sabastian vettel, seguido por, sim, senhoras e senhores, lewis hamilton.

a inglaterra conseguia um novo campeão depois de doze anos. o brasil perdia o seu.

acho que não trago muita sorte ao automobilismo brasileiro. pensando bem, não temos tido muita sorte mesmo nesse tempo em que passei ausente.

deveria acompanhar o campeonato no ano que vem?

a verdade é que eu buscava manter minha confiança baixa antes da corrida simplesmente pelo medo de não me decepcionar. fazemos muito disso, todos os dias. aliás, estamos tão acostumados que já nem percebemos. deve ser algo da natureza humana, sei lá. por alguns segundos, na última volta, na última reta, eu me permiti acreditar, gritar, festejar. está certo que a decepção veio, forte e ligeira, deixando-me atordoado, até mesmo atônito por alguns minutos. minha mente processava o que havia acontecido, meus olhos haviam sido testemunhas da ultrapassagem derradeira e, mesmo assim, meu coração relutava em ceder à lógica. sim, a decepção e a tristeza foram grandes. mas não troco o que senti naqueles poucos segundos de euforia por muitas coisas nessa vida. ao medo, então? nunca mais.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

sobre uma história familiar

temos aqui duas pessoas: um homem e uma mulher. talvez, em outra versão, pudessem ser chamados de dois jovens, um garoto e uma garota, mas neste caso seguiremos com "homem e mulher".

ambos eram amigos há muito tempo. quem sabe até se conhecessem desde crianças, tendo sido vizinhos em um daqueles subúrbios americanos - grandes casas com varanda, quintal e uma bela cerca branca - ou em um conjunto habitacional criado pela prefeitura paulistana - prédios de estatura mediana, com a pintura descascando em contraste com as pixações ilegíveis nos andares superiores. eram amigos por tanto tempo que já conheciam todos os gostos um do outro, suas paixões, seus temores, suas expectativas e aquelas pequenas manias que todos temos, perceptíveis apenas por aqueles com quem convivemos a maior parte de nossa vida. exato, esse é o nível de intimidade que ambos compartilham.

de qualquer forma, é um espanto que os dois tenham se aturado por tanto tempo. isso porque, mesmo se conhecendo há anos, os dois não têm absolutamente qualquer coisa em comum. está bem, talvez ambos dividam a mesma opinião sobre a saúde pública - aliás, quem não tem a mesma opinião sobre a saúde pública? - mas, de resto, são completos opostos.

ela gosta de rock, tatuagens, preto, piercings e grandes concertos internacionais. ele prefere seu jazz, suas artes e seus livros, além de, é claro, a gostosona da faculdade. mais uma vez: se a história fosse outra, estaria ela apaixonada pelo vocalista gótico daquela banda de heavy metal, mas esse não é o caso. e, dessa vez, ela reprova frontalmente as escolhas relacionamentais dele. existem mais de mil mulheres inteligentes e interessantes somente na vizinhança em que moram, por que raios ele tinha de gostar justo daquela piranha?

nem ele sabe, mas ela não consegue se conformar. tenta dissuadi-lo da idéia - onde já se viu pensar em casamento sem nem ao menos ter a coragem para chamar a guria pra sair? como pode se falar em cachorro e gêmeos se os dois nem ao menos foram apresentados? - mas ele se mostra irredutível. e é óbvio que ela gritará com ele, tentará pôr um ultimato nessa loucura, e ele ficará lá, com aquela cara de bocó, tentando entender por que as mulheres estouram por qualquer besteira.

então ela sai com lágrimas nos olhos, borrando o lápis preto que os envolve e esbarrando o ombro com força na porta, para marcar sua saída dramática. por sua vez, ele desiste de entendê-la e, na mesma noite em que consegue um jantar com a tal boasuda da faculdade, não pode imaginar que sua antiga e querida amiga de infância está se entregando, finalmente, àquele vocalista gótico da banda de heavy metal.

alguns meses se passam, vamos dizer uns três, e ambos seguem sem se falar. não é preciso dizer que tudo em que os dois pensaram nesses meses foi em como sentiam a falta um do outro. aliás, também não irei entrar em detalhes aqui, mas vocês podem imaginar o quanto sofreram na mão de seus respectivos parceiros.

ele, usado por motivos materiais, como caronas para o shopping, carregador de sacolas e financiador de compras. ela, usada por motivos bíblicos, como sexo, pedaço de carne sem sentimentos e boneca inflável.

finalmente, o reencontro dos dois acontece, e de longe pode se perceber, pelo modo como se olham e se comportam, que o distanciamento serviu para que percebessem que eram feitos um para o outro. sobe música romântica, algo como kiss me, do sixpence none the richer.

enquanto a música inunda o ambiente da festa ou do show cenário do reencontro, os dois se trancam em um quarto arrancando suas roupas com todas as mãos, dentes, unhas e utensílios à disposição.

neste mesmo momento, seus antigos parceiros fúteis se dão mal de alguma forma. talvez batam o carro e a polícia leve os dois sob a alegação de tráfico de drogas, algo do qual o antigo vocalista gótico da banda de heavy metal realmente é responsável. enquanto esperam pelo seu direito a uma ligação, são estranhamente mantidos na mesma cela e descobrem também serem perfeitos um para o outro. afinal, não podemos culpá-los inteiramente por serem as pessoas fúteis que são, e eu realmente acho que ambos merecem um pouco de felicidade nesse mundo.

esse deve ser o enredo da sua comédia romântica assucarada favorita, ou então de todo um gênero que você odeie. no entanto, a história já é conhecida. mesmo com pequenas variações - em um filme de kevin smith, teríamos escatologias, lesbianismos e dois pequenos traficantes que serviriam para manter a trama junta; por sua vez, caso fosse uma produção de nora ephron, teríamos tom hanks e meg ryan - a moral é sempre a mesma.

para falar a verdade, conheço um número muito maior de "gostosonas da faculdade" ou de "vocalistas góticos daquela banda de heavy metal" do que pessoas que poderiam se encaixar como nossos intrépidos protagonistas. raios, aposto que você já deve ter passado por uma situação parecida com a dos "parceiros fúteis" - eu sei que eu mesmo já me vi usando esses sapatos.

talvez tudo isso seja apenas dor de cotovelo. pode ser que realmente haja uma história dessas por aí, em algum lugar. por enquanto, seguimos apenas sonhando com algo assim tão simples, mas tenho minhas suspeitas de que, quando encontrarmos, não acharemos a menor graça, perdendo o interesse na trama bem antes da grande reviravolta.

afinal, qual a graça de uma história da qual já se sabe o final?

na manhã seguinte, ambos acordam, provavelmente com uma ressaca fenomenal. não conseguem mater contato visual por mais do que dois minutos. vestem suas roupas e seguem para suas casas sem trocar uma palavra. mais tarde, no mesmo dia, vão jantar juntos e nenhum dos dois tem coragem de tocar no assunto.

por muitos anos, aquela noite segue sem ser lembrada, pelo menos em voz alta, por nenhum dois, como um pacto estabelecido. um pacto que nunca precisou ser firmado.

ele, enfim, se casa com uma jovem corretora de imóveis, passando a frequentar ambientes mais familiares e se afastando gradualmente de seu passado.

passado esse que inclui ela, que se tornou uma escritora não muito conhecida, mas com admiradores fiéis e sem uma vida pessoal das mais animadas, regada por taças de vinho degustadas em sua solidão, altas horas da noite.

um pode realmente ter sido a pessoa perfeita para o outro, mas a vida tem dessas coisas e isso eu não posso mudar.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

sobre pensamentos IV - os clichês de um desabafo

recentemente, passei por uma situação de confronto direto. não fui capaz de seguir em frente, e desde então não tenho conseguido fazer as pazes comigo mesmo. tenho dito que as coisas fugiam ao meu controle, que não havia como encará-las, talvez esse seja o motivo da minha inquietação. isso pois tudo é uma grande mentira. e não posso ignorar o fato de que não há mentira pior do que as que contamos para nós mesmos.

com isso, venho aqui pedir perdão por este texto, que deve fugir do padrão e do conceito estabelecido desde o começo deste meu "projeto". assim será, porque esta é a primeira publicação muito mais voltada para mim mesmo, para minha paz interior, do que para os leitores. assim, minhas mais sinceras desculpas.

tenho minha história, como todos vocês. sempre evitei tratá-la como algo a ser divulgado ou contado neste blog, mas creio que não há como dar fundamento a tudo o que será dito sem que antigos fantasmas sejam trazidos à tona, licença seja dada ao clichê.

o caso é que eu posso ver, talvez verdadeiramente pela primeira vez, o quanto mudei nestes últimos meses, e o quanto eu venho lutado para que isso não acontecesse. tenho lutado tanto que até minto para mim mesmo, muitas vezes.

sabem, não sou tão velho assim, nem ao menos saí da adolescência, mas já há momentos do meu passado que olho com certo saudosismo. sei o quanto isso não é saudável em alguém que nem entrou na casa dos vinte anos, mas não consigo evitar.

tive uma infância comum, cheia de desenhos, brincadeiras, correrias e amores. no entanto, há parte desse passado que não deixo ficar tão transparente para quem me conhece, um lado que eu preferia que nem soubessem.

e é esse meu lado que fica martelando minha mente desde o confronto citado no início deste relato. nunca fui alguém de ignorar um embate. cacete, nunca fui alguém nem de deixar passar uma boa briga, e tenho as cicatrizes para provar. talvez não cicatrizes no termo literal, mas meu corpo certamente exibe as marcas de um passado do qual, vendo agora, não me pertence mais. em contrapartida, não posso dizer que sinto vergonha.

mas confesso que, desta vez, fiquei com o orgulho ferido. e, pra piorar, por motivos opostos: primeiro porque me sinto covarde por ter deixado passar a situação de cabeça baixa. segundo porque não deveria me sentir assim. não é covardia renegar um passado que seja infantil e imaturo. na verdade, vejo agora o quanto alguém tem de se orgulhar em perceber que cresceu, que a vida finalmente atingiu certo propósito.

talvez isso seja tudo resultado do meu aniversário que se aproxima. talvez seja apenas besteira criada por uma insônia. ou talvez seja tudo verdade.

de qualquer forma, obrigado. escrever tudo isso me ajudou a colocar as idéias no lugar, embora possa não parecer.

às vezes é bom se lembrar com saudosismo do passado, não me envergonho das coisas que fiz. até fico feliz em lembrá-las. mas tenho ainda mais orgulho em saber que elas ficaram para trás, e que eu tenho toda uma vida com novos atos e atitudes pela frente, licença seja dada ao clichê.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

sobre o jogo

eu?
sempre acreditei no amor. no amor e nessas outras coisas bonitinhas e coloridas que se mostram nos filmes americanos de mulherzinha e nas novelas brasileiras, não mais tão de mulherzinha assim.

minha vida era boa, não tinha muito do que reclamar. o dinheiro ficava curto no final do mês, meus sanduíches ficavam cada vez mais preguiçosos e a poeira se acumulava nos cantos da minha casa, mas eu vivia como queria, quando queria, da forma como queria.

eu estava na faculdade, bicho. eu estava morando sozinho, bem longe de casa. tinha a rotina que sempre desejei. fazia meus próprios horários. chegava bêbado altas horas da madrugada sem ninguém me encher o saco a respeito. faltava nas aulas sem peso na consciência nem ter que inventar desculpas. levava quem eu quisesse para "passar a noite" e não tinha que me preocupar com a cara de desaprovação na mesa de jantar no dia seguinte.

e é óbvio que eu tinha de conhecê-la. era a guria mais linda a apaixonante que eu já tinha visto. caí de quatro, literalmente. não havia outra explicação. eu estava perdidamente, loucamente, idioticamente apaixonado pela carol, uma colega da faculdade que eu cursava.

porra, tive das minhas experiências no passado, me apaixonei, quebrei a cara, traí, me fodi, segui em frente e, de verdade, sempre gostei de tudo isso. o problema não era o "estar apaixonado" era mais o "por quem".

é, eu caguei no saco mesmo, mas como eu podia imaginar que pegar a dani, moreninha que me dava mole desde o primeiro dia de aula podia foder minha vida de tal maneira? como eu poderia imaginar que ela era a melhor amiga da mulher da minha vida?

enfim, eu não podia. mas falta de imaginação nunca é justificativa nessas coisas de relações.

por ter ficado com a dani eu estava interditado para tentar qualquer coisa com a carol. está certo, talvez não qualquer coisa, mas algo sério, significativo, duradouro.

como passar por essas barreiras sociologicamente naturais? a resposta me causou mais problemas do que a própria pergunta.

eu, osmar de oliveira netto, gênio, fui pedir conselhos com meu chegado, meu parceiro, meu melhor amigo carlos mangioli, também chamado carinhosamente de carlinhos.

malditas ligações que acreditamos serem eternas e fiéis.

carlinhos saberia o que fazer. era feio que doía, mas tinha jeito com as mulheres, fazer o quê. estava sempre acompanhado por alguns dos melhores exemplares femininos, onde quer que fôssemos. se havia alguém que poderia me ajudar, se apiedar desta pobre alma, colocar-se no meu lugar, seria ele. e não é que ele aprendeu rápido como se colocar no meu lugar? calma, estou colocando o carro na frente dos bois, aqui.

ele logo se debruçou sobre meu caso e, juntos, bolamos diversos planos e estratégias para contornar a situação. carlinhos se impacientava com meu jeito, sempre racionalizando demais as coisas, falava que eu parecia uma colegial, mas eu sou assim, e esse meu jeito vinha funcionando perfeitamente até então.

infelizmente, eu talvez já tivesse cometido um erro grande demais.

explico: alguns dias antes, eu havia me aproximado da carol, iniciado uma relação. oferecia a ela todo o meu encanto e carisma, em troca apenas de estar perto dela, esperando que mais cedo ou mais tarde ela me notasse, você sabe, como homem, não só como amigo.

tudo bem, eu sou um tanto piegas, confesso. dei até flores à guria. mas o erro não foi esse. na verdade, ela parecia até gostar disso. o erro foi ter tentado beijá-la, de surpresa, durante uma festa em que eu a havia levado. quando ela aceitou a carona, cometi o engano de pensar que aquilo era um encontro, de que éramos um casal. bem, não éramos. se havíamos de ser qualquer coisa, seria um trio, já que ela tratou de deixar claro que o problema era a dani.

e foi assim que me voltei a carlinhos. é claro que eu tinha medo de envolver qualquer homem na jogada, principalmente um jogador experiente quanto carlinhos, mas você tem de entender, eu estava desesperado.

algum tempo depois, nossos planos deram certo. de alguma forma, eu não podia acreditar que aquilo havia funcionado. no entanto, só fui me dar conta alguns dias depois, quando vi ambos, carlinhos e carol, entrando de mãos dadas pela porta do curso. era o casal mais odioso que eu já vira. tratei tudo com normalidade, mas não tenho falado com carlinhos desde então.

o caso é que o plano deu certo. mas não o nosso plano, e sim o do filho duma puta do carlinhos. e carol, pobre coitada, nunca teve a chance de ver o perigo rondando. eu havia tirado sua atenção do verdadeiro predador à sua volta. na verdade, eu a havia colocado em sua mira.

por que nunca cheguei às vias de fato com aquele cuzão de marca maior também conhecido carinhosamente como carlinhos?

oras, porque imagino que, de alguma forma, ele também não tem culpa. utilizou-se das armas e táticas das quais dispunha, e o fez muito bem. não consigo não sentir uma ponta de admiração por alguém assim. isso sem falar no fato de que é impossível não se apaixonar por carol. engraçado, a amo até hoje, embora já tenha aprendido a guardar tal sentimento pra mim.

é, devo ser mesmo isso que você está pensando, o maior perdedor do planeta. pelo menos hoje em dia eu sou rico, futuro presidente de uma empresa de armazenamento e distribuição de cerâmicas venesianas para a fabricação de azulejos e vasos sanitários, com uma renda que chega a duzentos mil reais por ano, enquanto carlinhos está para ser pai aos 23 anos, ainda desempregado e morando com a mãe e carol tenha sido talvez a maior corna da qual nossa faculdade teve notícia nas últimas três décadas.

não odeio o amor, não é sua culpa.

afinal, é como se eu jogasse o jogo, fosse razoavelmente bom nele, mas, de alguma forma, nunca cheguei a ler as regras.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

sobre um final feliz

o amor que me perdoe, mas eu odeio políticas sexuais.

está bem, talvez não deva pedir perdão ao amor em si, mas ao sexo.
e, quem sabe, não deva nem pedir desculpas ao sexo, mas aos relacionamentos humanos.
já dizia o velho bardo: "há uma maré nos assuntos dos homens". realmente o há. e esta "maré", como assim a chamava william shakespeare, são as cretinas das políticas sexuais.

veja o caso de osmar, por exemplo. grande amigo era ele. infelizmente, osmar tinha um problema. seu problema tinha nome. tinha nome, R.G., olhos grandes e profundamente negros, pele clara com pequenas sardas salpicadas pelo nariz e na parte superior das bochechas, cabelos longos e esvoaçantes, daqueles de comercias de shampoo que se vê na televisão, se vestia muito bem, roupas vivas, descoladas e decotadas na medida certa, sorriso tímido mas apaixonante, uma pequena pinta ao lado esquerdo da boca com os dentes tão brancos e alinhados e 1,78 metro de altura.

era 1,78 metro de problema, seu nome era carolina e ela estudava administração na mesma turma que ele. pobre coitado, como haveria osmar de resistir? não teve nem chance! ele ainda ficara tão feliz ao descobrir que tinham algo em comum, um assunto com o qual puxar conversa. ela era - imaginem só, entenderão o problema - a melhor amiga de daniela, a garota com quem ele ficara logo na primeira festa do curso e que estava atrás dele desde então. tudo bem, osmar era um imbecil. estava completamente, perdidamente, desesperadamente apaixonado pela melhor amiga de sua grande admiradora e não via nenhum empecilho nisso.

osmar, meu querido, esquece essa guria. só vai lhe dar dor de cabeça. não convém correr atrás de melhor amiga. você conhece as mulheres melhor que isso. era o que eu dizia. mas ele respondia, confiante, que não. a conquistaria de qualquer forma. estava idioticamente cego. enfim, ele não conhecia as mulheres melhor que isso.

antes que alguma amiga enfurecida venha me acusar de sexismo, permitam-me a defesa. dizia "as mulheres" simplesmente pelo fato de osmar, meu amigo, ser um heterossexual muito bem resolvido. meu problema mesmo sempre foi com as políticas sexuais, sejam elas entre mulheres ou entre homens. agora, se ele não podia ver nem ao menos a encrenca em que se metera, imaginem como reagiria se eu dissesse: "osmar, meu velho. deixe disso. essas políticas sexuais são de foder. e olha que nem é no bom sentido". dá pra ouvir as velhas engrenagens tentando funcionar em meio a tanta ferrugem e teias de aranha?

e lá foi osmar, partir para a ofensiva. na primeira festa, pagou bebidas a carol. na segunda, ofereceu-lhe carona. na terceira, pateticamente, tentou beijá-la.
epa, osmar! que isso?
poxa, é que a gente estava se dando tão bem...
mas, osmar, - imagine aqui uma cara de piedade - você sabe o quanto a dani gosta de ti. e assim carol saiu pulando pela pista de dança, não sem antes dar aquele último olhar de piedade para trás. aquele que fica gravado na mente até o momento em que se fecha os olhos antes de dormir, isso caso consiga-se dormir. caso contrário, fica gravado até o dia seguinte, e acompanha cada momento maravilhoso proporcionado pela ressaca, física e moral.

você, reles mortal, há de imaginar que osmar desistiria, certo? pois devo confessar-lhe que esta possibilidade chegou a cruzar o pensamento de meu intrépido amigo.

ao contrário, osmar e eu bolamos uma complexa estratégia para dobrarmos carol. antes de mais nada, tínhamos de descobrir se ela realmente não ficava com ele por causa de daniela ou se apenas a usava como desculpa para evitar o confronto que viria com o "cara, não quero ficar contigo, mas a cerveja e as caronas podem continuar, viu?". parecíamos duas colegiais, eu sei, cheios de estratégias e planos mirabolantes - entrega aquele bilhetinho pro luquinhas? mas não fala que fui que mandei, hein? hihihi.

políticas sexuais. se não se pode com elas, junte-se e faça proveito.

então eu comecei a ficar amigo de carol, tentar arrancar qualquer pista que fosse sobre suas verdadeiras intenções com osmar. o pobre coitado ficava morto de ansiedade pelos relatórios diários. e aí? ela deixou escapar alguma coisa? não cara, mas acho que estou chegando lá. já passamos os dois primeiros namorados, a perda da virgindade e temos discutido a vez em que ela quase fugiu de casa com o sócio do pai. acredita que o coroa nem ao menos sonha com isso? tá, tá. não quero saber dos namorados antigos. só me avisa quando ela falar alguma coisa de mim.

o tempo passou e ela deixou, finalmente, escapar que até gostava dele. achava-o um cara divertido e, afinal, devia haver algum motivo muito forte para a dani gostar tanto dele, não?
essa era a deixa para passarmos para a fase dois. sim, caro leitor, nosso plano tinha fases. entretanto, esta parte era mais complicada. eu teria de ir para o sacrifício. ora, o que não fazemos pelos amigos, não? minha missão era a de virar um agente-duplo ativo, tentando corromper nosso maior inimigo. neste caso, o inimigo conhecido pela alcunha de daniela, ou, simplesmente, "dani".

ela tinha seu charme, apesar de ser doida de pedra. eu podia me esforçar para fazê-la esquecer o osmar, nem que isso custasse alguns beijinhos. ele era meu amigo, oras. era meu dever cívico pegá-la.

assim, enquanto osmar iniciava uma reaproximação lenta e gradual com carol, eu partia para cima de sua admiradora com tudo o que eu tinha. carreguei livros, passei a usar apenas roupas limpas, perfume importado, sorriso encantador, olhares 43, 44 e até o 45, aquela fatal ajeitada da franja caída por sobre os olhos para trás da orelha dela, com a mão descendo suavemente pela nuca até a parte frontal do pescoço. posso não ter grandes encantos, mas a vida me ensinou algumas manhas.

ela se fez de difícil, a princípio. tinha de fazê-lo e eu não esperava mesmo que fosse coisa fácil. no entanto, a persistência é a mãe de todos os cafajestes e veio a me abençoar. cinco semanas depois, em uma festa em que a banda que se apresentava era a menos afetada pelo álcool do recinto, arranquei-lhe um beijo. de daniela, não da banda, embora quem estava lá naquela noite possa jurar que tudo era possível. ela relutou brevemente, se entregou ao beijo, depois recobrou a consciência, me empurrou e saiu em direção ao banheiro. poderia parecer uma tentativa falha, mas a duração do beijo foi longa o suficiente para atingir seu objetivo. carol estava nos arredores e testemunhou parte da cena.

pronto, agora a guria já vai estar mais receptiva. deve estar confusa e achando que a outra te esqueceu. vê se não faz merda. com esse conselho em mente, osmar partiu mais uma vez determinado. estava determinado, mas não confiante. aquela primeira cagada de tentar beijá-la do nada e a rejeição o haviam abalado profunda e definitivamente. dessa forma, a reaproximação continuava lenta e gradual e, pior, não passava de uma reaproximação.

com isso, continuei em meu papel de agente infiltrado na mente de carol, conversando todos os dias com ela, fazendo propaganda, você sabe, o procedimento padrão. mas o tempo passava e osmar não tomava a iniciativa, não partia para o momento decisivo. pobre infeliz. diversos avisos foram dados. desse jeito, vai perder a guria, moleque. ninguém gosta de tanta parcimônia relacionamental.

fui amaldiçoado com essa minha visão objetiva sobre eventos externos aos meus interesses, mesmo que, àquela altura do campeonato, eu já seguisse meus próprios objetivos. não deu outra, alguém se adiantou e carol não estava mais desimpedida, nem mesmo interessada.

ah, essas políticas sexuais, você tem de adorá-las.

hoje, um ano após tudo aquilo, não tenho mais a mesma relação que tinha com meu querido amigo osmar. não temos relação alguma, aliás. ele, infelizmente, não consegue superar o fato de que estou namorando a guria de seus sonhos. sinto falta dele. tudo bem, talvez nem tanto.

somos muito felizes, carol e eu. claro que dou das minhas escapadelas, mas o que se pode esperar de um relacionamento que já começou em inverdades?




nota do autor:
tema sugerido por bruno volpato, do blog música pra ler e meu colega no curso de jornalismo.
este texto não é auto-biográfico. ao menos a maior parte dele.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

sobre a procura


Chasing Amy, por Kevin Smith, 1997


Silent Bob: Chasing Amy.
(Shocked silence, more for the audience than anyone else)

Holden: What? What did you say?

Bob: You’re chasing Amy.

Jay: Why do you so shocked for, man? Fat bastard does this all the time. Think just because never says anything, it’ll have some huge impact when he does open his fucking mouth…

Bob: Jesus Christ, why don’t you just shut the fuck up. You’re yap, yap, yapping all the time. Give me a fucking headache. (to Holden) I went through something like what you’re talking about, a couple years ago, this chick named Amy.

Jay: When?

Bob: A couple years ago?

Jay: What, you live in Canada or something? Why don’t I know about this?

Bob: Bitch, what you don’t know about me I could just about squeeze in the Grand fucking Canyon. Did you know I always wanted to be a dancer in Vegas? (does a gesture with his hands, a reference to a move by the exotic dancers in “Showgirls”) Betcha ya didn’t even know that shit, did ya?

Jay: So tell your fucking story so we can get outta here and smoke this.

Bob: So, there’s me and Amy. And we’re all inseparable, right? Big time in love. Then four months down the road, the idiot gear kicks in, and I ask about the ex-boyfriend. Which, as we all know, is a really dumb move. But you know how you don’t wanna know, but just have to know–stupid guy bullshit. So, anyway, she starts telling me about him. How they fell in love, how they went out for a couple of yeas, how they lived together, her mother likes me better, blah blah blah blah blah. And I’m okay. Then she drops the bomb. And the bomb is this: it seems that a couple of times while they were going out, he brought some people to bed with him, “menage a troi,” I believe it’s called. And this just blows my mind, right? I mean, I am not used to this sorta thing; I was raised Catholic, for Gods sake.

Jay: Saint shithead.

Bob (to Jay): Do something. (to Holden) So I’m totally weirded out by this, right? So I start blasting her. I mean, I don’t know how to deal with what I’m feeling, so I figure the best way is to call her ’slut,’ tell her she was used. I’m out for blood, I really want to hurt this girl. I’m like, “What the fuck is your problem,” right? And she’s just trying to calmly tell me it was that time, it was that place, and she doesn’t feel like she should apologize because she doesn’t feel that she’s done anything wrong. And I say, “Oh, really?” That’s when I look her straight in the eye, tell her it’s over. I walk.

Jay: Fucking-A.

Bob: No, idiot, it was a mistake. I wasn’t disgusted with her, I was afraid. In that moment, I felt small, like I lacked experience, like I’d never be enough for her or something like that, you know what I’m saying? But what I did not get: she didn’t care. She wasn’t looking for that guy any more. She was looking for me, for the Bob. But by the time I figured this all out, it was too late. She had moved on. And all I had to show for it was some foolish pride which gave way to regret. She was the girl. I know that now. But (lights a cigarette) I pushed her away. (pause) So I spend every day since then chasing Amy. (pause) So to speak.

domingo, 31 de agosto de 2008

sobre o que não é

aqui jaz um texto

um texto bom, um texto rico

um texto sobre a vida

mas que a própria vida me impede de realizá-lo

pois ébrio estou

ébrio e com sono

e as horas avançadas são como um chamado a que me junte ao reino

a que me ceda gentilmente ao manto

reino e manto, estes, de orfeu.

sinto

sinto muito

sinto muito em deixá-los com o nada

mas deito-me agora sobre o travesseiro.

palavras desconexas parecem talvez ser mais verossímeis.

e a vida tem disso

tem de suas mudanças

mudanças e amadurecimentos

fatos tais que a tornam apenas mais digna do gozo

e é como diria o antigo mestre que a tudo viu

a tudo viu mas morreu infante

"mesmo um amor que não compensa é melhor que a solidão".

e eu dizia

dizia logo ali no começo

que aqui jazia um texto sobre a vida

um texto inspirado pelos ares e musas que somente o álcool traz

aqui jazia e aqui o jaz.

e este era um poema sobre aquilo que não foi

aquilo que não era

o que não é.

o que nem sei, ao menos, dizer.




nota do autor: agora, após um bom dia de sono, vejo o quão realmente bêbado estava ao escrever o que está acima. pois bem, deixo como uma óde à ebriedade. se você não o entendeu, eu tampouco.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

sobre o momento em que me encontrei

voltava para casa, ao fim de tarde, quando eu me encontrei.
não, não no sentido filosófico da expressão, no sentido literal.
eu ia por ali, andando despreocupadamente pelas ruas do meu bairro, concentrando meu olhar ao chão. mas sabe quando você dá aquelas breves olhadas para cima, tentando olhar o rosto das pessoas? então, em uma dessas desviadas de olhar, avistei um rosto muito familiar. devia ter uns 15 anos a mais que eu, barba por fazer, bigode ralo, semblante despreocupado e cansado. não havia como negar; aquele era eu.
fiquei encarando por alguns segundos, tentando desfazer o óbvio nó que havia dado em meus pensamentos, quando algo ainda mais bizarro aconteceu: ele me olhou de volta. e naqueles milésimos de segundo em que nossos olhares se encontraram, minha alma se encheu com a certeza de que eu era um cara legal. assim, de que eu seria um cara legal. melhor dizendo, de que eu serei legal.
eu sei, isso é tudo muito confuso. não consigo nem conjulgar os verbos.
e naquela situação esdrúxula, fiz o que, creio, a maioria faria. travei. não consegui pensar no que fazer, em como reagir, o que falar. e algo parecido deve ter acontecido com ele/comigo, já que eu também não fiz nada.
dessa forma, nos cruzamos respeitosamente e seguimos nossos caminhos. não consigo imaginar para onde eu ia. aliás, não sei nem ao menos se essa é a verdadeira questão. talvez eu devesse me perguntar o que raios ele fazia ali, naquele momento, 15 anos antes de quando ele deveria estar vivendo. deus! lá vou eu novamente me chamando de "ele", quando o fato é que "ele" era eu.
a esta altura você deve estar achando que sou maluco. talvez esteja certo; e talvez neste momento eu esteja mostrando à minha mulher um velho texto, que publiquei na internet 15 anos atrás, sobre o momento em que me encontrei na rua, depois de lhe ter contado a incrível experiência que foi ter cruzado comigo mesmo 15 anos mais novo; e talvez ela, minha mulher, esteja pensando em como sou maluco.
de qualquer forma, se eu não fosse louco, isso tudo certamente contribuiu para tornar-me um pouco mais insano. mas quantas pessoas tiveram a chance de vislumbrar seu futuro?
depois de me encontrar, sei que estou no caminho certo, sei que sou feliz, sei que continuo tranquilo e sei que meu gosto por roupas cairá com o tempo - ou isso, ou no futuro todos andam muito desleixados pela rua.
não sei por que aconteceu comigo. não sei por que mereci esse lapso temporal. não sei nem ao menos se esse acontecimento ajudará a transformar-me naquele sujeito que caminhava tão despreocupado pelas ruas da cidade.
há, no entanto, algo de que tenho certeza: se, em 15 anos, eu tiver estampado em minha cara um olhar tão leve e realizado, esse tempo que nos separa, eu de mim mesmo, será do caralho.
mal vejo a hora.

e agora? como serei em 30 anos?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

sobre tantos dias

e eis que hoje, um ano após o início deste blog, cá estou aqui a escrever o post de comemoração de seus 366 dias de existência - este ano foi bissexto.

confesso que nem eu acreditava que isso seria possível. nunca consegui dar muita continuidade a essas coisas. eu achava que seria mais algo que eu me empolgaria no começo e abandonaria às traças com o passar do tempo.

certamente que o tempo passou e a periodicidade deste blog foi diminuindo, mas creio que não deixei de postar textos novos um mês sequer.

a escassez de postagens se deve a um único e simples fato: só posto aqui textos que me vêm em momento de grande inspiração. logo, não há um só post que eu não me orgulhe. logicamente que há aqueles que habitam um lugar mais especial no meu coração, seja pelo orgulho que me proporcionem ou pela simples inspiração que me levou a escrevê-los.

em um ano, minha vida mudou muito. quando comecei a escrever neste blog, morava em são paulo e ainda era um reles vestibulando com pretensões de ser um jornalista. hoje, moro em santa catarina, cursando uma das melhores universidades de jornalismo do país, e posso dizer categoricamente que jornalistando eu sou feliz. no entanto, vocês que acessam este despretensioso blog podem e devem ter a certeza de que continuarei a escrever, pois esta é minha grande e verdadeira paixão.

comecei dizendo que o início deste blog seria a partida inevitável para um fim. e isto é verdade. mas durante este ano fui levado por jack kerouac, charles bukowski, orson scott card, truman capote, george orwell, jonathan safran foer, guilherme fiuza, ruy castro, josé saramago, luís fernando veríssimo e outros cronistas e escritores a escrever textos que certamente não são só meus. e tudo isso foi uma experiência única, que eu espero que dure por muitos outros anos.

a todos que têm acompanhado com paciência a trajetória deste blog, meu muito obrigado. se gostaram, façam uma publicidade por aí. eu agradecerei muito mais.

até o ano que vem.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

sobre as três partes envolvidas

na entrada, ele pensa.
ela me obrigou a vir à tal peça.
eu nem queria, mas tive de vir. sabe como é, um agrado aqui, outro acolá, e se consegue uma semana de sossego. ir ao teatro com ela deve me garantir alguns dias sem lavar a louça.
pessoas empoladas por todos os lados. tenho certeza de que ouvi o casaco de alguma madame rosnando para mim. odeio colocar terno. odeio colocar gravata. odeio, acima de tudo, colocar esses malditos sapatos velhos. tudo bem, é tudo pelo direito de colocar os pés cansados em cima da mesinha de café da sala.
com licença, com licença. desculpe senhor, esses são os nossos lugares. não, veja. bem aqui, no bilhete. o quê? fileira H? oh, perdão. com licença, com licença.
com licença, com licença. finalmente. não sei como a deixo me convencer a vir a essas peças. se eu tivesse que tropeçar em mais alguma barriga, surtaria. não mande eu me calar. estou falando baixo! "shhhh" o quê?! ah, perdão.
abre a cena com nada no palco, fecha a cena com celular tocando. nada.
abre a cena com nada no palco, fecha a cena com celular tocando. nada!
na coxia, o diretor se desespera.
maldição! tentemos mais uma vez.
abre a cena com nada no palco, fecha a cena com celular tocando. nada!!!
vamos, tente! não é possível que não haja ninguém no público com o maldito celular ligado. vamos, alguma musiquinha do gás, algum funk que seja! pelo menos aquele clássico "atende o telemóvel". de que adiantou todo aquele trabalho de pegar os números dos celulares de todos os que compraram os ingressos para ninguém atender?
e agora? a peça inteira era baseada nessa premissa. sempre tem de haver algum mal-educado que esquece o celular ligado.
ô, minha filha, continua tentando! continua tentando, senão é melhor cancelarmos agora toda essa porcaria!
no bolso, o celular luta para se controlar.
ah, não. agora não. por favor. tinha de ser agora?
toda vez que vamos ao cinema, ao teatro, a algum recital de poesia, esse infeliz esquece de me desligar ou deixar no silencioso, e toda vez alguém liga. ele não aprende nunca? maldito seja! estou cansado de passar vergonha, de ser xingado e vaiado. como se fosse eu o sem educação!
o que posso fazer? oh, deus! mais alguns toques e eu não aguentarei mais. a vontade é muito forte!
não vou, não posso, não quero.
não vou, não quero, não posso.
não posso, não quero, não vou!
ai, mas a natureza é muito forte. fui feito para isso! quem será o desgraçado ligando bem a essa hora? puxa vida, já são 11 horas da noite, isso não é hora para se ligar para alguém. deve ser a amante desse infeliz. sempre ligando nos momentos mais inoportunos. desiste, sua vaca!
não, o telefone é desconhecido. de certo, a oferecida está ligando de algum outro lugar. por que ela não desiste?
daqui a pouco começo a tremer. se isso acontecer, não resistirei mais, gritarei a plenos pulmões! filho-da-mãe, custava ter me desligado? não, não custava!
já sei, mandarei tudo às favas e chutarei minha bateria. isso, resolvo meu próprio problema. a partir de hoje, não dependerei mais desse imbecil que nem consegue seguir as regras básicas da etiqueta.
deixe-me ver, deixe-me ver. isso. aqui. só um chutinho, agora... foi.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

sobre o bolinho de atum

o bolinho de atum não gostava de ser o que era.
pudera, tinha uma vida entediante. uma vida de bolinho de atum.
o que se pode esperar do cotidiano de um bolinho de atum? se você pensou em "nada", parabéns, você está correto. envie-nos seu endereço por e-mail e aguarde por prêmios maravilhosos.
sua vida era entediante, pois o bolinho de atum era um ser inanimado. há quem diga até que um bolinho de atum não chega nem a ser um "ser", sendo apenas "comida". engana-se. pelo menos este bolinho de atum de quem falo é muito mais do que comida. é um ser entediado, aborrecido, um tanto genioso, com baixa auto-estima e uma personalidade apática.
não bastasse ser um bolinho de atum, é também um bolinho de atum cuja receita contém cebola. e o tal bolinho de atum odeia cebola, mesmo que seja parte de quem é. apesar de lhe dar sabor e um certo tempero, o bolinho de atum acredita que a cebola azeda-lhe a vida. de certa forma, não podemos lhe tirar a razão. por que não podemos? bem, nem eu, e acredito que nem você, que está a ler esta história, somos bolinhos de atum, não chegando nem a pertencer ao fabuloso grupo que constitui os bolinhos mais diversos existentes neste planeta. assim, não podemos sequer imaginar o que se passa na mente de um bolinho de atum.
o bolinho de atum também sofre. sofre por ter sido separado, ainda na infância, de seus irmãos, sabe, os outros bolinhos de atum que cresceram ao seu lado no forno. sofre também por ser ignorado por todos, esquecido em cima da bancada como um objeto qualquer. esse tipo de coisa pode causar profundas sequelas na confiança de um bolinho de atum. e assim esse nosso bolinho de atum foi ficando frio, duro, amargo, marcado pelo tempo e pelos duros golpes que a vida nos dá.
é, é difícil essa vida de bolinho de atum.
não bastasse ter sido esquecido e jogado pra escanteio como um qualquer, o bolinho de atum ainda tem que aguentar as próprias incertezas e dilemas que atravessa. pelo menos tais dúvidas não durarão muito tempo na mente do bolinho de atum. durarão somente, e tão somente, até ouvir um miado esfomeado ao seu lado.
e agora o bolinho de atum não existe mais, não pensa mais, não se amargura mais. foi comido pelo gato de estimação da quituteira que o fizera.
pobre bolinho de atum. depois de tanto tempo lidando com sua pobre condição de bolinho de atum, acabou depositado em uma caixa de areia qualquer, expelido pelo felino que o atacara sem piedade.
mas não se preocupe pelo nosso herói. claro, o bolinho de atum era religioso. budista, para dizer a verdade, e acreditava em reencarnação. talvez essa sua vida que acabou de acabar fosse apenas um momento de expiação, uma fase na qual tinha de aprender a lidar com o fato de ser um reles bolinho de atum.
quem sabe, em sua próxima encarnação, não volte como algo superior?
quem sabe talvez não volte como um nutritivo bolinho de chuchu?
quem sabe ele volte como um bolinho de chocolate, sempre disputado por todos, espalhando sorrisos nas faces das crianças e ajudando a espantar as tristezas do universo feminino?
quem sabe - e digo isso com toda a fé que eu tinha no humilde bolinho de atum, confesso que aprendi a amá-lo como a um filho - volte até como algo mais do que um bolinho? um suflê, por exemplo.
fico na torcida, e espero que vocês se unam a mim em minhas preces pelo futuro incerto daquilo que outrora fora um bolinho de atum.

porque, afinal, quem sabe?

sábado, 19 de julho de 2008

sobre a perda de um dom

não me lembro mais como se namora.

sempre fui um bom namorado. é verdade. pode perguntar às minhas ex's. não são muitas, o que não lhe tomará grande parte de seu tempo.
logicamente, convém perguntar quanto ao período anterior ao momento em que eu, impiedosamente, terminava o relacionamento, mas tenho confiança de que sempre fui um bom companheiro.
e agora não consigo me lembrar mais como é namorar. mal consigo me lembrar de como é passar um bom tempo com alguém do sexo oposto em um relacionamento que não passe do platônico. sei lá, desaprendi. talvez o fato de ter passado os últimos dois anos sem algo verdadeiramente sério tenha causado essa falta de memória. o fato é que eu não sei mais.
a simples idéia de passar um dia inteiro com uma mulher, sob o título de namoro, já é o suficiente para me deixar inquieto. claro, tamanho esquecimento tinha de vir acompanhado pelo medo. quem sabe, o velho medo do desconhecido, mesmo que já conhecido. talvez seja então o medo do esquecido?
mais uma dúvida.
não me entenda mal. eu gosto de namorar. curto relacionamentos sérios. adoro ter alguém para chamar de minha (não no modo possessivo, obviamente). o caso é que, pela primeira vez em minha breve vida, temo o namoro ao mesmo tempo em que anseio por ele.
minha memória nunca foi das melhores. maldita seja.
logo agora que eu imaginava já estar pegando o jeito da coisa, ela vem e apaga todo o conhecimento que lutei para reunir em meus 19 anos.
é, como os americanos diriam, é a história da minha vida.

terça-feira, 10 de junho de 2008

sobre pensamentos III - notas de um policial rodoviário


07:52 - rodovia presidente dutra, km 157. são paulo, 10 de junho de 2008.
morreu na contramão para me encher o saco.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

sobre táxis e as gotas da chuva


para escrever ouvindo: Stars - your ex-lover is dead



foi através do amigo de um amigo que eu encontrei marina pela segunda vez. estávamos na festa de bodas de ouro de um casal de 70 anos ou algo do gênero. as mesas eram cobertas por toalhas de linho branco, com pequenos vasos repletos de lírios ao centro, copos de cristal e talheres de prata. as paredes eram enfeitadas por faixas prateadas e douradas, e a banda tocava sucessos dos anos 50 e 60. era um salão de festas realmente muito bonito.
quando apresentados pelo jovem de boas intenções que não sabia que já nos conhecíamos, rimos brevemente. logo em seguida, instalou-se um silêncio, daqueles constrangedores, pelo que pode ter sido três minutos ou 13 anos. enfim, ela disse algo que teria sido considerado um clichê, caso ignorássemos o tempo que havíamos passado juntos:
- é, eu acho que já nos encontramos antes, não?
pude perceber pelo tom de sua voz que ela sinceramente não se lembrava de mim. quer dizer, pode ser que seu inconsciente soubesse quem eu era, mas já é sabido que a distância entre consciência e aquilo que habita as profundezas de nossa mente é enorme.
talvez essa seja a hora na qual eu devesse contar como nos conhecemos, nos apaixonamos e nos separamos 20 anos antes. fazíamos faculdade juntos, marina e eu. jornalismo. fomos amigos por um tempo, até uma festa em que os dois, bêbados, percebemos que pertencíamos a sexos opostos. alguns meses depois, fomos morar juntos, contrariando uma amiga que dividia o apartamento com ela e dois sujeitos que viviam comigo. com o fim do contrato de 12 meses, acabou também nosso relacionamento. essas coisas acontecem, o que se pode fazer?
enquanto eu lembrava dessa história, percebi que a hora avançava e eu tinha de ir embora. do lado de fora a chuva caía impiedosamente. ao expressar minha necessidade de partir, ela sugeriu que dividíssemos um táxi e eu, por preferir não me molhar, aceitei prontamente.
atravessávamos uma ponte e percebi que ela parecia triste. não trocava mais que algumas poucas palavras comigo. não podia imaginar que, naquele momento, ela tentava se lembrar do meu nome.
a separação foi amigável. concordávamos que não havia maneira de continuarmos juntos. namoramos por cerca de um ano, o qual eu passara tentando entendê-la profundamente em tempo integral. não adiantava, eu não conseguia penetrar suas defesas, ou assim pensava. eu era muito jovem, tinha 22 anos, como podia ser tão arrogante a ponto de querer conhecer todos os seus segredos? saí triste da relação, mas não magoado. ela sim, ficou um tanto deprimida. por isso acabei achando que eu era o maduro da relação, aquele que sabia lidar com relacionamentos.
hoje vejo todos os erros cometidos. não era ela quem se distanciava, não era ela quem tinha medo, não era por culpa dela que eu não conseguia conhecê-la de verdade. ela havia escolhido sentir, amar, desejar, e eu, coitado, nem tive a chance de fazer tal escolha. nunca a amei realmente. minha tristeza depois do fim não era pelo fim em si, mas pela minha incapacidade de sentir. foi por me amar tanto que ela acabou brevemente deprimida. sua depressão era um cartão-postal dos sonhos que tivemos juntos, um recado do amor verdadeiro.
talvez se tivesse tido a coragem de viver tudo aquilo eu não estivesse olhando para trás. marina era o que eu mais queria, e lhe entreguei o que entreguei. espero que não se arrependa de ter me conhecido. espero que não se arrependa de ter terminado. espero que não se arrependa de não haver o que salvar.
pagamos o taxista e subimos apressadamente para o meu apartamento, pois a chuva continuava a cair forte. no dia seguinte, em minha cama, ela ainda não se lembrava de nós dois. talvez assim fosse melhor. eu era um homem melhor, um ser humano melhor. podia ser que eu finalmente conseguisse lidar com o que eu sempre quis.
tínhamos muito tempo para nos conhecermos, para reinventarmos nossa história.
as enormes gotas da tempestade escorriam pela minha janela, desenhando sombras na face adormecida de marina.
naquele momento, eu não sentia muito por não haver o que salvar.

terça-feira, 13 de maio de 2008

sobre juras de amor eterno

durante a ligação, ele fazia juras de amor.
"mas eu te amo, pô! será que só você não vê isso? fomos feitos um para outro! eu quero passar o resto da minha vida contigo, guria! quero acordar ao teu lado. quero fazer juras de amor eterno. quero ter filhos, netos, bisnetos. quero te chamar de 'minha fofuchinha'. quero fazer amor contigo. quero ser a azeitona da sua empada, poxa! só de ouvir tua voz, vi que era pra sempre. nunca me senti assim por alguém antes. sou teu escravo, teu criado! não consigo pensar em mais ninguém. para mim, nem existe mais alguém neste universo! só você. tu és tudo, minha amada!"
do outro lado da linha, ela se desesperava, tentava mudar de assunto, mas ele continuava.
"vamos fugir? a gente desliga, eu ligo pro meu chefe, mando ele à merda e a gente foge. juntos. compramos uma fazenda no interior do amapá, estocamos vinho tinto e comida enlatada, e só saímos depois de três meses de sexo animal e apaixonado! vai, diz que sim. diz que sim, senão eu me mato. não estou brincando. subo nesta cadeira, amarro meus cadarços ao redor do meu pescoço e pulo. hein? eu falei que pulo! PU-LO! essa ligação... não, não precisa chamar a polícia. você sabe que eu não tava falando sério. pelo menos não se você aceitar fugir comigo. pára de me tratar assim, com tanta frieza, tanta formalidade! você sabe meu nome, está cansada de saber. isso, assim tá melhor. ai... fala de novo. isso, me chama de 'senhor manuel'. isso. assim eu fico louco! você sabe disso. casa comigo. vou ligar pro teu pai e pedir tua mão em casamento. não, nem tente me convencer de que é loucura. sou louco, sim. louco por você! por que você não se rende a isso? é o destino! somos almas gêmeas. eu nasci pra você, e você nasceu pra mim! não acredita que todos já nascemos predestinados e ficar com alguém? pois eu acredito. e você é minha. nunca tive mais certeza sobre coisa alguma. minha vida andava tão sem rumo, tão sem sentido. até que eu te conheci. melhor dia da minha vi...alô?? tá aí ainda? ufa... você ficou quieta por tanto tempo que eu achei que pudesse ter desligado."
ela realmente pensava em desligar. não aguentava mais.
"e, se você tivesse desligado, acho que eu não reagiria bem. esperei por tanto tempo para te encontrar... enfiaria a cabeça no forno e deixaria o gás fazer o resto. mas deixemos tudo isso pra lá. falemos de nós. como se chamarão nossos filhos? quero ter quatro. um guri, duas gêmeazinhas lindas e outro gurizinho. posso até imaginar o cachorro tomé entrando pela casa todo coberto de lama e você gritando com ele. você grita com o pobre tomé, mas o ama. você ama o tomé, não ama? e quanto a mim? você me ama?"
ela já desistira. faria a vontade dele. esse era seu plano.
"AMA??? meu deus, quanta felicidade. voce não se arrependerá! farei de ti a mulher mais feliz do mundo! faz o seguinte: desliga o telefone, fala com teu chefe, pede as contas e me encontra às dez na rodoviária de malas prontas. vamos hoje mesmo lá praquela fazenda no amapá. eu te amo, meu amor. até logo, já estou com saudades!"
ela não podia acreditar. pela primeira vez, o toque de desligado soava como as notas tiradas de harpas por pequenas mãos angelicais. olhou para o relógio pendurado na parede. ele ainda apontava para as 15 horas. para o inferno com isso! pediria demissão imediatamente. não que fosse se mudar para o amapá com aquele maluco. sua mãe bem que lhe dissera para estudar mais e virar advogada. ou médica! mas não... tinha de ser teimosa, brigar com os pais, sair de casa. aquela fora a situação mais louca na qual se envolvera em toda sua vida. não queria mais saber de telefone, não queria mais saber de seu trabalho. se levantou, trêmula, e foi em direção à sala do patrão, jurando a si mesma que nunca mais aceitaria um emprego como atendente de telemarketing.

terça-feira, 29 de abril de 2008

sobre asdrúbal e o violino

a história de asdrúbal terminou no dia 17 de março de 1994. para ser mais exato, os médicos legistas registraram sua hora de óbito às três horas, 46 minutos e 27 segundos da madrugada, o que, por si só, era um engano. o relógio musical do responsável pela marcação estava cinco segundos atrasados, devido à uma música que tocava, todo dia, ao meio-dia e o alterava em nanossegundos.
sua vida - a de asdrúbal, não a do relógio - era uma longa sucessão de enganos musicais.
duas semanas antes, ele havia sido desqualificado de um concurso público por assoviar Chopin durante a prova. o monitor, um antigo regente da orquestra sinfônica de taubaté, assegurava que ele havia colocado um dó no lugar de um sol, expulsando-o da classe. ele apenas tentara segurar uma tosse que lhe acometera durante a canção, perdendo o tom por alguns segundos. com isso, asdrúbal continuava desempregado.
certa vez, por volta de 30 dias antes de falecer, ele havia cedido à pressão de uma amiga e decidira aceitar o encontro às escuras que ela lhe arranjara. chegando ao local marcado, o bar Jobim, asdrúbal passou a cortejar seu par, pensando em como havia errado em pensar que a amiga não teria bom gosto. se havia estado enganado em muitas coisas ao longo de sua vida, naquela vez estava certo. aquela não era sua prometida. na verdade, a escolhida estava sentada do outro lado do bar, próxima aos toaletes e ao cheiro de empadinhas, cantarolando incessantemente Chico, o sinal combinado para que se reconhecessem, e acabaria indo embora após uma hora de espera prometendo a si mesma nunca mais aceitar sair com alguém com um nome tão patético quanto asdrúbal. no entanto, o engano dele deu frutos, já que, naquela noite, não voltou sozinho para casa.
o nome dela era marina, uma morena apaixonante que cantarolava Caetano. bem, o forte de asdrúbal nunca fora a música popular brasileira, e isso lhe valeu uma namorada.
o nascimento de asdrúbal também fora uma incertidão. passara a vida toda pensando ser filho de seu fabinho, um pobre artesão de instrumentos musicais, mas era na verdade filho do vizinho, que aproveitava as muitas horas passadas por fábio na oficina para ir dançar a macarena na horizontal em sua casa.

enquanto asdrúbal era concebido, seu fabinho construía o violino. feito em madeira nobre, o instrumento fora encomendado por barão, um músico abastado das redondezas que reconhecia o talento do artesão com as cordas.
o violino tinha um estojo. feito em coro e revestido internamente por um veludo avermelhado, parecia aqueles usados pelos gângsteres dos filmes para guardar seu armamento. entalhado nele estava "13-06-36", a data em que ficara pronto. seu fabinho realmente estava orgulhoso de seu trabalho.
e com motivo, o instrumento era magnífico. dele sairiam notas que não eram crédito de quem o portasse, mas sim de seu criador e de suas formas.
mesmo assim, barão não obteve sucesso, com o violino ou sem ele. frustrado por saber que carregava a culpa pelo próprio fracasso, descontou sua raiva no pobre objeto inanimado que se recusava a casar com suas habilidades. aquele não era um violino qualquer, teria de ser portado por quem tivesse braço para domá-lo. e assim barão se vingou, privando-o do que nascera para realizar, para fazer, para ser. nos anos seguintes, todos que passavam pela casa de barão não podiam deixar de notar aquele estojo empoeirado guardado sob a escada, parecendo clamar por uma chance de ser ouvido.
e o silêncio perduraria eternamente, não fosse o sobrinho do barão achá-lo, dez anos depois, enquanto limpava a casa do tio recém-falecido. músico em início de carreira e herdeiro de todas as posses do barão, se empenhou em consertar aquele belo objeto esquecido.
de volta ao seu esplendor, o violino tratou de recompensar seu benfeitor. recompensou-o tanto que seu dono não se viu capaz de acompanhá-lo. sabia que as notas produzidas não eram suas e esperava um dia vê-lo no máximo de suas capacidades. com isso, tratou de passar o instrumento adiante.
com o correr dos anos, o objeto de orgulho de seu fabinho, construído nos anos 30, passou por diversas mãos.
foi tocado pelo 4º violinista da sinfônica da cidade de são paulo; acompanhou um show de baião no agreste do sertão do nordeste que virou mar; regeu um conjunto de cordas que cruzou a américa; viu bailes de carnaval virarem celebrações fúnebres; atraiu as massas a teatros municipais e poucas pessoas a recitais de poesia; até que, assim quis o destino, fosse parar no bar jobim, vendo a namorada de seu dono saindo pela porta com outro, enquanto fazia o que fora feito para fazer.
no mês seguinte, cada vez que era manuseado pelo músico, sentia no apertar das cordas toda a mágoa do indivíduo abandonado. o tempo passou e podia prever uma tragédia, tragédia que não tardaria, pois ouvia as emoções do dono, e este conversava com o instrumento, como que pedindo por conselhos de algo que já vira muito, já passara por tanto. infelizmente, não podia responder, não por outro meio que não sua música. e isso, ele já sabia, não seria suficiente para saciar a maldade que crescia naquele que o empunhava.
o violino então foi banhado de sangue. na beira da lagoa de guanabara, iluminado pelas luzes reluzentes dos postes, durante a madrugada do dia 17 de março de 1994.
seu dono, abominado pelo que fizera, saíra correndo, encoberto pelas sombras.
marina, a morena apaixonante que havia conquistado o coração de asdrúbal, gritava por socorro. mas já era tarde, para ele e o violino.
asdrúbal deixava de ser humano para virar estatística. o violino largava a vida de instrumento para virar prova.

e, naquele momento, acabaram-se suas histórias, seus ensaios.

ensaios sobre asdrúbal e o violino.

sexta-feira, 14 de março de 2008

sobre sacolas deixadas num trem

certa feita ouvi sobre um garoto que, durante uma viagem, esquecera uma sacola no trem entre uma cidade e outra. logo que chegou ao hotel, se deu conta da falta da bagagem, mas, como é possível saber, nada havia a ser feito. o país era outro, a língua era estrangeira, e nenhum dos presentes sabia como reivindicar as posses perdidas.
a sacola não era qualquer sacola, e sim aquela na qual ele levava suas compras mais queridas e desejadas, um conjunto de chapéus com as quais sonhava desde que ficara sabendo que deixaria o brasil. sua reação foi das mais simples e previsíveis: chorou. errado há de ser aquele que pensar que o garoto era apenas mais um que dava importância às coisas materiais, assim como há de estar errado aquele que acredita que é fútil chorar por sonhos perdidos.
aqueles chapéus eram mais que reles compras, eram a própria materialização de desejos profundos, infantis até, mas que caracterizavam sua própria personalidade.
obviamente, sua mãe e seu irmão mais velho não foram capazes de entender de imediato a importância daquela perda, e chegaram até mesmo a se impacientar com o pobre garoto. no entanto, sua infelicidade era tão profunda e seu desespero tão genuíno que não puderam se conter em acalentar o infante. comprariam outros assim que pudessem, e foi assim que aos poucos o pranto cessou.
difícil dizer se a sensação de vazio naquele jovem peito tenha passado tão facilmente.

há aqueles que se vêem, em determinado momento de suas vidas, em posição similar. têm de deixar para trás bens preciosos que sabem que dificilmente irão recuperar, ao menos da forma como um dia foram. as formas de lidar com tais acontecimentos são as mais diversas, mas o princípio é o mesmo.
de início, a sensação de perda vem forte, e olhar para trás causa uma dor incomensurável.
em seguida vem a negação. evita-se que o pensamento passeie pelos campos da saudade, e a mente preocupa-se em se manter ocupada.
no entanto, é da natureza humana sentir a falta, a saudade, o vazio deixado por algo que se ama. dessa forma, enquanto a mente luta para ser forte, a alma sente e, embora as ações sejam de quem parece seguir olhando para frente, conhecendo novos destinos e vislumbrando novas vidas, o coração se mostra ainda soberano e sofre calado, até que o cérebro esteja forte o suficiente para acompanhá-lo.

nesse momento que se chora verdadeiramente por aqueles que tiveram de ser deixados para trás, irmãos, amigos, parentes - assim como uma sacola esquecida.

finalmente este irmão mais velho que vos fala entende da dor madura sentida por alguém que tinha tanto para ensinar, por ser tão infinitamente mais inocente a ponto de derramar lágrimas por um bando de chapéus deixados num trem para veneza.



nota do autor:
em homenagem a Gabriel, meu irmão, e a honra que é poder chamá-lo assim, e a todos aqueles que, mesmo não tendo o sangue em comum, já pude um dia fazer o mesmo. obrigado por tudo.




segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

sobre dias mais simples

tinha nove anos, seu nome era gustavo e aquela era, obviamente, a primeira vez que se apaixonava.
ele viu quando a garota nova entrou na sala, seguindo-a com seus olhos infantis enquanto ela deslizava em direção à sua carteira. engraçado, ela tinha uma mochila rosa, e um estojo rosa, e um sapato rosa e um pequeno laço laranja.
nunca tinha reparado numa menina assim antes. todas eram tão nojentas, tão frescas, tão chatas e bobas. ela não. ela era a menina mais bonita que ele tinha visto. ficou pensando em como falar com ela.
gustavo corou quando os olhos dela encontraram os dele. a professora chamou sua atenção e ele procurou se concentrar nos exercícios de matemática.

durante o recreio, após o lanche, constatou que ela já havia se enturmado. sorte a dele, ela estava com sua melhor amiga menina. se aproximou, descontraído e nervoso, perguntando se elas queriam brincar de esconde-esconde. o primeiro contato estava feito.

nas semanas seguintes, passou um bocado de tempo do recreio com ela. se chamava fernanda. brincavam com as outras crianças. ele sempre descobria seu esconderijo, sempre a pegava no pega-pega e usava um pouco mais de sua habilidade para fugir dela.
sim, ele estava apaixonado e não sabia. oras, não tinha como saber, ele tinha apenas nove anos.
implicava com ela mais do que com as outras meninas. a chamava de boba e vivia mostrando a língua pra ela, enfiando o dedo no nariz quando sabia que ela estava olhando e escondendo o seu estojo.
ela honestamente não sabia porque ele agia assim.
ele tampouco. só sabia que queria chamar sua atenção.

quem nunca reparou como os meninos agem quando se apaixonam? crianças, xingam mais, provocam mais, empurram mais e usam palavras como "boba", "chata", "nojenta" e "boboca".
essa é sua demonstração de afeto.

com o tempo, todos vêm a entender isso. uma reação normal do crescimento. no entanto, essa história não é sobre um garoto de nove anos. sinto muito. eu menti.
ele tinha 22 anos feitos, e ainda não fazia idéia.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

sobre os dissabores

há um tempo atrás, eu tinha um amigo. não tanto um amigo, um conhecido. a verdade é que ele confiava em mim, me contava coisas. coisas que pensava, coisas em que acreditava.
não me perguntem por quê contava logo a mim. talvez fosse porque eu chegava a entendê-lo. muitas das vezes não concordava, mas eu o entendia.
não tinha uma grande vida, esse conhecido meu. mal saía de casa, não tinha amigos de verdade, seu último relacionamento significativo fora há tantos anos que mal conseguia se lembrar. continuava em seu emprego seguro, vivendo sua vida pacata na segurança de seu lar, se protegendo do violento mundo hostil que acontecia à sua volta.
as coisas que me contava não eram bem coisas. digo, não assim, no plural. ele tinha uma teoria.
pelo jeito, passava horas conferindo suas idéias, repassando argumentos, relacionando adendos. tudo ligado à sua teoria.
ele acreditava, realmente confiava, que existem coisas boas por aí. risadas, música, poesia, brincadeiras, jogos, amor. e era apaixonado por tudo isso. talvez fosse um de seus maiores admiradores. sabe, do lado bom da vida.
no entanto, acreditava também no outro lado. na dor, na traição, na mentira e, de certo modo, no fim.
infelizmente, não sei se por opção ou por natureza, dava maior importância a tais coisas, deixando toda a sua admiração ser ofuscada pelo medo.
assim, ele não se arriscava. não escrevia por medo de críticas. não cantava temendo desafinar. não ria para não chorar. não namorava para não brigar, trair, terminar. enfim, não amava para não se preocupar com rejeição e desapontamento.
e eu não sentia pena dele. não passava horas tentando dissuadi-lo de seus ideais. eu apenas ouvia. era o máximo que podia fazer por ele. dono de sua própria existência era o que era. quem sou eu para dizer o contrário?
ele já passara por muito, vivera o suficiente de desilusões e dissabores, muito além do que eu podia compreender. e ele vivia assim, vivendo uma quase não vida.
há muito perdemos contato, mas imagino que ele siga perseguindo a segurança que somente uma existência sem riscos pode oferecer.
até hoje me pergunto que existência seria essa. se seria algo que vale a pena almejar. talvez a resposta seja óbvia. talvez esteja flutando ao meu redor, em cada desapontamento, em cada tristeza, em cada comida queimada na panela, em cada hematoma, em cada nota fora do lugar, em cada insulto e em cada lágrima.
podem me chamar de teimoso, ou até mesmo de tolo. saibam apenas que não sou um admirador dessas coisas. pessoalmente, se pudesse evitá-las total e completamente, o faria. no entanto, sou um apaixonado por todo o processo que leva a cada um de tais dissabores, do que vem antes e daquilo que virá depois.
quem souber como evitar, serei todo ouvidos. ouvi uma teoria a respeito certa vez. não funcionou para mim.
no fundo, acredito que de nada adianta lembrar do passado, viver o presente, sem acreditar no futuro.
tinha um conhecido que, ao lembrar do passado, não vivia o presente por temer o futuro.


nota do autor: agradeço ao mestre cartola pela inspiração. não só nessa história, mas na vida e na música.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

sobre o heterônimo

uma outra noite, um outro sonho. desta vez, totalmente diferente do último. mas ele ainda está lá.
o pássaro. ainda no parapeito da janela, seja do quarto, seja do trem, seja do Vectra avermelhado cor-de-sangue que dirige agora.
os sonhos têm sido assim, todos eles. a cada dia, um novo cenário. a ave diz que quer vê-lo conhecer o mundo. o carro dirigido pelo jovem passa pela placa em que se lê: "Praga, 47 km."
"agora entendi. vou morrer, não vou?", pergunta o jovem ao pássaro empoleirado, agora, no volante.
"não diga tolices. muito menos as pergunte. que história é essa de morte?"
"estava apenas pensando. a cada noite de sonhos, sou transportado, independentemente de minha vontade, para os lugares mais variados. esta noite, no entanto, vim parar em Praga, a cidade que eu sempre quis conhecer. aliás, durante toda a semana, fui somente a lugares de, ironicamente falando, meu 'sonhos'. acho isso estranho. você nunca foi de me agradar. seria possível que o tempo o está suavizando?"
"já lhe disse para parar com as tolices", a ave respondeu, logo após uma forte bicada no dedo do rapaz que lhe arrancou sangue. "ninguém aqui lhe permitiu 'pensar' sobre merda alguma. apenas continue guiando."
"mas nesta escuridão é impossível ver coisa alguma à nossa frente." logo após dizer tais palavras, o jovem se surpreendeu ao piscar os olhos e encontrar o sol brilhando ao seu redor.
com o Sol, ele podia ver longas distâncias. a paisagem lhe acalmava e confortava. era como se nunca tivesse tido preocupação alguma em sua vida. foi então que percebeu. ele conhecera o pássaro há apenas poucas semanas, durante um sonho no qual jogava pebolim com Tolstoi, Stephen Hawking e, para sua surpresa, Dona Júlia, a mulher que lavava a roupa de seus pais quando era apenas um infante. o pássaro viera voando e pousara na cabeça do goleiro do time controlado por Hawking. nesta hora, o jovem fizera um gol fenomenal, enquanto seus oponentes tentavam espantar a ave. assim, o romancista russo, que fazia dupla com o físico britânico, lhe rogara uma praga. a partir daquela noite, o animal alado sempre habitaria os sonhos do estudante brasileiro.
contudo, o que era para ser uma maldição se mostrou uma bênção. logo na noite seguinte, durante uma discussão acalorada sobre nanotecnologia (solução ou destruição?), a ave lhe revelara ser Álvaro de Campos, o heterônimo do poeta português. Admirador profundo de seu trabalho, o garoto passou dias calado e obediente, tentando aprender sempre o máximo com o poeta/pássaro/mestre. mas a arrogância e prepotência do animal-autor lhe foi desgastando a paciência. após noites sem fim e diversos lugares visitados - incluindo uma visita a uma amiga muito próxima, atravessando a ponte sobre o rio Furness - havia decidido confrontar aquele que não lhe permitia uma noite de sono tranqüilo sequer.
suficientes eram as dúvidas que tinha quando acordado, - se iria passar em uma boa faculdade; que tipo de vida teria; se aquela sensação de conhecer alguém uma existência inteira, mesmo a tendo encontrado pela primeira vez há não mais que um ano, significaria algo - agora tinha que se preocupar com outras tensões e debates enquanto se aconchegava no abraço de Orfeu, o antigo deus grego que embalava os homens em tempos remotos?
isso não era justo. a vida não poderia ter lhe pregado tal peça. sempre fora do tipo que acreditava que não existiam forças além da compreensão que regiam as vontades da humanidade, que dirá de um único ser. como poderia lhe entregar assim, de mão beijada, a responsabilidade sobre tudo o que lhe acontecia em vida? não era ele quem era mestre do próprio destino, controlando tudo com as próprias mãos?
daquela vez, a ave pagaria. daquela vez, sumiria de uma vez por todas e, junto a ela, suas preocupações, medos e incertezas. daquela vez, atravez da janela do Vectra ensangüentado de cor vermelha, a ave e ele mesmo conheceriam suas sortes.
e foi assim, assim mesmo, mundanamente, que o volante foi virado violentamente para a direita, direcionando o automóvel para uma cerca que separava a estrada de um rio localizado por volta de cinco metros abaixo do nível da rodovia. jovem e animal mergulharam para o incerto e, enquanto a ave gritava, ele ria. sua excitação com o desconhecido ainda chamava seu coração de lar.
o barulho surdo do choque do carro contra a água fez o garoto acordar em sua cama, com o sol levantando-se ao horizonte.
na noite seguinte, no entanto, um jovem abriu seus olhos novamente para um mundo de sonhos, quando um grasnado familiar soou ao seu lado.

sobre a Queda

e durante aquele tempo havia sofrido e se alegrado; havia comparecido a homenagens póstumas em salões funerários e dançado em pomposos bailes; havia temido a incerteza daquilo que sabia e cantado poesias em prosa e verso; havia chorado por pessoas que nem ao menos conhecia e sorrido pela beleza de eventos alheios à sua pessoa; havia amado e amado.
tudo isto durante; durante a Queda.
de certo que um dia, sobre chão sólido, caminhara, engatinhara e se arrastara. no entanto, o tempo que separava o hoje daquela época era tamanho que pareciam não mais do que meros sonhos, lembranças de vidas passadas.
a Queda era tudo que se lembrava. tornara-se tudo o que conhecia. tornara-se sua vida.
a origem da Mesma já não lhe era importante. sabia apenas que caía. nada mais.

no instante seguinte, a primeira coisa que sentiu foi o forte gosto de ferro em sua boca, seguido de uma dor lascinante em todos os membros de seu corpo. sentia os efeitos da gravidade.
sentia também o contato com o solo, pressionado contra a sua pele.
percebia que a queda se fora.
ainda desorientado, procurou habituar-se à sua nova condição. os membros, fracos pelo desuso, lutavam para se sustentarem.
enfim, se ajoelhou e conseguiu se manter em pé.

com uma das pernas se dobrando para frente, deu seu primeiro passo, visando o horizonte com um sol nascente tão distante.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

sobre pensamentos II - os malditos

às vezes, dá a louca na Natureza e ela acha por bem criar irmãos sem qualquer laço genético. felizmente, a Amizade se encarrega deles.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

sobre talita viana

atirou os documentos na parede e gritou:
- eu não aguento mais isso!
a gata, gorda desde que era filhote, tomou um susto e desceu do ármario, preparada para a bronca. felizmente, o problema não era ela.
caio morava sozinho num pequeno apartamento. bem, sozinho mesmo, não. havia a gata.
as folhas ainda voavam pela sala quando percebeu que não havia mais ninguém ali, com excessão do felino obeso que atendia pela alcunha de talita viana. ele sabia que esse não era um nome comum a animais de estimação, sua mãe e sua ex-namorada já haviam lhe alertado quanto a isso, mas o bicho realmente tinha cara de talita viana, parecia gostar do nome dado.
- desculpem, caras. fica pra outro dia. tenho que voltar para casa. vocês sabem, talita não consegue se virar sozinha. - de fato, ela não conseguia. era apenas uma gata gorda. no entanto, os 'caras' não faziam idéia. era menos humilhante fingir que tinha alguém esperando em casa do que apenas dizer que não tinha saco para ficar no bar até altas horas, tomando cerveja e trocando conversa pequena. também era menos patético que esse alguém fosse uma mulher, e não um simples animal.
nenhum dos colegas de trabalho jamais havia conhecido o apartamento de caio. ele sempre tomara o cuidado para não deixar nenhuma espécie de convite no ar.
- pô, mais tarde passo na tua casa, quero te mostrar um disco fodido da rita lee que eu comprei. coisa rara. curtes rita lee?
- curto, curto. infelizmente, hoje não é um dia bom pra mim... - e era isso. nada de "quem sabe outro dia" ou "fica pra próxima". caio não podia entregar que era um farsante.
no trabalho, era conhecido como um cara de família. um exemplo da velha guarda. um gentleman, por assim dizer. depois do trabalho, nada de esticar a conversa no boteco da esquina. tinha de voltar para casa, voltar para a sua talita. ironicamente, por se passar por uma espécie em extinção, caio era admirado. não tinha amigos próximos, ou até mesmo amigos distantes. mas tinha admiradores.
de qualquer forma, a farsa não duraria para sempre. e ele sabia disso. começara a trabalhar na repartição há distantes dez anos e desde então conseguia manter a ilusão funcionando. com a passagem dos anos, no entanto, começara a perder o sono. tinha horríveis pesadelos com uma talita gigantescamente deformada, gorda, destroçando as pessoas no escritório. ninguém corria, apenas se entregavam à sua bocarra gritando: "eu sabia que era mentira! mentirosooooooooo!...".
com o fim das noites de sono, tinha começado a delirar acordado. certa vez, seu chefe de calças cáqui e careca lustrosa entrou em seu escritório agarrado a um cipó, lhe oferecendo um cacho de virgens e um estoque para a vida toda de areia para gatos.
foi num desses delírios que caio atirou as dinamites que tinha nas mãos para matar a salsicha sambista com chapéu côco que se arrastava pela parede de sua sala. vendo as contas sendo levadas pelo vento da janela aberta e da chuva que não demoraria a cair, teve consciência de que não conseguiria segurar. tinha atingido o limite.
não aguentava mais a pressão de suas mentiras. não tolerava mais o peso da vida falsa que apresentava no trabalho. no dia seguinte, levaria talita viana ao trabalho, vestida como ele sempre a vestira, com um gorrinho de lã azul com dois cordões que serviam para amarrar abaixo do queixo e um suéter laranja, que combinava com as listras de suas patas, preparado para a humilhação total.
- isso, amanhã é o dia, talita. amanhã você conhecerá a todos do escritório. seja boazinha com eles, sim? tenho certeza que eles lhe parecerão hostis à primeira vista, enquanto jogam o café quente e as rosquinhas em mim, mas não se preocupe comigo. eu mereço.
talita o observava desde que começaram a morar juntos. tinha visto quando ele chegara em casa animado com o novo emprego e quando começou a perder o sono e a ter alucinações. nada disso lhe dizia muita coisa. ele lhe dava comida, lhe dava almofadas fofas e trocava a areia. acima de tudo, nunca lhe enchia muito o saco quando subia em cima do armário, seu lugar preferido.
enfim, caio bastos era um ótimo animal de estimação.
bocejou e balançou a cabeça afirmativamente.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

sobre desenhos animados

ele ainda assistia a desenhos animados.
ainda chegava em casa, ligava a televisão e se deliciava com as aventuras de um gato e um rato; ainda pegava dinheiro com a mamãe; ainda fumava escondido; ainda chorava.
como poderia que o mundo, a sociedade, a vida esperassem que ele se tornasse, automaticamente, um adulto? o que estipula que, em determinada idade, um ser humano já não é mais uma criança?
seria a lei? neste caso, a lei dos homens, a lei de deus ou a lei da natureza?
que mecanismo movido a engrenagens e molas que o obriga a se tornar um homem?
ele passara a vida ouvindo que tinha que crescer e se tornar um homem. todos que conhecia tinham passado por tal processo. e a pergunta que lhe castigava a mente era: por quê?
por que não se pode crescer e virar apenas uma criança mais velha? afinal, era isso que ele era. um crianção. um tolo, que não sabia mais ou menos da vida do que um jovem de 5 anos.
lutava contra tais impulsos agarrando-se à infância como o bem mais precioso que possuía. podia ir morar sozinho. podia entrar na faculdade. podia, até, se apaixonar, casar e ter filhos. ainda seria uma criança.
antes de dormir, sua mente era um turbilhão de idéias. teria feito tudo o que tinha de fazer no dia? de certo que deixara algo não feito, algo que teria que correr atrás na manhã seguinte. não conseguia se lembrar de quando fora a última vez que se deitara sem pensar isso e tal incapacidade lhe angustiava.
suas responsabilidades eram inúmeras. comer, limpar, estudar, trabalhar, caminhar, exercitar, pagar, descansar. sua própria humanidade, sua infância, se mesclava com as diversas máquinas que atravessavam seu caminho. suas engrenagens agora habitavam o corpo dele, pulsando o sangue e o óleo quente, movimentando as molas de seu cérebro e os neurônios de seu computador.
fumava, um cigarro após o outro, tragando cada miligrama da fumaça espeça que se acumulava em seus pulmões.
dormia um sono inquieto, atravessando as barreiras de tudo que esquecera de fazer no dia.
não era mais uma criança, tampouco era um homem.
o que era? não poderia responder.
ele ainda assistia a desenhos animados!...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

sobre os devaneios e bukowski

eu tinha 19 anos, certo?
era a idade em que ninguém quer saber de nada, muito menos eu. sempre fui um daqueles rebeldes, que eu julgava ver em filmes de james dean. o que ia fazer? era assim e ponto.
o cigarro na boca me dava a sensação de poder. a jaqueta me dava coragem. o ronco da moto me empurrava por abismos.
piegas? talvez. só não me peça agora para olhar pra trás e sentir vergonha de tudo. muito tarde para isso. há muito cheguei em um ponto em minha vida que sentir vergonha não me adianta de muita coisa.
pare pra pensar. quando foi que sentir vergonha lhe causou algum bem? você já ficou com aquela menina que você desejava por meses por perceber quão patético era não conversar com ela por medo? você já correu pelado na rua, com o cabelo meio raspado, o nome daquela faculdade na tua cara, aquela que você acabara de ser aprovado, ao se dar conta de que negar tal felicidade não lhe levaria a lugar nenhum?
não.
você não fez nada disso. eu tampouco o fiz. e isso me dá pena. sou agora aquele gordo suado que senta atrás de uma maldita mesa branca de compensado de madeira e sente pena de si mesmo pela vidinha que leva, atendendo a você - você mesmo - e tendo de aturar aquele seu sorriso de piedade que tenta disfarçar em vão.
e agora vivemos, nesse ritmo de autopiedade e consumismo que fomos levados a manter.
sei que tudo isso parece uma desculpa esfarrapada por tudo que não tive coragem de viver, de sentir, mas não se iluda, não tenho bolas para tanto. inventar desculpas nunca foi comigo.
para inventar boas desculpas, desculpas que realmente colassem, eu teria que botar a culpa em um terceiro, real ou inventado, e minha existêcia sempre foi tão pequena, tão ínfima, que eu não ousaria criar qualquer tipo de problema a alguém que não o merecesse menos que eu.
e esse é exatamente o problema. eu sempre mereci muito mais.
sabe quando alguém chega fodido à sua porta, lágrimas nos olhos e te conta aquela história de vida que não lhe deixará dormir por semanas, só por se lembrar dela, e você, sem saber como lidar com tais problemas, com tais pessoas, sente aquela iluminação divina lhe chegando e solta aquelas (porras) daquelas palavras: "hey, podia ser pior."?
então, eu sou aquela porra daquele pior. eu sou a raspa do tacho, aquele sentimento inumano que não atinge nem as drogas daqueles ratos que se vê na sarjeta do cemitério da consolação, por volta das duas da madrugada.

enfim, você já entendeu. eu tinha 19 anos.
eu era jovem e não sabia que porra fazer. não sabia como encarar aquela situação. só pensava nos pais dela dizendo: "você acabou com a vida da nossa princesa, seu burguesinho de merda".
caralho, nunca fui burguesinho. nunca fui magnata. nunca fui pobre. nunca morei no morumbi ou embaixo da porra do elevado da artur.
me casei. e esses são o melhor que pude imaginar como votos de casamento.
sinceramente,
não sei.

sinto, em algum íntimo do meu ser, que charles bukowski revira no túmulo neste momento.
quer saber?
ao inferno com ele.



nota do autor:
levemente embriagado, nenhum pouco deprimido. sei lá que porra me levou a escrever tal texto numa só paulada. as únicas pausas dadas foram para corrigir os inúmeros erros cometidos, aqueles erros que só acontecem quando os dez dedos vão em tal velocidade que na verdade parecem 30. quem sabe amanhã, lendo tudo isso, eu não venha a apagar toda essa merda? até lá, me mantenho fiel ao narrador: caralho, "não sei".