tag:blogger.com,1999:blog-64201073997228887072024-03-13T12:02:14.691-03:00sobre tudodevaneios, pensamentos, cigarros e cafezinhos (now, with a new look)César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.comBlogger77125tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-45970082908737610022011-08-22T21:33:00.006-03:002011-08-22T22:27:39.371-03:00sobre o acordarexistem sonhos que fazem jus ao nome. são aqueles nos quais você consegue tudo o que sempre quis. quando percebe, foi promovido; comprou seu primeiro apartamento; falou mais uma vez com o avô, há muito falecido; ficou, finalmente, com a garota. sonhos que, mais cedo ou mais tarde, mostram ser o que são por serem bons demais. mesmo assim, você se apega a eles, estabelecendo o acordo não oficial de fingir que não sabe ser sonho, e ele fingindo que não sabe que você sabe. continuam todos, assim, felizes em sua ignorância.
<br />
<br />no entanto, a vida é geniosa e não suporta ser trocada assim tão fácil por algo que nem existe fora de nossas cabeças, jogando algo para nos tirar daquele estado inconsciente. em algumas vezes o despertador toca, em outras, sua mãe bate à porta e avisa que é hora de levantar. você, claro, não desiste assim tão fácil. enfia a cabeça debaixo do travesseiro, puxa as cobertas e tenta, apertando os olhos de tal maneira que eles poderiam jamais abrir novamente de tão forte, voltar àquela realidade irreal. mesmo sabendo que na maioria das vezes ela não volta. situações estas que se repetem tantas vezes ao longo de nossa existência que acabamos nos acostumando.
<br />
<br />contudo, se tivermos sorte, em algum momento chegamos a conhecer o aconchego de um sonho neste mundo aqui de fora, vivendo todos os dias em um estado aparentemente perpétuo de plenitude, podendo até mesmo fazer pouco de tamanha graça. nestas horas, ignoramos que este é um universo paralelo cujo fim já estava estabelecido em seu começo. e assim dá-se continuidade àquele acordo, ninguém me belisque pra saber se é verdade.
<br />
<br />como todo sonho, no entanto, o amanhecer não tarda a chegar e a vida, invejosa, tem pressa de continuar. você pode lutar, pode se debater e enfiar a cabeça debaixo do travesseiro, tentando voltar àquela irrealidade arredia. mais cedo ou mais tarde, não importando o que faça, acaba por se aceitar o inevitável. resta, então, apenas deixá-la partir, como tantas outras antes. mesmo sabendo que, dessa vez, toda vez em que se deitar, rezará calado para que ela volte.
<br />César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-30527867832831862282011-08-16T02:09:00.006-03:002011-08-16T02:57:10.499-03:00sobre as pessoas ao meu ladocuriosamente, ali estavam apenas o médico, um homem com seus 30 e poucos anos, cabelos castanhos cheios e olhar gentil que lhe dava um ar respeitável, e a enfermeira, já uma senhora que claramente havia visto suas dezenas de primaveras e que usava um suave suéter cor de rosa por baixo do avental creme do hospital. ela perguntou se havia alguma coisa que podia fazer por mim. perguntei-lhe se ela tinha uma caneta e papel.
<br />
<br />cerca de quinze minutos antes, o doutor havia me informado que minha condição era crítica e que, assim que possível, eu deveria passar por uma cirurgia para tentar remover o coágulo que pressionava meu cérebro contra o crânio causando, sem meu conhecimento, a enxaqueca que já durava dias. a notícia não havia sido processada apropriadamente ainda, apenas o suficiente para que tudo o que eu conseguisse pensar era em escrever. eu ainda não sabia exatamente o que, mas me parecia uma obrigação deixar registrado meus últimos pensamentos caso, você sabe, eu não tivesse êxito.
<br />
<br />estava sozinho numa cafeteria a poucos quarteirões da minha casa quando desmaiei, vítima de um episódio súbito e mais violento do que aqueles que vinham acontecendo. talvez por isso me encontrava sem alguém conhecido naquele quarto de hospital. acho que, por estar tão só naquele que provavelmente seria o momento mais importante da minha vida, só conseguia me concentrar naqueles que eu gostaria que estivessem comigo.
<br />
<br />seguindo essa linha de raciocínio entrei em uma área obscura que provavelmente deveria ter evitado. nestes meus 47 anos, quantas pessoas pensariam em mim caso se encontrassem na mesma situação? quantas vidas eu havia realmente marcado a esse ponto, de fazer a diferença na hora de um fim iminente?
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<br />***
<br />
<br />acordei três dias depois e haviam duas pessoas ao meu lado, meu irmão e pedro, meu melhor amigo desde a adolescência. talvez a única coisa que supere minha felicidade ao perceber que ainda estava vivo seja a alegria presente nos olhos dos dois. um sentimento contido, reservado, de quem não quer que você perceba o quão perto da morte esteve. os dois haviam lido meu bilhete, minhas ex-últimas palavras, e me asseguraram que haviam entregue o recado à terceira pessoa, a mulher da qual eu tinha me divorciado anos antes. ela passara para checar meu estado um dia antes, mas tinha de viajar para fora do estado a trabalho, torcendo pela minha recuperação.
<br />
<br />jamais entenderei por que, naquele momento, resolvi que devia buscar esclarecimento com ela. pedro e meu irmão, claro, ambos ainda eram as pessoas mais presentes em minha vida, mas ela? trocávamos e-mails vagos e superficiais a cada dois meses, mais ou menos, apenas para não nos tornarmos estranhos. pelo jeito, havia algo dentro de mim que ainda não a havia esquecido com o assinar dos documentos do divórcio.
<br />
<br />conversamos distraidamente por algumas horas os três, sempre evitando o elefante no quarto que havia sido minha quase morte. dias depois descobri que havia ficado em coma durante dois dias, acordando brevemente no terceiro, fato que não me recordo. o almoço chegou acompanhado do doutor, que disse ao dois que eu precisava descansar. pedro, sempre reservado, acenou da porta e disse que voltava no dia seguinte, caso eu não resolvesse ter outra dorzinha de cabeça. meu irmão ainda tentou em vão conter o abraço apertado que quase me arrancou a gaze. com lágrimas nos olhos (tanto nos dele, quanto nos meus) me fez jurar que jamais armaria outra palhaçada daquelas. pouco antes de atravessar a porta, se lembrou. ela havia deixado uma resposta. entregou o papel amassado que havia passado as últimas 24 horas em seu bolso, me beijou a testa e saiu.
<br />
<br />depois de almoçar a comida surpreendentemente saborosa, não apenas por se tratar de ser um hospital, mas porque eu também não sentia o gosto das coisas há algumas semanas, ainda assisti um pouco de televisão, agradeci à boa e velha enfermeira por ter entregue meu recado e enrolei mais um pouco até ter coragem de ler o que minha ex-mulher havia respondido. sucinta como lhe era característica, a resposta era constituída por apenas uma palavra. "sim".
<br />
<br />e você? já marcou de verdade a vida de alguém? às vezes não vale a pena esperar momentos como este para descobrir.
<br />
<br />
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<br /><span style="font-style: italic;font-size:85%;" >levemente inspirado neste belo texto: <a href="http://bit.ly/r3FIvd">http://bit.ly/r3FIvd</a></span>
<br />César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-46770857790098522722011-07-17T03:17:00.004-03:002011-07-18T03:23:19.015-03:00sobre viagens de negóciospoligamia é uma daquelas coisas cujo próprio ato já deveria ser considerado punição suficiente. joão moura, popularmente conhecido como jomo, discordou durante anos desta afirmação. aos 23 anos, se casou com maria cláudia, sua primeira namorada, quando esta engravidou. ao contrário do que se pode imaginar em se tratando de um casamento motivado pela gestação, foram muito felizes por sete anos, com mais dois filhos pelo caminho, até que a chama pareceu se apagar. passou a chegar sempre cansado do trabalho, maria cláudia estava sempre com dores de cabeça, foi praticamente um milagre que didi, o terceiro filho do casal, pudesse ter sido gerado.<br /><br />um dia, no entanto, tudo mudou radicalmente. jomo voltou de uma viagem de trabalhos carregado de presentes para todos. um video game para o primogênito, um carro de controle remoto para o filho do meio, três macacões do santos para didi e uma noite quente para maria cláudia, começando com as crianças com a babá, um jantar romântico em seu restaurante favorito e a superação de qualquer enxaqueca na cama - por quatro horas seguidas. ela não podia acreditar na súbita mudança de humor do marido, e nem estar tão feliz que nem reparou que suas viagens de negócios passaram a se tornar cada mais constantes e longas. afinal, jomo voltava sempre tão amoroso e dedicado que valia a pena as duas semanas por mês que ele tinha que passar longe de casa por causa de sem emprego como representante de vendas de uma fábrica de ligas metálicas. mal sabia ela que, em ribeirão preto, joão moura tinha outra mulher.<br /><br />tudo havia começado como uma mera relação profissional. maria cristina trabalhava como secretária de um dos clientes de jomo e atraiu sua atenção durante um dos almoços de discussão de preços. era uns bons oito anos mais nova que sua patroa, bonita, ambiciosa e admirava aquele homem que vinha mensalmente conversar com seu patrão. saíram para jantar um dia e só deixaram o quarto dois dias depois, quando joão tinha que voltar pra casa. um ano depois, uma cerimônia pequena reunindo apenas os amigos mais chegados, no cartório mesmo, oficializava a união entre maria cristina rondón e joão de carvalho moura (de carvalho era o sobrenome de solteira da mãe de joão), que passou a ser conhecido nos círculos de conhecidos do casal como "joca", ironicamente.<br /><br />enfim, durante uns bons três anos, a vida não poderia ser melhor para jomo/joca. conseguia levar bem sua vida dupla, afinal seu emprego realmente o forçava a viver nessa "ponte aérea" santos-ribeirão preto. sempre que chegava em casa, era recebido por amores e saudades, e ainda conseguia ir embora no exato momento em que começavam os atritos da convivência. vivia, então, como um convidado em seu próprio lar, onde fosse, e era tratado com toda a pompa por suas esposas. a vida não podia ser melhor para joão moura.<br /><br />até o dia em que ele reparou que as coisas não eram mais como antes. suas mulheres, não imporando onde estivessem, se comportavam de forma irracional, temperamental, ditatorial e selvagem. conseguia fugir de uma, às vezes, sob desculpas de uma viagem imprevista e urgente, apenas para ser recepcionado por patadas, unhadas e lágrimas. jomo/joca havia conseguido, por anos a fio, intercalar o fenômeno da TPM de suas mulheres, de forma que nunca estivesse na respectiva casa quando o incidente começasse. por uma dessas ironias da natureza, o ciclo de suas mulheres, mesmo a a 430 quilômetros de distância, haviam se alinhado. agora ele não tinha de encarar apenas UMA mulher chorando, agredindo, xingando e esbravejando, mas um ataque conjunto e coordenado. isso, pois mesmo que estivesse longe, enfrentando a artilharia de uma, recebia os ataques da outra por celular, e-mail ou sms.<br /><br />o pobre joão moura não sabia mais o que fazer. estava prestes a se entregar à mercê de ambas as fúrias e pedir por perdão, rezando para que a morte fosse rápida e indolor. nesse momento de fraqueza suprema, quando nenhuma conclusão parecia se aproximar e os ciclos não davam indicação de que se desligariam em um futuro próximo, jomo/joca conheceu sua resposta. joão moura, casado há dez anos com maria cláudia e há três com maria cristina, surpreendeu a si mesmo ao perceber que não teria outra solução - casou-se pela terceira vez.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-62889027534803264082011-03-21T23:25:00.007-03:002011-03-22T01:07:08.230-03:00sobre a derrota do amor cinematográficoacabo de voltar da mais malfadada tentativa cinematográfica de conquista de que se tem notícia. quando digo cinematográfica, não quero dizer daquele tipo kate winslet nua com apenas uma jóia no pescoço enquanto leonardo dicaprio traça seu retrato com carvão. quero dizer aquela tentativa na qual você chama a pequena praquele filminho seguido de jantar. uma aproximação clássica, aliás. "qual a película?", ela pergunta. "qualquer um, oras", você responde. se ela aceitar, é meio caminho andado.<br /><br />existe algo nas salas de cinema que as tornaram ideais para essas situações, esses primeiros encontros, ficadas, amassos, trocações de saliva. o primeiro fator é que evita a presunção que é assumir, logo assim de cara, que ambos realmente estão interessados um no outro. pode ser apenas que os dois realmente curtam muito o cinema experimental iraniano, vai saber. o segundo é o escuro que oferece uma privacidade psicológica considerável (isso porque, convenhamos, em uma sala lotada todo mundo sabe o que você, com a guria ao lado e olhar ansioso, foi fazer ali). o terceiro, e mais determinante, são aqueles breves segundos de silêncio enquanto aparecem os créditos das produtoras e distribuidoras, quando a luz da tela é suficiente para que você olhe para o lado e, com um olhar, determine se o bote será infalível.<br /><br />infelizmente os tempos já não são mais os mesmos e os percalços cada vez maiores. quase não se encontra mais aquelas salas de rua com aqueles carrinhos de pipoca em frente, aqueles filmes chatérrimos europeus que te obrigam, durante a sessão, a achar algo melhor para fazer. não, hoje você é obrigado a se dirigir a um shopping abarrotado de gente, com crianças correndo pelos corredores pedindo por mais balas, chocolates ou manteiga, acompanhadas de seus pais com profundas olheiras e esperando que o filme seja movimentado o suficiente para permitir uma soneca. não me entenda mal, não tenho tantos problemas assim em assistir a um longa hollywoodiano cheio de explosões e efeitos especiais nesses lugares. nada contra, mas vale lembrar que a última das intenções, neste caso debatido agora, é realmente acompanhar qualquer enredo. por fim, o desafio final. qual seria a hora exata em que você levanta o braço entre as duas cadeiras e deixa claro, finalmente, que dali ela não sairá ilesa?<br /><br />apesar de tudo isso, ainda me mantenho um fiel amante cinematográfico. talvez não consiga largar destes velhos hábitos, e devo dizer que eles me têm sido de grande valia até os dias de hoje. uma velha rotina que apresenta números ridicularmente pequenos de falha, alguns de execução, outros de alvo. por estes motivos que persisto, e eis que, há dois dias atrás, o convite para um filme qualquer foi aceitado.<br /><br />nos encontramos na praça de alimentação e fomos diretamente à fila do cinema, onde decidiríamos qual o filme com menor probabilidade de lotação e atração de pessoas abaixo de 14 anos. os 20 minutos habituais de conversa jogada fora, comentando os principais acontecimentos da atualidade, foram cumpridos com perfeição. logo os trailers já haviam terminado, e eu colocava uma pastilha de menta na boca, daquelas compradas com um único objetivo. nessa hora, abortar a missão era algo impensável. estiquei o braço por trás de seus ombros como quem não quer nada, o movimento mais antigo do manual, e ela havia aceitado sem protesto. com a luz diminuta da tela, me virei lentamente para encará-la e... desabei a rir. aqueles óculos, aqueles malditos óculos!<br /><br />erro crasso, de amador. nunca haveria de imaginar o poder que a cara abobada formada por aqueles infelizes óculos 3-D teriam sobre mim. não pude me conter. ela encarava a tela de forma um tanto apaixonada, ansiosa, esperando meu próximo ato, e tudo que consegui fazer foi desatinar a rir sem controle, quase cuspindo a bala em sua cara e rezando a deus que nenhum perdigoto tivesse atingido-lhe a face.<br /><br />assistimos o filme até o fim. 134 minutos de tortura interminável até que eu pudesse sair correndo dali. no final, ao deixá-la em casa, ela ainda tentou fazer piada. "esquisitos aqueles óculos, né? você até que não ficou tão bobo com eles...". eu só pensava em dar o fora. havia sido derrotado pelo cinema estereoscópico. maldito seja james cameron.<br /><br />---<br /><br /><span style="font-size:78%;"><span style="font-style: italic;">agradecimentos à querida <span style="font-weight: bold;">julia ayres vieira</span>, pelo debate que originou a idéia do post e alguns de seus principais argumentos</span>.</span>César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-5856138215414113482011-01-31T01:55:00.003-02:002011-01-31T03:13:45.994-02:00sobre coisas não ditasqueria poder escrever uma história bonita, reconfortante e calorosa. infelizmente, o único calor gerado no relato a seguir vem dos cigarros acesos por tiago, um após o outro, alguns até ao mesmo tempo.<br /><br />você talvez consiga imaginá-lo com uma jaqueta de couro com a gola virada para cima, camisa xadrez e barba por fazer, mas a verdade é que ele lhe surpreenderia. tiago era, na verdade, um camarada dos mais sem graça. estava sentado na beirada da janela de seu quarto no apartamento 607, com uma velha camisa branca gasta enfiada pra dentro da calça cor de burro quando foge, barba feita pela manhã e cabelo preto e quadrado. era a velha e clichê imagem do jovem que parece mais velho do que realmente é, sentado no parapeito à noite com apenas a luz da lua inundando seu quarto e aquele pontinho luminoso do cigarro flutuando na semi-escuridão. a iluminação branca refletia em seus óculos que, por sua vez, refletiam no vidro, formando um tedioso círculo vicioso.<br /><br />lá estava ele sentado, pensando em tudo, mas quase adormecido e não conseguindo se concentrar em nada. foi quando veio a imagem de uma lembrança de uma vida tão distante que mais parecia sonho. isso mesmo, a imagem de uma lembrança de uma vida. pode parecer confuso, mas esforce-se que conseguirá entender o que digo.<br /><br />não era uma lembrança propriamente dita, era como uma foto, um frame de memória, congelada e imóvel. no entanto, por mais que nada se movesse, era possível experimentar cada aroma e ouvir cada som daquela cena de uma maneira que era vívida demais para ter sido apenas um sonho.<br /><br />e sonho definitivamente não o era, pois ele se lembrava que, um dia, aquilo realmente acontecera. de certa forma, acontecera por anos, numa rotina diária que raramente era interrompida. e não havia acontecido há tanto tempo atrás, apesar de parecer ser outra vida.<br /><br />ali, naquela imagem, tiago se reconhecia na figura do rapaz abraçado na cama a uma jovem mulher de não mais de 17 anos. ele conseguia ver a si mesmo segurando com a força de alguém que não pretende soltar nunca mais, sentia borbulhar novamente aquelas emoções há muito esquecidas, se entregava àquele perfume que por tanto tempo infestou seu travesseiro, mas não conseguia se colocar naquele lugar, naquela cama, com aquela guria.<br /><br />e haviam se passado apenas cinco anos.<br /><br />ele parou então para finalmente se concentrar naquele momento em que uma vida deixou de existir para dar lugar a outra. em que o antigo tiago se despediu do mundo e apresentou o novo. a noite em que tiago, o primeiro, não disse nada.<br /><br />ela gritava, jogava coisas pelo quarto. no presente, aquele jovem sentado na janela conseguia ver onde sua edição original de 1984 caía, próxima ao pé da cama, e contava em quantos pedaços havia se despedaçado seu abajur azul marinho, presente de sua mãe. naquela noite, ele também apenas olhava, mas atônito. havia sido pego de surpresa e ainda não conseguira se recuperar do baque. tinham terminado há duas noites, mas ela ainda não devolvera as chaves do apartamento.<br /><br />ele havia tomado a iniciativa em terminar, apesar de ainda sustentar sentimentos que alguns podem chamar de amor. o relacionamento entre os dois já se desgastava há alguns meses e, apesar dos momentos de paz após o sexo, logo acabavam se lembrando de tudo que não toleravam um no outro. ele gostava de acreditar que era o mais forte entre os dois, o mais maduro. logo, se alguém teria de tomar uma atitude não seria ela.<br /><br />mesmo em uma relação que resistia apenas pela inércia, o fim não foi dos melhores. ele falou que a amava, mas que era melhor dar um tempo, pensar melhor nas coisas. ela, a princípio, ficou enraivecida, xingou, gritou, esbofeteou até acabar arrependida. dizia que iria mudar, que os dois poderiam sobreviver, mas ele se manteve irredutível.<br /><br />no dia seguinte, ela o procurara, queria conversar, reatar, transar até tudo aquilo ficar pra trás, mas encontrou um tiago diferente do que aquele que conhecia. ainda não era o segundo, mas já tentava ser. obviamente, para ele não era a coisa mais fácil a se fazer. queria com todas as forças sofrer essa transformação, pobre coitado, mas seres humanos não podem apenas fabricar casulos para saírem novos.<br /><br />ele precisava de um empurrão, um combustível, um reagente que o fizesse abandonar de vez a outra vida. ela veio na forma de uma força feminina irresistível que abriu a porta de seu apartamento de um só vez e indagou a plenos pulmões: "a minha amiga, seu filho da puta?".<br /><br />em seu quarto, cinco anos depois, ele desejava ter conseguido responder alguma coisa. pensando agora, preferia até ter mentido, continuado naquela outra vida, aquela que parecia apenas um sonho.<br /><br />gostaria de ter dito que não, que era coisa da cabeça dela, que jamais havia nem tocado em outra mulher, mas aquela era sua chance de mudar, de fugir, de se tornar outro. ele observava, em seu sétimo cigarro, seu semblante mais jovem mudo, sem saber o que dizer, enquanto seu quarto era revirado pela fúria de uma vida passada, que, após tentar com todas as forças se manter viva, finalmente o abandonava.<br /><br />existem esses momentos nas histórias das pessoas. instantes em que você pode ir para a balada ou estudar mais um pouco; voltar para casa dirigindo ou tomar mais um whisky; pegar o telefone para pedir uma pizza ou perdão; correr ou ficar na chuva; esquerda ou direita. nós os vivemos diariamente. toda hora uma vida se desfaz para dar lugar a outra. no entanto, poucas são as ocorrências assim tão claras.<br /><br />tiago se deu conta disso ao acender o nono cigarro. o novo tiago, pelo menos. este aqui que vos fala, que habita uma mente quase adormecida há pouco menos de cinco anos, percebeu isso enquanto ficava calado e pode dizer: hoje nós dois gostaríamos de ter dito alguma coisa.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-67223929958349198762010-11-19T02:56:00.004-02:002010-11-19T03:58:23.651-02:00sobre o homem que tinha amigos demaisentre os corredores, alunos e funcionários da universidade albuquerque, localizada na zona oeste de são paulo, existia apenas uma unanimidade: rambo nogueira era o ser humano mais amigável que já havia frequentado aquela nobre instituição de ensino superior. apesar do nome, rambo tinha tamanho poder cativante que, mesmo cinco anos após sua formatura, ainda existiam dezenas que garantiam ser alguns de seus amigos mais íntimos, não lhe poupando elogios. obviamente que existiam aqueles mal intencionados que apenas queriam pegar carona no mítico carisma do veterano, mas a grande maioria enchia suas bocas de sinceridades ao falar da amizade.<br /><br />rambo passava pela puberdade quando percebeu o poder que exercia sobre as outras pessoas. sempre tivera amigos, mas, repentinamente, todos pareciam querer lhe fazer favores, dar-lhe uma mão, ajudar como pudessem. claro que isso implicava em expectativas de reciprocidade, como acontece em qualquer relação afetiva platônica. mas isso não era nada.<br /><br />o porteiro tomou súbito interesse em sua vida e, curiosamente, passou a lhe contar todos os detalhes de suas últimas conquistas amorosas no bailão. a professora de história tolerava seus atrasos na entrega de trabalhos, fazia vista grossa para as breves adormecidas durante a aula. até seu cachorro, que sempre preferira seu irmão mais novo, agora ficava à porta esperando seu retorno da escola, com o par de chinelos do dono na boca.<br /><br />rambo era amigos de todos, e todos o amavam. e ele odiava isso. não suportava tamanho carinho e atenção, queria gritar a cada sorriso compreensivo. desejava, acima de tudo, fugir desesperadamente de cada indivíduo que, apesar do nome lhe ser desconhecido, o cumprimentava não com um aperto de mão, mas com um abraço apertado.<br /><br />seus amigos de verdade, aqueles que já o conheciam antes da estranha maldição ser lançada, se divertiam com a situação. observaram, em primeira mão, a evolução gradual de rambo para um dos seres mais agressivos que já caminharam sobre este planeta. e gargalhavam com isso.<br /><br />logo, a saudação do jovem não passava de um grunhido e o seu nome do meio passava a ser sarcasmo. a cada palavra de incentivo, a resposta era um palavrão - de fato, foram tantos ao longo dos anos que muitos nem existiam ainda. hoje, habitam as páginas de qualquer dicionário informal. mesmo assim, seu carisma perdurava. as pessoas acreditavam que aquele era apenas o jeito dele. e aquele era um jeito divertidíssimo.<br /><br />"ahahaha! tá certo, bambão! eu enfio esse desenho assim que você me disser se a perspectiva está real ou não... o que?? parece a minha mãe fazendo o que?? porra! não é que tu tá certo? valeu, bambão! sabe tudo, moleque!" - enquanto isso, rambo agonizava.<br /><br />para piorar seu humor, que já não era dos melhores, rambo, aos 25 anos, nunca tinha conseguido dar uma trepada. aliás, beijo mesmo, só roubado. de amigas. "aaah, bambo. claro que eu vou ao cinema contigo. não, é sério! eu adoraria! qual filme? não importa! faz tempo que eu queria sair com você, mesmo... ah, que ótimo! vou levar o carlos, assim você me diz se aprova o namoro e...".<br /><br />o lado bom, que ao menos o acalentava, era que esse seu poder o fizera escalar rapidamente os degraus do mundo corporativo. em apenas três anos trabalhando no banco américa, era o primeiro funcionário com menos de 30 anos promovido a diretor. seus chefes se encantavam com seu poder de liderança e sua franqueza. o projeto, aquele que tinha 23 pessoas dedicadas exclusivamente a ele nos últimos sete semestres, realmente era uma bosta, um cu sem tamanho. com seu fim, não só pouparam ainda mais tempo, mas também conseguiram cortar todo um setor da folha de pagamento. o jovem era um talento!<br /><br />considerado um gênio, era a maior prata da casa desde a sua fundação. pelo menos até a tarde de 27 de outubro, em que seu chefe o chamou para uma conversa. rambo estava sendo, infelizmente, desligado da corporação. não, não haveria como poder dar boas referências. ele sentia muito, tinha rambo como um filho, um irmão, até!, mas a diretoria andava preocupada. não acreditavam que o senhor rambo nogueira tivesse a postura necessária para o agressivo mundo das finanças.<br /><br />rambo estava na rua, com um apartamento de R$700 mil ainda para pagar. o motivo? amigável demais.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-25540551288309804882010-10-19T01:14:00.007-02:002010-10-19T18:53:03.814-02:00sobre os amores dos outrosela abre a porta e dá de cara com daniel, que entra esbaforido.<br />- eu te amo, marina.<br />a declaração a pega despreparada.<br />- sério?<br />- sério, pombas! quem inventaria algo assim?<br />- ah, querias que eu dissesse o que? puta surpresa, inferno!<br />- tá, tá! desculpa. é que eu precisava tirar isso do peito o quanto antes e... - ele ouve o burulho do chuveiro ligado e finalmente repara que ela está de roupão, mas com os cabelos secos. - putz! desculpa, mesmo. não queria invadir desse jeito e interromper teu banho, mas...<br />- agora já foi! desde quando tás apaixonado por mim?<br />- apaixonado, não! eu te amo! pelo o que a carlinha disse, há uns três meses!<br />- foi quando a gente ficou a primeira vez, né?... - ela nota que há algo errado - peraí. "pelo o que a carlinha disse"?...<br />- é! mas o joca começou a dizer isso há dois anos atrás. lembra como eu vivia grudado em ti e tals?<br />- lembro... mas calma. desde quando, afinal?<br />- ah, disso eu não tenho certeza, não! sei só o que me disseram. você conhece o joca. quando ele mete algo na cabeça, fica martelando o tempo todo.<br />- então deixa eu ver se entendi. você me ama, mas não sabe desde quando. sabe apenas o que a carlinha e o joca dizem?<br />- isso aí, boneca. no começo achei que era viagem deles, mas eles repetiram tanto que eu pensei "acho que não custa nada tentar, né?". agora vem cá que temos tempo pra recuperar até o casório.<br />- casório?! que mané 'ório?!<br />- ah, nós temos que fazer tudo direitinho, né. namora uns quatro meses, noiva por um ano, casa e, depois de um tempo, tem os dois filhotes!<br />- que porra que tu tá falando, daniel??<br />- porra, não! é tudo nos conformes. mamãe sempre disse que...<br />- tava demorando. agora é tua mãe que quer que a gente case.<br />- não exatamente a gente, eu e você. mas ela sempre pregou que tudo deve ser feito com ordem e planejamento. afinal... - silêncio. ele nota que o chuveiro foi desligado - tem alguém aqui contigo?<br />- ...<br />- dani, meu filho! que diabos tás fazendo aqui, moleque? - pergunta uma cabeça masculina saindo pela fresta da porta do banheiro.<br />- joca?... - ele procura por uma resposta vinda de marina que, a essa altura, já está jogada no sofá, declarando a derrota.<br />- olha, daniel. desculpa, mas tu escolheu a hora errada de declarar amores. eu to apaixonada pelo joaquim.<br />-ahá! sabia!!! eu sempre te disse que eras apaixonada pelo joca e você vinha com uma história que era ciúme e... ah, caralho. eu sempre te disse, não é?<br />- isso aí, espertinho. eu cansei de afirmar que era coisa da tua cabeça, mas tu insistiu tanto que... "achei que devia tentar, né?". agora dá o fora daqui. como a <span style="font-weight: bold;">minha</span> mãe sempre dizia: dois é bom, três é putaria.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-4912175577076466152010-10-05T22:12:00.004-03:002010-10-16T02:53:45.170-03:00sobre a pressa divinaseu nome era ricardo nogueira e ele nasceu com pressa. bateu no médico ao ser parido. não conseguia entender a demora de nove meses.<br /><br />sua mãe reclamava das fraldas mal colocadas. trocava as próprias, já que ninguém percebia o cheiro em menos de dez minutos. também esquentava as mamadeiras sozinho e, antes que a mãe pudesse se preparar, abria sutiãs.<br /><br />aos quatro anos, comemorou dois aniversários em duas semanas. aos oito, comeu um hot pocket congelado por não conseguir esperar um minuto e meio. aos doze, saiu com o carro do pai para buscar uma pizza que não chegava.<br /><br />sentava-se apenas para levantar, deitava-se na ânsia de acordar. se andava, queria correr. se corria, desejava galopar. se galopava, era apenas para estar lá.<br /><br />posso não estar a resumir muito bem, mas era basicamente isso. sua vida era uma busca inquieta pelo próximo instante. a pressa marcava quase todos os aspectos de sua vida, com a excessão de um. as mulheres, em constante rodízio em sua vida, viviam a reclamar que era lento demais.<br /><br />não tinha iniciativa, não corria atrás, não declarava seus óbvios sentimentos. quando um beijo era o único caminho, recuava, dava dois passos para trás e pensava mais uma vez. isso, como qualquer homem com o mínimo de conhecimento de vida, só podia ser fatal.<br /><br />e assim foi a adolescência inteira, de passagem pela vida, mas parando no portão dos relacionamentos. não houve uma que tolerasse sua calma e frieza durante os trailers no cinema, seu estrategismo ao deixá-las em casa, sua racionalização perante um torso nu.<br /><br />obviamente, sua falta de habilidade com o sexo feminino não lhe havia passado despercebido. certa vez, resolveu conversar a sério com uma guria que lhe atraía a atenção. impressionantemente, como uma espécie de deus ex machina desta tragédia moderna, ela explicou ponto a ponto todos os aspectos que o tornavam tão impossível. vai entender, às vezes se dá sorte nessas coisas.<br /><br />consciente de todos os seus defeitos, mais uma vez ricardo nogueira se via impaciente em remediar a situação. assim, superou a pressão do primeiro beijo em tempo recorde, aceitou prontamente subir para um cafezinho e já havia espalhado as roupas de ambos pelo chão antes que a porta do elevador conseguisse se fechar totalmente. um milagre se anunciava. anjos pelos céus afinavam suas trombetas e harpas para a maior sinfonia climática da criação.<br /><br />tudo se encaminhava muito bem até que deus, que de misericordioso e piedoso nada tinha, resolveu tornar pública sua já conhecida ironia, que se declarava para a infelicidade de nosso intrépido herói. apesar de toda a enrolação superada, deitado ali, na cama, ele ainda tinha pressa, muita pressa.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-36459880609934153072010-09-18T05:19:00.008-03:002010-09-18T18:37:13.057-03:00sobre uma mulher abandonadaéramos todos, cinco ou seis, perdidamente apaixonados por ela. como haveríamos de evitar? cabelos loiros, olhos claros, seios fartos. desafio aquele que diga que a poderia resistir. não poderia. simplesmente não poderia. digo isso com a mais firme e persistente das convicções.<br /><br />éramos todos dos mais variados tipos. uns velhos, outros magros, outros metaleiros. se havia um único ponto de convergência era ela. reuníamos nos bares da vida para debatê-la, mistificá-la, endeusá-la. os recém chegados à turma nos diziam loucos, malucos. não havia nesse mundo ser que pudesse ludibriar por tanto tempo uma turma de membros tão díspares quanto aquela. opinião que durava até os primeiros balançares das curvas de um corpo sem falhas em uma pista de dança.<br /><br />éramos todos fantoches, reféns de um ser acima do tempo, da razão e da teoria. confesso até que aprecíavamos tal posição. "melhor amar e não ter, do que não ter o que amar", não é o que dizia o antigo ditado?<br /><br />éramos todos apaixonados irremediáveis. o éramos, pelo menos até o caso do primeiro. pois eis que o primeiro decidiu, e não me pergunte o por quê, que era <span style="font-style: italic;">gay</span>. sim, tamanha reviravolta também nos pegou de surpresa e não havia um que pudesse crer no que ouvia. era coisa da cabeça dele, dizia um. a negação era tamanha que ele havia se confundido, dizia outro<br /><br />não. não era coisa da cabeça nem negação. ele simplesmente havia percebido que se deixara levar por pensamentos que não os dele. sentia, e sempre sentira, atração por outros homens, e não havia argumento que o fizesse passível a mudar de idéia.<br /><br />éramos, então, não mais todos, mas apenas cinco. cinco que logo se tornaram quatro. duas semanas depois o segundo se declarou enamorado. claro, dizia um, todos a amamos. não, dizia ele, cansei. amo terceira.<br /><br />assim, com o tempo, a vida e o cansaço foi nos abatendo, um a um. logo o terceiro se declarou pai. mero mês depois, o quarto se confessou celibatário. o quinto, que frequentava um terapeuta, não demorou a se admitir medicado. e enfim sobrei eu, o sexto e último, em um antro de descrentes.<br /><br />as reuniões regadas a álcool logo não se mostravam mais as mesmas. como podia eu conviver com um bando de infiéis? tempo passou, esse tempo que não perdoa, e me tornei sóbrio.<br /><br />anos depois, ainda nos encontrávamos no mesmo boteco de antes e éramos, todos, não mais apaixonados, nem por ela, nem por nossas eventuais namoradas, apenas pela cerveja à nossa frente. ríamos ante a velha obsessão sem propósito por um belo par de mamas. não podíamos crer que já havíamos discutido tanto por mera lactose.<br /><br />enquanto isso, ela também ria, abandonada por seus fiéis seguidores, mas muito bem acompanhada de seu belo marido, o milionário, 78 anos, sem grandes perspectivas de sobreviver ao câncer de próstata.<br /><br />éramos, todos, vencedores. pelo menos até o celular de alguém tocar, quando podia se vislumbrar em cada olhar a lembrança de esperanças passadas.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-87060676886603968632010-08-20T02:06:00.010-03:002010-08-29T19:48:21.112-03:00sobre o dia em que conheci a verdadeoutro dia fui numa dessas lojas de verdades. você sabe, aquelas que vendem as coisas nas quais gostaríamos de acreditar.<br /><br />conceito curioso, esse. gostaria de conhecer o fundador da primeira representante do setor. deve ser um sujeito dos mais interessantes.<br /><br />enfim, entrei sem um desejo específico. havia marcado de encontrar uma amiga nas redondezas e, enquanto esperava, resolvi dar uma olhada no que tinha de novo.<br /><br />a loja, muito bem arrumada com sua decoração moderninha, não estava muito cheia. "mas é que ainda são apenas três da tarde, meio da semana. você precisa ver isso aqui depois das sete horas, quando o pessoal sai do expediente. perto das festas de fim de ano, então! não dá pra passar pela porta...", foi o que me contou a vendedora, quando questionada sobre o baixo movimento.<br /><br />expostas em longas prateleiras metálicas presas às paredes, artigos dos mais variados, com preços que iam do mais mundano ao exorbitante. logo na parte da frente, os produtos em promoção. coisas como "nunca fui corno", "eu lavo essa louça mais tarde" e "um chocolate a mais não vai fazer diferença" sofriam de uma grave falta de prestígio, evidenciada pelos poucos reais cobrados, alguns por falta de procura, outros por uma oferta em demasia.<br /><br />mais adiante, encontrei maior variedade. diálogos inteiros à venda, cada qual com a sua verdade pessoal imbutida, alguns de tamanha originalidade que surpreendia que fossem levados a sério. "é, ele não estava olhando para ela. deve ser esse maldito torcicolo, outra vez. inferno, já é a quinta vez só essa semana!"<br /><br />minha curiosidade aumentava a cada segundo passado. logo não aguentei mais e retornei à vendedora. "nosso produto mais caro? só um segundo", e me guiou a um pequeno embrulho localizado perto da caixa registradora.<br /><br />sobre o papel dourado e empoeirado que envolvia o produto, liam-se as palavras "ele(a) me ama".<br /><br />aquilo me tocou profundamente. fazia sentido. algo que poucos gostariam de ter de comprar, mas que, quando preciso, qualquer preço seria aceito.<br /><br />enquanto chegava a tais conclusões, olhei rapidamente meu relógio e percebi que havia perdido a noção do tempo e estava atrasado. assim, corri imediamente para completar minha compra e fui de encontro a minha amiga, muito contente por finalmente acreditar que tamanho não é documento.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-33132227554751765072010-06-19T02:28:00.004-03:002010-06-19T03:05:03.399-03:00sobre aqueles que transitamexiste um universo particular nas pessoas que transitam por um aeroporto.<br /><br />chegou à tal conclusão enquanto comia uma coxinha fria empurrada por coca no saguão de embarque. não tivera tempo de comer antes de sair, o táxi chegara em cima da hora. por isso estava, naquele momento, sentado, esbaforido, duas malas a tiracolo, tentando impedir o infarte fulminante provocado pelo óleo presente no salgado apressado que consumia. triste substituir os INCRÍVEIS cookies dados pela companhia aérea por algo do gênero, mas teria de servir. afinal, usar o plural no caso dos biscoitos oferecidos em vôo era um uso desnecessário do que deveria ser considerado hiperlativo.<br /><br />mastigava, na tentativa vã de salivar a salvação de sua vida - de seu estômago, ao menos -, botava os pensamentos em ordem e, mesmo assim, encontrava tempo para observar. conseguia classificar brevemente os diferentes tipos que estavam ao seu redor, e julgava que tais rótulos poderiam ser usados na maioria das ocasiões, na maior parte dos aeroportos pelo mundo.<br /><br />as pessoas que transitam em aeroportos podem ser separadas, com alguma margem de erro, entre aquelas que partem e aquelas que chegam; entre os que se despedem e os que recebem; entre o adeus e o bem-vindo.<br /><br />ele se despedira a não mais que trinta minutos, enquanto esperava o elevador. devem estar errados aqueles que dizem que, antes de morrer, se vê toda a vida diante dos olhos. ele a observara no trajeto entre sua casa e congonhas, sentado no banco de passageiro do táxi.<br /><br />via momentos de felicidade e de angústia, marcados em relacionamentos familiares que viriam a se tornar tão distantes quanto o tamanho físico da separação entre ele e sua cidade-natal. podia sentir novamente perfumes marcados nas roupas, abraços e carinhos trocados com antigas namoradas. celebrava, pela última vez, mais uma garrafa de cerveja que chegava à mesa com os amigos, e toda a alegria que este acontecimento tão ínfimo podia proporcionar.<br /><br />enquanto se perdia nas lembranças, quase perdia também a última chamada de embarque. chegou, então, um tanto irritadiço ao portão 9, respondendo com poucas palavras a bronca que a atendente lhe direcionava. não pretendia lhe dar o prazer de ocupar um espaço sequer em sua mente. a braveza, no entanto, não era direcionado à comissária ou aos passageiros que reclamavam de seu atraso, e sim a ele mesmo. sabia que, como pertencente ao grupo do adeus, não podia se permitir adentrar tão profundamente em trilhas esquecidas. às vezes, ele podia sentir muito ciúme de seu próprio passado.<br /><br />não chegou a reclinar sua poltrona, dormindo a viagem inteira. em sua nova cidade, onde esperava estabelecer novo lar, observava os bem-vindos sendo recebidos. naquele momento, deixava de ser o adeus. não tinha intenções de mudar sua nova condição em um futuro próximo. se tornava, finalmente, naquele que chega.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-64948535223701679432010-05-29T03:47:00.008-03:002010-05-29T16:13:00.572-03:00sobre matemática e olhos azuisdefinitivamente, há mulheres que desconhecem o poder que alguns mililitros de álcool podem exercer. tornamo-nos submissos, servos, escravos do imenso poder feminino.<br /><br />um tio meu já me dizia, com sábias palavras:<br /><br />"carinha, tu não é muito bonito. quisera eu que tu fosse, mas não é. pelo menos tu não é feio. enfim, o máximo que tu vai conseguir pegar é uma guria nota sete, numa escala de beleza que vai de zero a dez. o segredo é pegar uma guria nota cinco, meio gordinha, meio desesperada, e beber até ela se tornar uma nota oito, talvez uma nove. depois disso, é simplesmente a manutenção da ebriedade até o fim do relacionamento."<br /><br />meu tio era um sábio, mas relevava o poder que alguns olhos azuis têm sobre a mais forte das forças de vontade.<br /><br />basta encará-los que estarás vencido. impossível resisti-los. e que não me deixem citar os decotes - ah! os decotes! - que enfeitiçam, ludibriam e tanto encantam. mesmo que nos declarem culpados a encará-los.<br /><br />enfim, proclamo que, nesta noite, estou perdidamente apaixonado por uma dez. sou uma vergonha aos ensinamentos de meu tio; uma desgraça para minha família.<br /><br />mas, de qualquer forma, posso aqui confessar que, caso o sol dê as caras no horizonte, e a ressaca em minha mente, hei de manter-me feliz - mesmo que ela não passe de uma sete.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-50748088588035658312010-05-04T01:55:00.006-03:002010-05-04T02:33:34.392-03:00sobre o pouco que sobroueram cinco, mas já haviam sido três.<br /><br />mudaram-se para lá logo após a cerimônia e, por um tempo, existiu a felicidade. felicidade que cresceu quando, com o passar dos anos, juntaram-se a eles os outros dois, que encheram de vida o local. e nada parecia dar errado.<br /><br />no entanto, a convivência foi se tornando difícil, dura, áspera. o ar se tornara carregado de palavras curtas e ríspidas e o clima só se dissipou quando o primeiro foi embora.<br /><br />com a normalidade, os quatro restantes conseguiam ver o futuro novamente, um futuro que não tardaria a chegar. assim, com os sonhos e ambições, o segundo se foi. mesmo que seu coração desejasse alguns segundos a mais.<br /><br />algumas estações haviam se passado e era chegada a hora do destino seguir seu rumo. as desculpas para ficar não sobrepunham as oportunidades de seguir em frente, e foi com lágrimas nos olhos que o terceiro partiu.<br /><br />restavam, assim, dois.<br /><br />mas os dois não eram mais suficientes um para outro. o vazio deixado era muito grande e o pó assentava sobre as lembranças. não havia mais motivos para se ater a dias que não voltariam. o quarto deles manteve um breve olhar de adeus pela porta entreaberta antes de embarcar para sua última jornada.<br /><br />assim ficamos agora com o último. aquele que nunca poderia partir. aquele que nunca se esqueceria, mesmo que as marcas deixadas fossem cobertas por tinta e argamassa. nada restava da família que ali morara, que ali compartilhara segredos e mistérios de uma vida inteira. sua existência se manteria real e eterna, como parte dos tijolos das próprias paredes. as paredes que sobravam, em um apartamento abandonado.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-32536472335298197192010-04-05T23:34:00.006-03:002010-04-06T11:55:30.235-03:00sobre a terra da libertaçãoa terra da libertação é cheia de mulher feia.<br /><br />mesmo sob o efeito de psicotrópicos pesados. pelo menos é isso que pude perceber nesta visita a são thomé das letras.<br /><br />por isso clamo a vocês, mulheres: deixem seu namorados, noivos, maridos, viajarem.<br /><br />não vamos a um lugar desses para caçar, espreitar o mulherio; vamos para reforçar aqueles velhos laços de amizade, encher a cara, passar frio e calor no mesmo dia, ouvir música tocada por pessoas mais loucas do que nós mesmos, conhecer pessoas mais loucas que nós mesmos, dividir o aperto de uma barraca inundada pela chuva, derrubar mitos, derrubar garrafas, derrubar a própria realidade.<br /><br />não visitamos uma cidade cheia de maconheiros porque esperamos encontrar um amor para toda a vida ou apenas uma trepada passageira; visitamos porque desejamos fugir da rotina, fugir da sobriedade, correr desenfreadamente na direção oposta das responsabilidades e apenas viver aqueles breves instantes que levam para que a seda queime completamente.<br /><br />não acampamos em meio a centenas de machos com seus cabelos rastafari porque procuramos a essência da beleza feminina; mas sim porque precisamos fugir de todas as pressões, queimar neurônios logo acima da delegacia, perder as habilidades motoras necessárias para se manter em pé, perder as habilidades motoras para se alimentar, encher a cara às nove da manhã (em algum lugar do mundo deve ser quatro da tarde), encontrar mensagens escondidas em pinturas de dali ao percebemos que somos verdadeiros especialistas em arte numa sorveteria às seis da madrugada.<br /><br />enfim, vamos a um lugar como são thomé das letras exatamente porque queremos, desejamos, precisamos fugir de vocês. mas não me entendam mal.<br /><br />já dedicamos cerca de 90% de nosso coração, cérebro e concentração a vocês. permitam, por favor, que possamos sentir sua falta, encher a cara com os amigos e sermos homens primitivos e sujos por um fim de semana que seja.<br /><br />pois é apenas com o nível de sinceridade e percepção que só atingimos quando reforçamos aqueles velhos laços de amizade - e usamos uma certa quantidade de artigos legais e ilegais - que podemos perceber e aceitar que a terra da libertação é cheia de mulher feia.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-82690107622742219862010-03-23T03:33:00.009-03:002010-03-25T16:07:37.730-03:00sobre mulheres e meninastudo bem, então talvez aquela não fosse a melhor abordagem para uma mulher como aquelas.<br /><br />o problema é que eu tinha um problema, sabe? e o problema, dessa vez, era que eu não sabia como chegar em alguém como ela.<br /><br />na verdade, o problema verdadeiro era aquele que acomete nove entre dez dos homens de minha idade: seria ela mulher, ou seria ela garota?<br /><br />creio ter atraído a simpatia da maior parte dos leitores masculinos deste texto. parte essa que sabe o que é não saber como reagir às reações do alvo - neste caso, alguém por volta de seus vinte anos. como saber se devemos desenvolver uma estratégia para quebrar as defesas de uma mulher ou de uma adolescente? que atire a primeira pedra quem souber.<br /><br />entramos, pois, em terreno nunca dantes desvendado. singramos sitios estranhos.<br /><br />tudo bem, posso concordar que tudo que remete ao sexo feminino seja algo desconhecido àqueles que buscaram singrar mares não navegados - pois há de concordar, aquele que tenha o mínimo de sabedoria, que não há certeza no eterno reino do cortejo.<br /><br />sim, uso palavras antigas e esquecidas. também me desventuro por correntes nas quais muitos aventureiros jamais retornaram. mas ouso dizer que não me importo com tais coisas.<br /><br />o que me importa é que eu mandei. mandei mesmo. enviei uma mensagem de texto à qual temo jamais receber resposta.<br /><br />uma tempestade em copo d'água, poderia o mais destemido me esbravejar? concordo. mas peço encarecidamente que, aquele que souber todas as respostas, por favor, mande-me um e-mail. um <span style="font-style: italic;">scrap</span>, que seja. adentramos agora no reino do xaveco moderno. o cortejo online. que me adicione no <span style="font-style: italic;">facebook</span> quem tiver as respostas. e que me esclareça: seriam elas meninas ou mulheres?<br /><br /><br /><span style="font-weight: bold;"><span style="font-size:78%;">em breve: o guia do xavecador online.</span></span>César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-55836571298914892542010-01-31T04:30:00.007-02:002010-01-31T05:01:45.220-02:00sobre os puros de espíritocerta vez me achava em uma daquelas situações que muitos podem achar incômodas: estava sentado em uma mesa de bar com uma guria com a qual havia tido relações íntimas - sim, vamos chamar de "relações íntimas" -, seu namorado e um amigo daqueles famosos por não conseguirem calar a boca e entregarem detalhes sórdidos melhor deixados em caixinhas esmagadas em algum lugar do poeirento sótão que chamamos de lembranças. alguns podem achar tais momentos incômodos, talvez até mesmo embaraçosos, mas eu os chamava de inferno carmático.<br />olá, meu nome é pavio e, sim, eu já me relacionei casualmente com mulheres. antes que me acusem de misógino, acho válido salientar que foram, no máximo de minhas possibilidades casanovianas, umas duas.<br />pois bem, estávamos lá e a cerveja, conhecida por não conhecer grandes afetos, não parava de chegar.<br />a noite seguia alta e meu amigo não parava de comentar a leves brados:<br />- ela é gostosa, hein? mas sou mais você do que esse pirralho do lado dela.<br />é, ele é daqueles que tentam agradar, mesmo quando essa é uma possibilidade tão distante quanto pegar um avião para katmandu e se alistar no primeiro mosteiro budista enfiado em alguma pedra milenar.<br />a conversa não saia daquela breve troca de idéias sobre entorpecentes ilegais, comuns a qualquer um de nossa idade - tenho 22 anos - que tenha tido algum passado válido a se comentar, ou sobre os diversos deslumbres conhecidos em nosso curto tempo neste campo astral.<br />e é isso. eles eram, na mais sincera das minhas intenções, perfeitos um para o outro. não importa quão novo fosse ele, eles se encaixavam, combinavam. seus encantos com momentos dos mais mundanos era algo que simplesmente não cabia em minha mente. e eu só conseguia pensar em dar o fora dali, ao mesmo tempo em que ficava lembrando de certos momentos bíblicos que não merecem ser contados aqui.<br />o tempo passava e a troca de olhares era inevitável - como haveria eu de negar um breve contato ocular quando as memórias inundavam cada palavra e pensamento que cruzava a minha mente? sim, sou um cara e ainda estou atrás de sexo, oras.<br />no entanto, eu me mantinha firme. tomava mais cerveja, jogava sinuca e procurava continuar minha vida naqueles instantes tão duradouros quanto o tempo que se leva para apagar um cigarro e procurar outro no maço.<br />pois bem, a saidera chegou e a despedida era inevitável e bem vinda. não podia ser de outra forma. não podia ser de melhor forma. pelo menos até o momento em que íamos ao supermercado sacar dinheiro para que outro conhecido pudesse pagar seu táxi para casa, quando meu amigo, tão querido pela noite que se aproximava de seu término, virou para mim e disse:<br />- isso aí, meu velho. tá certinho. como foi mesmo? comeu uma noite e ficou de boa depois, né?<br />- não. como eu ia te dizendo, eu era tão apaixonado que até terminei com minha namorada pra ficar com ela.<br />silêncio, como era de se esperar. finalmente ele havia atingido tamanho mal-estar que me garantiria paz suficiente para curtir minha fossa.<br />ledo engano:<br />- mas tu comeu, não comeu?<br />deus abençoe os puros de espírito.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-30265290400529795492009-11-06T16:56:00.006-02:002009-12-09T13:04:36.912-02:00sobre pensamentos VI - vai se foderoutro dia liguei o msn e vi, no <span style="font-style: italic;">nickname</span> de alguma guria com a qual nunca troquei mais do que cinco palavras, os dizeres "voooo ligar o rádio e vou dizerrrrrr, arrumei outro mais gostoso que vce. vai se foder". na minha transcrição, cortei alguns O's e R's que estavam sobrando, até porque eles não importam. procure também ignorar o pequeno erro de português e a linguagem de internet. a mensagem mais importante ultrapassa tais detalhes. o que importa na mensagem, não dirigida à minha pessoa, obviamente, é a parte "arrumei outro mais gostoso que você".<br /><br />olha, não sei como a pessoa que deveria receber o recado reagiu, mas imagino que a maioria gritante dos homens cagariam. quero dizer, eu não me acho gostoso.<br />nunca pensei em ser gostoso.<br />caguei pra ser gostoso.<br />logo, não seria grande mérito terem arrumado alguém mais gostoso que eu. na verdade, acho que eu teria vantagem por tê-la comido sem ser gostoso.<br /><br />esse cara, sim, que rala. coitado. não deve ser fácil ser gostoso. e quando ele deixar de ser gostoso, então? tá na merda.<br /><br />porque de uma coisa eu sei, não serei gostoso nunca na minha vida - como isso aconteceria, com tanto cigarro e cerveja? - mas ainda tenho minhas vitórias esporadicamente. vitórias essas que nada têm nada a ver com meu nível de gostosura. se tivessem, é certo que logo acabariam.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-52450495225838936162009-10-26T11:18:00.003-02:002009-10-27T22:28:29.648-02:00sobre o verdadeiro românticoo verdadeiro romântico demorou a se apaixonar. desde sua puberdade era um romântico, amando sempre a idealização da mulher. assim, o verdadeiro romântico não conseguia encontrar alguém que se encaixasse em seus padrões altíssimos, não conseguia amar apenas uma mulher, quando era apaixonado por todas.<br /><br />o verdadeiro romântico, não se sabe se por cansaço ou se por estar verdadeiramente interessado, finalmente conheceu alguém e se comprometeu. <br /><br />o verdadeiro romântico lhe dava flores diariamente, a levava para jantar em lugares dos mais caros e finos, dizia que a amava incondicionalmente, e que ficariam juntos para sempre.<br /><br />o verdadeiro romântico realmente acreditava em tudo o que dizia. infelizmente, o relacionamento não durou muito tempo. ele ainda amava a perfeição inexistente de sua companheira e, quando a própria, em toda a sua realidade de carne e osso, não conseguiu manter a ilusão, o namoro acabou.<br /><br />o verdadeiro romântico, no entanto, não se deixou abater por esse contratempo e logo voltou à luta. se envolveu com uma, duas, três, vinte mulheres, algumas simultaneamente. sua gana por encontrar aquele ideal feminino que tivera em mente durante toda a sua adolescência só fazia aumentar e, com isso, acabava por anuviar alguns de seus princípios éticos. não era sua culpa, não podia sê-lo.<br /><br />o verdadeiro romântico, assim, amava profunda e eternamente todas as mulheres com que se relacionava, que já havia se envolvido, que ainda iria conhecer. talvez fosse por esse motivo que era virtualmente irresistível à maioria da população feminina. enquanto estivesse com uma mulher, ele era todo e completamente seu, apaixonado, devotado. bem, pelo menos até a próxima.<br /><br />o verdadeiro romântico percebeu esse seu poder. entendeu que sua condição era um verdadeiro afrodisíaco sobre todas as mulheres. como não podia deixar de ser, ele então começou a se aproveitar conscientemente disso. antes que alguém o acuse de insensível, vale lembrar que ele fazia isso não por maldade, mas por um senso próprio de justiça. durante tantos anos, fora um refém da perfeição feminina e, agora, finalmente tinha meios para equilibrar a balança.<br /><br />o verdadeiro romântico não se continha mais. desejava e possuía todas as mulheres que cruzavam seu caminho e elas não pareciam se importar muito. algumas reclamavam, outras exigiam exclusividade, poucas batiam o pé e brigavam por seu amor.<br /><br />finalmente, a verdade caiu como uma pedra sobre sua cabeça. depois de tanto tempo, de tanta idealização e amor, o verdadeiro romântico era um verdadeiro canalha.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-63027389711418219172009-10-19T02:05:00.002-02:002009-10-19T02:18:55.875-02:00sobre o som que habita o silênciofiquei observando-o ali, sentado no fundo do ônibus, aparentemente imóvel. apenas um olhar mais atento para perceber que seu coma era uma farsa. os dedos se moviam sutil e lentamente, acompanhando o ritmo da música que era emitida por seus fones de ouvido.<br /><br />desde a primeira vez que saíra de casa com as próprias pernas, tinha sempre posicionado em sua cabeça o par de aparelhos auriculares. ganhara um <i>walkman </i>de seu pai ao completar três anos, com uma fita cassete da dupla sandy & júnior. não conseguia desgrudar do aparelho. ia à escola, ao treino de futebol nas manhãs dos sábados, ao supermercado com sua mãe, invariavelmente com os fones ligados.<br /><br />assim, crescera. e, mesmo que o aparelho mudasse (de um <i>walkman</i> para um moderno <i>Ipod</i>) e a música nele contida (os filhos de xororó, ou chitãozinho, sei lá, não mais lhe apeteciam, como era de se esperar) o cenário era o mesmo. enquanto estivesse em movimento, nas ruas ou em lugares fechados, tinha seus companheiros sonoros conectados quase diretamente a seu próprio cérebro. já virara uma rotina. ao sair de casa pegava carteira com documentos e dinheiro, relógio, chaves e sua música.<br /><br />ao contrário do que poderia se supor, tinha uma vida normal. o colégio, vivia sempre rodeado de amigos. conhecera sua parte de interesses amorosos. a preocupação inicial dos pais, que viam o filho se desligar do mundo ao sair de casa, passara com os relatos de diretoras e professores de que seu filho nutria uma relação social saudável - até mesmo invejável - com as pessoas ao seu redor. claro que o fato de que, em muitas vezes, os fones estarem posicionados em suas orelhas até durante as aulas causou certa apreensão, mas suas notas não apresentavam motivos para suspeitas.<br /><br />sem maiores contratempos teria sido sua vida até aquele momento em que eu o observava no ônibus. o forte transe que o mantinha desligado do mundo por mais de vinte minutos pareceu cessar de súbito. de repente, aquele jovem e tranquilo garoto, mais novo do que eu por não mais do que quatro anos, apresentava uma exasperante inquietação. inicialmente, procurou manter a calma, examinando minuciosamente seu aparelho de armazenamento musical. sem encontrar respostas satisfatórias, passou a investigar seus antigos companheiros, os fones. quem o observasse naquele momento podia perceber, estampada em sua cara, que suas suspeitas se confirmavam: estavam quebrados, algo no fio, provavelmente. sua angústia era aparente, mas não havia nada que pudesse fazer ali, naquele momento. então, após praguejar e soltar algumas palavras de baixo calão por alguns segundos, finalmente pareceu resignar-se a completar aquela viagem em um silêncio desconhecido por anos.<br /><br />o problema maior, no entanto, não era o silêncio. na verdade, o silêncio nem ao menos existia. subitamente, sua mente era inundada por vozes desordenadas e confusas, que gritavam milhares de sentenças por segundo. vozes que não pertenciam a terceiros, sentados nos bancos ao redor ou de pé no corredor, mas sim a seus próprios pensamentos. pela primeira vez em sua vida como ser humano pensante e inteligente aquele jovem se via obrigado a conviver consigo mesmo, pela primeira vez se deparava verdadeiramente com sua própria vida.<br /><br />o jovem poderia ter experimentado um período sem música, sem fones, apenas com seus pensamentos. em uma semana, já teria vivido mais do que o resto de sua vida inteira, imerso em ciclos de pensamentos que nunca havia aprendido a organizar, soterrado por seus próprios erros e acertos, atacado constantemente pelas palavras que nunca dissera, pelas brigas que não havia tido. ele poderia, mas, se tivesse de apostar, diria que não foi isso que aconteceu.<br /><br />chegando em casa, depois de se deparar com uma vida inteira que tinha pela frente, o rapaz chegou a conclusão que teria de fazer o que fosse necessário para que aquela situação nunca mais acontecesse. como poderia ter chegado até aquele momento sem nunca ter se confrontado daquela forma?<br /><br />no dia seguinte, comprou novos fones de ouvido. novos e vários. tantos, para nunca tivesse que passar por aquilo novamente.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-67306712431807440352009-09-24T02:44:00.005-03:002009-10-26T18:06:41.382-02:00sobre o homem que não morreumeu vô foi um grande homem. aprendi muito com ele. como me portar com outras pessoas, como mostrar respeito, como se orgulhar de viver minha vida sendo feliz.<br /><br />meu vô cometeu muitos erros. alguns mais graves, outros passageiros. alguns marcaram a vida das pessoas, outros podem ter até mesmo marcado a minha.<br /><br />meu vô, mesmo quando errou, me ensinou demais. cada erro seu ficará para sempre em minha memória e, podem ter certeza, viverei procurando desviar de tais armadilhas.<br /><br />meu vô era um homem feliz, um homem alegre, e não havia como não se contagiar com sua presença.<br /><br />meu vô conquistou uma cidade inteira, muitas vezes sem nem sair de casa.<br /><br />meu vô bebia e fumava muito. mas esse é o lance de meu avô, ele não procurava esconder essas coisas que poderiam ser consideradas defeitos.<br /><br />meu vô não tinha vergonha de ser do jeito como era, não tinha vergonha de ser feliz de formas pouco ortodoxas.<br /><br />oswaldo soto martinez era um grande homem. este homem morreu dia 22 de setembro de 2009 e foi enterrado no dia seguinte. em seu enterro, familiares e amigos que já eram da família lamentavam sua perda, pessoas que sentirão pelos restos de suas vidas a ausência de alguém que lhes proporcionou tanto.<br /><br />oswaldo soto martinez morreu dia 22 de setembro de 2009. meu vô continua vivo. afinal, como poderia morrer um homem que morreu e renasceu tantas vezes em sua longa vida?<br /><br />tenho orgulho de dizer que o tinha como meu avô. como nosso avô. cabe a nós que ficamos provarmos com nossas vidas que merecemos tal honra, e que ele tenha orgulho de dizer que nos tem como seus netos.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-49064911184582763112009-09-18T04:11:00.007-03:002009-09-20T05:32:18.506-03:00sobre o que vamos fazervamos fingir que estamos em algum outro lugar; um pasto verde em algum país distante da europa mediterrânea, ou sobre as colinas geladas que cobrem territórios sagrados na china imperial.<br /><br />vamos fingir que somos dois, você e eu, e que não há mais ninguém a ser lembrado sobre a face da Terra.<br /><br />vamos fingir que existe, em algum lugar, um espaço em que realmente possamos fingir tudo isso.<br /><br />vamos fingir que seus sentimentos são reais. vamos fingir que não estás fingindo sentir tudo isso que deveras não sente. vamos, os dois, nos fazer de tontos e fingir que a atuação não existe.<br /><br />vamos fingir que eu não sei disso. vamos fingir que vale a pena se arriscar novamente, pular sobre uma superfície tão distante. vamos fingir que eu ligo, que não penso que talvez seja melhor navegar sobre águas mais tranquilas.<br /><br />enfim, vamos fingir que o resultado compensa o risco.<br /><br />vamos fingir que não são tão somente palavras lidas aqui. vamos fingir que o que se lê é real. vamos, podemos. quem sabe assim possamos viver plenamente o que, até agora, apenas se fingiu ser.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-38440249625823574262009-09-04T02:29:00.008-03:002009-09-04T11:40:10.160-03:00sobre o conto e a moralfaçamos o seguinte: imaginem um campo amarelado, com diversos matagais brotando aqui e ali. você já viu essa paisagem antes, apesar de se tratar de uma totalmente nova. estamos falando de um campo chinês. um campo chinês iluminado pelo sol de fim de tarde.<br /><br />imaginem agora uma montanha; nem tão alta para estar coberta de neve, nem tão baixa para não valer o simples desafio de escalá-la.<br /><br />no alto de tal montanha que se localiza próxima a um campo amarelado pelo sol do fim de tarde, encontramos o cenário para nosso próximo conto, um monastério simples, daqueles de telhas azuladas e arquitetura quadrada com paredes vermelhas.<br /><br />se você já assitiu a qualquer filme de kung fu chinês ou de hong kong já consegue vislumbrar a obra arquitetônica a qual me refiro. <span style="font-style: italic;">kung fu panda</span> também serve.<br /><br />enfim, no meio do campo de tal monastério, cercados por bonecos de treinamento construídos na mais fina madeira oriental, um aprendiz discute a vida com seu mestre:<br /><br />- mestre, consegui. voltei com ela. e dessa vez é para sempre.<br /><br />- gafanhoto, deixe-me ver se entendi. você voltou com ela? a mesma que pediu um tempo para pensar na vida e, dois dias depois, ficou com shi fu, seu melhor amigo?<br /><br />- sim, mestre. ela jura que dessa vez será diferente.<br /><br />- imagino o que ela jura, jovem gafanhoto. só estou tentando entender a situação. seria ela a mesma que, depois de jurar que nunca mais faria algo como aquilo novamente, tratou de se entregar a dois jovens guerreiros apenas um mês depois de você ser convocado para defender a província de bu-ho?<br /><br />- sim, mestre. mas eu a amo de todo o meu coração. sei que tal amor não poderá ser desconsiderado novamente.<br /><br />- jovem gafanhoto, aproxime-se. - o jovem guerreiro chinês se aconchega próximo ao mestre, debaixo das folhas de uma respeitosa figueira. - já ouviu a história do sábio rato e o fosso?<br /><br />- não, mestre. não ouvi. mas não consigo ver a sua importância agora. imploro seu perdão. estou apaixonado e...<br /><br />- isso não importa, aprendiz. ouça com atenção às palavras de seu mestre. há gerações que se conta essa história, de pai para filho. por se tratar de um órfão, creio ser meu dever passar-lhe tamanho ensinamento. havia uma vez, muito tempo atrás, um jovem rato, que não sabia mais da vida do que um tolo de 22 anos. certa ocasião, ele voltava para casa, distraído após um dia de roeções e outros deveres característicos a ratos e acabou caindo em um fosso. o fosso se tratava de um buraco profundo, íngrime, escorregadio, que poucos sobreviveriam. em seu fundo, o próprio rato encontrara diversos restos de seres que haviam acabado por ser tragados. no entanto, com perserverança e honra, dignos de um verdadeiro guerreiro, o rato acabou por conseguir sair, mesmo custando-lhe uma de suas presas que usava para o tão importante trabalho de roer sementes. você entende, jovem gafanhoto?<br /><br />- entendo, mestre. mas ainda não sei como isso se aplicaria ao meu caso...<br /><br />- tenha paciência. enfim, um dia, meses depois de se salvar das garras do terrível fosso, apesar de se achar imune às suas armadilhas, o rato acabou por se embriagar em uma festa. voltava então para casa ébrio, e não percebia a aproximação gradual e fatal do terrível buraco. foi assim que o fosso lhe envolveu com um braço, laçou-lhe com o outro e acabou por puxá-lo para seu ventre. naquela ocasião, no entanto, o rato se encontrava ainda mais vulnerável, pois estava bêbado. mesmo assim, com dignidade e força, o roedor conseguiu se livrar da horrível armadilha, o que lhe custou as garras que usava para a defesa contra seus inimigos.<br /><br />- sim, mestre. - neste momento, o jovem aprendiz concentrava toda sua atenção ao incrível conto do rato guerreiro que não se entregava aos planos da morte. - como, então, escapou o rato da terceira vez que caiu no fosso, sem garras e sem presas?<br /><br />- aí que te enganas, gafanhoto. nunca houve uma terceira vez.<br /><br />- mas como, se é certo que o fosso se tratava de uma força da natureza tão ardilosa que poderia enganar o mais sábio dos ratos?<br /><br />- digo-lhe que a terceira vez nunca aconteceu, jovem aprendiz. sabes por quê?<br /><br />- não imagino, querido mestre. como haveria o rato de se salvar de uma vez por todas?<br /><br />- porque, por mais ébrio que estivesse nas vezes seguintes, amado jovem, o rato já havia se salvado. quero que prestes bem atenção ao que te direi agora.<br /><br />- sim, mestre. sabes que minha vida é segui-lo.<br /><br />- o rato se salvou, de uma vez por todas, porque tomou a atitude que falta à maioria dos seres, sábios ou ignorantes. aquele animal pequeno e tolo por natureza tratou de se salvar da única forma possível; tratou de dar uma porra de um pontapé na bunda daquela vadia de buraco!<br /><br />- não entendo...<br /><br />- simples, seu imbecil. - e aí o mestre já havia abandonado completamente conto ou moral para se impacientar com o jovem gafanhoto - seja homem para fazer o que até um rato fez antes de ti e manda aquela puta daquela tua namorada pras <span style="font-style: italic;">putas que a pariu, </span><span>que até a mim ela já tentou dar</span>!<br /><br />se existe algo que a História nos ensinou, é que não há como discutir com a sabedoria milenar chinesa.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-41114213648647743952009-08-10T22:53:00.005-03:002009-08-18T01:01:38.158-03:00sobre o leitor que éas pessoas lêem livros por dois motivos: para somar algum conhecimento às suas existências ou para, por algum momento, fugir delas.<br /><br />posso afirmar categoricamente que pertenço ao segundo grupo. leio para visitar novos lugares, novas realidades, novas mentes. leio para tudo isso, e acabo me entregando à obra. me transformo no livro que estou lendo, enquanto estivê-lo fazendo. neste período sou autor, história, protagonista, tudo ao mesmo tempo e, como não posso deixar de sê-lo, sou também eu mesmo.<br /><br />com isso, fica até fácil de identificar o que leio em determinadas épocas. se estou desleixado, cínico e cruelmente realista, sou também henry chinaski de bukowski. caso esteja direto, humanizado e um tanto epopéico, grandes são as chances de estar acompanhando saramago.<br /><br />às vezes gosto de me aventurar por imaginar o que aconteceria ao ler algo como shakespeare. sou, por natureza, um dramático inveterado e um romântico amador. teria eu o fim em sangue? sei que, quando estou a ler stephen king, me transformo em um ser das sombras, soturno e perturbado, com uma personalidade mutável e volúvel, tal qual o seu palhaço pennywise.<br /><br />certa vez, eu era james joyce. confuso, elaborado, profundo e nunca terminei de lê-lo. também, com tantas páginas... decidi-me então por ser a existência humana, partindo de um caso único e extrapolando-o para tudo e todos. poderia ser dito que experimentava uma vontade crônica de ser breve. ou talvez que vivia uma vontade breve de ser crônica?<br /><br />enfim, posso dizer, quem sabe, que sou um leitor vivo, sendo tudo o que leio e lendo tudo o que sou o tempo todo. mesmo que isso mude com a editora ou com o autor.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-20084158381306801372009-08-08T02:09:00.002-03:002009-08-08T02:59:54.119-03:00sobre o que sempre existirásempre existirão garotas que se interessarão por caras exclusivamente por causa de seus carros.<br /><br />e sempre existirão caras que sabem que seus carros lhes ajudam com essas garotas.<br /><br />a relação homem/mulher/veículo automotor se vê coberta por uma sombra nefasta. não me entendam mal. essa relação sempre existirá, assim como sempre existiu. no entanto, a modificação e, talvez, modernização dos carros nos últimos anos acabou com uma das maiores lembranças que uma pessoa poderia ter em vida: a de saber e até mesmo conhecer o carro em que foi concebido.<br /><br />carros que duram anos e anos a fio não existem há, pelo menos, uns 20 anos. ou seja, há toda uma geração, talvez até mesmo duas, que não conhece aquele canto especial no banco traseiro em que, um dia, papai e mamãe se envolveram com tamanho fervor que acabaram por selar uma relação eterna.<br /><br />sim, caros amigos, houve uma época mais feliz, uma época mais simples, em que os recreios eram momentos de discussões como:<br /><br />- papai disse que eu fui feito na nossa brasília.<br /><br />- sério? eu fui feito num gurgel.<br /><br />- e eu numa mercedes.<br /><br />- caramba! teu pai era rico?<br /><br />- não. motorista...<br /><br />- ah!...<br /><br />- ...de ônibus.<br /><br />hoje em dia, não podemos mais testemunhar uma conversa tão pura e, ao mesmo tempo, tão reveladora. quem tem o pai cujo carro está na família há mais de três anos? desvalorização no mercado, flutuações cambiais, modelos 2000, quintas gerações e, acima de tudo, motores vagabundos são os principais motivadores da perda de nosso passado.<br /><br />pertencemos, meus caros, a uma geração sem ninho, sem um carro-natal, sem uma kombi para para chamar de sua. até hoje, gosto de imaginar que sou fruto daquele uno que me lembro ter andado um dia. enfim, creio que nunca saberei com certeza. sei que nem mesmo meus pais poderão se lembrar qual carro tinham na época. não com tantos kadets, monzas, kas e derivados no caminho a enevoar as memórias.<br /><br />mesmo assim, se ficarmos no mais absoluto silêncio e aguçarmos bem a audição, poderemos ouvir uma camisinha estourando no banco de trás de algum 206 por aí. lutemos para não ficarmos tristes por mais um que não conhecerá suas origens.<br /><br />sim, sempre existirão os carros para facilitar a aproximação de interesses entre os sexos. só não existe mais aquele pedaço de passado que tanto alegrou a nossos pais e avós em outros tempos.<br /><br />aprofundando um pouco e distorcendo um tanto mais, pode-se dizer que, por desconhecermos nosso passado, perdemos um pouco também de nosso futuro. mas talvez isso seja ir um pouco longe demais.<br /><br />é, isso com certeza seria ir longe demais. honremos os bancos traseiros, então. e respeitemos as caronas.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6420107399722888707.post-66143286111136879972009-08-01T02:05:00.005-03:002009-08-02T00:41:20.957-03:00sobre a verdade ou sobre uma chupadaconfiança é um assunto delicado. como alguém pode se propor a ler um texto sobre o assunto sem confiar no autor?<br /><br />contudo, há um aspecto dentro de toda a questão envolvendo a confiança que, creio, intriga, ao mesmo tempo em que é comum a todos. que confiança perdida é justificadamente difícil de ser recuperada, ninguém discorda - acho que podemos estabelecer um ponto comum nisto; mas e quando se quebra uma confiança injustificada, algo que nem se sabia existir, algo que você nem ao menos pediu? enfim, é correto ser alvo do ódio da namorada daquele seu amigo apenas porque ela descobriu que, ao contrário do que você - "crápula" - confirmou, ele - "filho da puta" - não estava te ajudando a levar sua avó ao hospital, e sim estava traçando aquela vizinha do sétimo andar vestido de zorro e gritando "hi ho, silver"?<br /><br />afinal, não era VOCÊ comendo aquela delicinha de mulher em cima da centrífuga; não era VOCÊ o namorado que passara para trás a pobre e ingênua criatura que, pobrezinha, nem merecia tamanho descaso.<br /><br />na verdade, se havia algum culpado era ELE, que não conseguira manter a mentira, tão bem elaborada pela sua pessoa, de pé. mais que isso, ela devia era ficar orgulhosa de você que, afinal, provara ser um verdadeiro amigo. amigo dele, claro, mas não eram essas as funções estabelecidas no começo da relação?<br /><br />você, o fiel escudeiro; ela, a jovem e inocente donzela que, futuramente, descobriria que aquele não era seu príncipe encantado.<br /><br />aliás, pensando a respeito, ela devia era se envergonhar de lhe fazer uma pergunta daquelas - "assim... ele já me traiu? ontem, você saiu com ele?" -, de ter presumido que você deveria dizer a verdade. a ti, coube apenas o seu papel inicial; quem veio a querer mudá-lo fôra ela. como ela se sentiria se um dia você pedisse a ela um boquetinho? assim, nada de mais, só uma língua e coisa e tal. a traição seria a mesma.<br /><br />na verdade, a traição de um amigo é muito maior que de uma namorada. chifre se perdoa. apunhalada nas costas, jamais.<br /><br />ou seja, ela deve engolir o orgulho calada, e você deve manter o queixo erguido. a traidora, dentre os dois, era ela. pois, no fim, mais vale uma chupada que dizer a verdade.César Sotohttp://www.blogger.com/profile/01495185237586711640noreply@blogger.com11