terça-feira, 19 de outubro de 2010

sobre os amores dos outros

ela abre a porta e dá de cara com daniel, que entra esbaforido.
- eu te amo, marina.
a declaração a pega despreparada.
- sério?
- sério, pombas! quem inventaria algo assim?
- ah, querias que eu dissesse o que? puta surpresa, inferno!
- tá, tá! desculpa. é que eu precisava tirar isso do peito o quanto antes e... - ele ouve o burulho do chuveiro ligado e finalmente repara que ela está de roupão, mas com os cabelos secos. - putz! desculpa, mesmo. não queria invadir desse jeito e interromper teu banho, mas...
- agora já foi! desde quando tás apaixonado por mim?
- apaixonado, não! eu te amo! pelo o que a carlinha disse, há uns três meses!
- foi quando a gente ficou a primeira vez, né?... - ela nota que há algo errado - peraí. "pelo o que a carlinha disse"?...
- é! mas o joca começou a dizer isso há dois anos atrás. lembra como eu vivia grudado em ti e tals?
- lembro... mas calma. desde quando, afinal?
- ah, disso eu não tenho certeza, não! sei só o que me disseram. você conhece o joca. quando ele mete algo na cabeça, fica martelando o tempo todo.
- então deixa eu ver se entendi. você me ama, mas não sabe desde quando. sabe apenas o que a carlinha e o joca dizem?
- isso aí, boneca. no começo achei que era viagem deles, mas eles repetiram tanto que eu pensei "acho que não custa nada tentar, né?". agora vem cá que temos tempo pra recuperar até o casório.
- casório?! que mané 'ório?!
- ah, nós temos que fazer tudo direitinho, né. namora uns quatro meses, noiva por um ano, casa e, depois de um tempo, tem os dois filhotes!
- que porra que tu tá falando, daniel??
- porra, não! é tudo nos conformes. mamãe sempre disse que...
- tava demorando. agora é tua mãe que quer que a gente case.
- não exatamente a gente, eu e você. mas ela sempre pregou que tudo deve ser feito com ordem e planejamento. afinal... - silêncio. ele nota que o chuveiro foi desligado - tem alguém aqui contigo?
- ...
- dani, meu filho! que diabos tás fazendo aqui, moleque? - pergunta uma cabeça masculina saindo pela fresta da porta do banheiro.
- joca?... - ele procura por uma resposta vinda de marina que, a essa altura, já está jogada no sofá, declarando a derrota.
- olha, daniel. desculpa, mas tu escolheu a hora errada de declarar amores. eu to apaixonada pelo joaquim.
-ahá! sabia!!! eu sempre te disse que eras apaixonada pelo joca e você vinha com uma história que era ciúme e... ah, caralho. eu sempre te disse, não é?
- isso aí, espertinho. eu cansei de afirmar que era coisa da tua cabeça, mas tu insistiu tanto que... "achei que devia tentar, né?". agora dá o fora daqui. como a minha mãe sempre dizia: dois é bom, três é putaria.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

sobre a pressa divina

seu nome era ricardo nogueira e ele nasceu com pressa. bateu no médico ao ser parido. não conseguia entender a demora de nove meses.

sua mãe reclamava das fraldas mal colocadas. trocava as próprias, já que ninguém percebia o cheiro em menos de dez minutos. também esquentava as mamadeiras sozinho e, antes que a mãe pudesse se preparar, abria sutiãs.

aos quatro anos, comemorou dois aniversários em duas semanas. aos oito, comeu um hot pocket congelado por não conseguir esperar um minuto e meio. aos doze, saiu com o carro do pai para buscar uma pizza que não chegava.

sentava-se apenas para levantar, deitava-se na ânsia de acordar. se andava, queria correr. se corria, desejava galopar. se galopava, era apenas para estar lá.

posso não estar a resumir muito bem, mas era basicamente isso. sua vida era uma busca inquieta pelo próximo instante. a pressa marcava quase todos os aspectos de sua vida, com a excessão de um. as mulheres, em constante rodízio em sua vida, viviam a reclamar que era lento demais.

não tinha iniciativa, não corria atrás, não declarava seus óbvios sentimentos. quando um beijo era o único caminho, recuava, dava dois passos para trás e pensava mais uma vez. isso, como qualquer homem com o mínimo de conhecimento de vida, só podia ser fatal.

e assim foi a adolescência inteira, de passagem pela vida, mas parando no portão dos relacionamentos. não houve uma que tolerasse sua calma e frieza durante os trailers no cinema, seu estrategismo ao deixá-las em casa, sua racionalização perante um torso nu.

obviamente, sua falta de habilidade com o sexo feminino não lhe havia passado despercebido. certa vez, resolveu conversar a sério com uma guria que lhe atraía a atenção. impressionantemente, como uma espécie de deus ex machina desta tragédia moderna, ela explicou ponto a ponto todos os aspectos que o tornavam tão impossível. vai entender, às vezes se dá sorte nessas coisas.

consciente de todos os seus defeitos, mais uma vez ricardo nogueira se via impaciente em remediar a situação. assim, superou a pressão do primeiro beijo em tempo recorde, aceitou prontamente subir para um cafezinho e já havia espalhado as roupas de ambos pelo chão antes que a porta do elevador conseguisse se fechar totalmente. um milagre se anunciava. anjos pelos céus afinavam suas trombetas e harpas para a maior sinfonia climática da criação.

tudo se encaminhava muito bem até que deus, que de misericordioso e piedoso nada tinha, resolveu tornar pública sua já conhecida ironia, que se declarava para a infelicidade de nosso intrépido herói. apesar de toda a enrolação superada, deitado ali, na cama, ele ainda tinha pressa, muita pressa.