quinta-feira, 25 de junho de 2009

sobre amor de verdade

prédio no jardins. 15h, 37min. vinda de algum lugar, ouve-se uma voz melosa que canta:
"hello, is it me you're looking for?
I can see it in your eyes
I can see it in your smile
you're all I ever wanted, and my arms are open wide
'cause you know just what to say
and you know just what to do
and I want to tell you so much, I love you..."

em outro apartamento, um filme termina e o aparelho de dvd é desligado. ela tem estado estranha a semana inteira; ele tenta começar uma conversa:
- e aí, gostou?
- é... não é mal, mas...
- pô, e a parte que eles tão no deserto, e aquele robozão sai debaixo da areia e começa a atirar...
- a gente precisa terminar.
-...pra todo lado e...? - ele é pego de surpresa. - como assim "terminar"?
- você sabe. eu sigo minha vida, você segue a sua.
- mas, assim, do nada?
- não. você sabe que a gente tem andado com problemas há meses... você com essa sua obcessão imbecil por robôs gigantes, eu com toda aquela merda no trabalho...
- tá, mas logo depois de transformers? você podia ter me preparado um pouquinho. não se muda de um estado de extrema felicidade depois de assistir um puta filme desses pra uma separação, porra. é tipo um choque térmico, saca? tem gente que morre disso.
- tá, desculpa. caguei. mas isso não muda o fato que a gente precisa terminar.
- eu sei que a gente tem enfrentado uns problemas, mas o que te fez decidir isso, assim, logo hoje?
- você me sufoca, cara.
- como assim?? a gente não se vê há uma semana!
- eu sei. e de repente você tem porque tem que me ver. puta saco...
- caralho, só achei que hoje seria legal da gente se ver. afinal, é só o aniversário de um ano de namoro...
- que brega isso!... te falei que você precisa relaxar mais. não ligo pra essas coisas.
- como assim não liga? um ano, porra! 365 dias... isso é, tipo, um vinte-avo das nossas vidas!
- nossa! quanto, hein??
- deixa de ser besta, você entendeu.
- foda-se. to indo embora.
- não, peraí!... - ele se sente mal, doente, fraco.
ela também, mas é porque se levantou rápido demais. - você realmente achou que nós íamos ficar juntos pra sempre?
- não, mas... - a pergunta o deixa sem reação. obviamente, ele não tinha pensado nisso. - ...mas também não pensei que íamos terminar hoje. hoje, e logo depois do primeiro filme!
ela, que já ia enfiando seu maço de cigarros na bolsa, pára. - por que? quantos filmes cê pegou?
ele sente que tem um trunfo. algo com o qual ela não contava. - tem mais três aqui. um godard, um almodóvar e um fellini.
- tudo bem. não preciso ir embora agora. mas assim que esses três terminarem, a gente segue com nossas vidas. cada um pra um lado.
- cada um pra um lado. certo. cê viu que vai sair transformers 2?

se a televisão estivesse desligada, eles poderiam ouvir as sábias palavras que vinham de um rádio qualquer:
"...hello, I've just got to let you know
'cause I wonder where you are
and I wonder what you do
are you somewhere feeling lonely, or is someone loving you?
tell me how to win your heart
for I haven't got a clue
but let me start by saying, I love you..."

lionel richie; esse sim sabe o que é amor de verdade.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

sobre apenas dois

ele acorda, desliga o despertador e decide que dormirá mais alguns minutos. ela já está saindo do banho, e pensa nas roupas que vestirá e qual caminho tomar para desviar do típico engarrafamento das dez da manhã.

ele sai de casa correndo, com uma maçã na boca por estar, mais uma vez, atrasado para o trabalho. ela aperta o botão do nono andar e troca conversa pequena com um cara do jurídico.

ele ouve the cure no carro, pois está de ressaca e esse trânsito é uma merda. ela se distrai com o ritmo de marisa monte, quando deveria estar concentrada no trabalho; afinal, esses números não vão se computar sozinhos.

ele decide ir pelo jardins, já que a porra da doutor arnaldo vai estar parada. ela pensa seriamente em mandar o chefe tomar no cu por lhe cobrar os relatórios mais uma vez.

ele muda de rádio mais uma vez e estaciona o carro ao som das palavras do profeta gentileza. ela cantarola, em direção ao banheiro, uma canção sobre a carta a elise.

ele começa a se resignar a respeito da bronca que levará da chefe, ao mesmo tempo em que esquece do fim de um namoro de quatro anos. ela troca palavras com uma colega e amiga de trabalho sobre homens e a carreira.

ele ouve às reclamações da empregadora e pensa em outras coisas. ela, enquanto fuma um cigarro, só quer saber de pensar em nada.

ele ajeita o teclado do computador, estala os dedos e puxa a primeira pauta. ela já está terminando a última planilha.

ele pega o celular e marca com amigos a que bar irão mais tarde. ela se ressente por saber que não terá tempo de acabar os relatórios e que terá trabalho em casa.

ele decide, enfim, que é hora do almoço. ela pede uma moqueca de camarão e uma água mineral.

ele atravesa a rua na hora errada, distraído com uma garota que, ele jura, poderia ser a mãe de seus filhos. ela desvia o olhar bem a tempo de não guardar na memória, para o resto de sua vida, a visão de um homem sendo atingido por um carro.

ele fica lá, caído no concreto, lutando para respirar com um dos pulmões perfurados. ela corre para socorrer o jovem que acabou de ser atropelado a poucos metros de si, que arfa em busca de ar.

ele, em poucos minutos, não passará de uma estatística. ela, em algumas horas, chorará a morte de um desconhecido.

eles poderiam ter sido protagonistas de qualquer história. se romance, comédia ou drama, não cabe a nós dizer. no entanto, foram não mais que personagens de um conto que descreve apenas o fim; mesmo quando todos iriam preferir que se tratasse apenas do começo.