segunda-feira, 27 de agosto de 2007

sobre correspondências guardadas

São Paulo, 27 de agosto de 2007

X,

faz tempos que não nos falamos, não nos falamos de verdade, e sei que essa carta não será o veículo que nos manterá mais perto, mas qual o remédio?
nos vemos distantes há meses, separados por essa enorme massa que se chama mundo. se a culpa é minha, se a culpa é sua, se a culpa é daquilo a que chamamos destino, não posso afirmar com certeza.
tenho certeza apenas que sinto falta. sinto falta daqueles que partiram, e você é um deles.
sinto falta daqueles que partirão, e você também é um deles.
sinto falta, sobretudo, sinto falta daqueles que estão aqui. tolice dizer quem.
sim, pois não posso afirmar se você partiu, se irá partir, se não irá de qualquer forma. isso pois o intangível lhe é mais apropriado. quereria poder segurá-la, abraçá-la, equacioná-la tal qual o nome que sustenta, X. infelizmente, matemática e sentimentos me faltam.
faltam de tal forma que não sei se tenho raiva, se tenho paixão, se tenho mágoa.
a única coisa que sei é que estamos distantes, como nunca estivemos. distantes enquanto estamos perto, tão perto que sinto como se meus dedos pudessem tocá-la a qualquer momento, mas não está lá.
seja como for, X, a distância ao mesmo tempo em que é algoz dos sentimentos que dirigem esta carta também é aquilo que os impulsionam.
Saudade, pois, é como lhe chamarei, X.
saiba que, se um dia resolver retornar, ainda estarei aqui. grisalho, talvez. mas aqui.
caso decida que o melhor é continuar onde está, fique tranqüila. Saudade é quem me guia. você me guia.
e é pra finalizar esta que pode ser a última comunicação existente entre nós que uso o seu nome para dar vazão a tudo o que quero dizer mas não sei como.
sinto Saudade. sinta-se amada.

sinceramente, como nunca antes,
o Autor.

sobre acontecimentos

tive a idéia pra mais um conto. uma idéia boa, uma idéia madura, uma idéia criativa.
infelizmente, foi durante o enem, o que me custou uns belos 15 minutos da prova e me fez esquecer completamente sobre o que se tratava a história.
acontece.

domingo, 26 de agosto de 2007

sobre um manifesto acovardado

nada como um dia após o outro, um dia de cada vez.
clichês, mas, nem por isso, menos verdades.
o importante é ligar-se ao presente, viver agora o agora. tem-se a infeliz mania de se manter preso por correntes, não do passado, que já foi há tanto tempo que vive apenas por intermeio de memórias, mas do futuro.
sim, vive-se acorrentado por lembranças de coisas que poderiam acontecer, que iriam acontecer, que ainda nem aconteceram.
oras, mas a vida não é exata. o tempo é inconstante. o amanhã não chegará nunca. por que perder tempo com tais coisas? por que se preocupar com o destino se o que realmente importa é a viagem??
digo que feliz é aquele que se lembra do hoje, que se preocupa em ser feliz neste instante. este sim conhecerá a felicidade eterna. a tristeza e a agonia vêm apenas de nossas preocupações, de nossos arrependimentos, de nossas mágoas. aquele que não der atenção a tais coisas merece aplausos.
merece, como merece. aqui falo, como se fosse a coisa mais fácil do mundo simplesmente não se preocupar. não se enganem. este que vos fala não se ilude de tal forma. sei que ainda carrego mais bagagem que muitos e que anseio muito pela chegada, enfim, ao meu destino final.
mas não é por isso que deixarei de aproveitar a paisagem que passa tão velozmente pela janela. aproveito cada segundo, cada detalhe, cada maravilha dos borrões em alta velocidade em minha vida.
vai que, um dia, tomo coragem e jogo minha mala de lembranças para fora?
não sei se um dia terei colhões suficientes para tal. agarro-me apenas à alegria que é realmente desejar subir ao teto deste veículo e, abrindo os braços ao vento contrário tão forte que me desestabiliza, gritar:
- PÁRA ESSA MERDA QUE EU QUERO ANDAR!
sim, um dia de cada vez, um dia após o outro, andando até o fim.
por ora, na segurança das acomodações da minha poltrona, deixo o trem seguir, acovardado.
mas aplaudo. ah, aplaudo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

sobre decepções e culpas

no outro dia, cruzei com essa garota que eu costumava sair às vezes, no meio da Consolação.
- olá.
- alô. tudo certinho?
- opa, tudo em cima. e você?
- tranqüilo, tranqüilo...
...
- mas então, como andam as novidades? - disse eu, tentando quebrar aquele clima estranho.
- ah, quase tudo na mesma. puxa, quanto tempo, né?
- pois é. a gente diz que vai manter o contato, mas...
- ah! você não adivinha quem tá namorando...
- não adivinho. quem?
- tenta adivinhar, vai.
- poxa, mas eu não faço idéia!
- uma dica: é alguém que você já gostou muito.
- mamãe! não, eu ainda gosto muito de mamãe.
- não, bobo! alguém com quem você já teve noites maravilhosas...
- xiii, daí você complica minha vida.
- ih, "don juan". até parece que você já teve muitos casos do tipo.
- mas tive, viu. ah, as noites de WAR com o tio carlos. sabe, outro dia ele teve um problema de apendicite. coisa braba.
- deixa de ser tonto! sou eu, tolinho. tô namorando! dois meses, já.
- ahn... - ela já tinha me perdido. nessa hora, eu lutava pra lembrar o que havia acontecido com tio carlos e seu apêndice.
- ele é ótimo, eu o conheci no ônibus, se é que dá pra imaginar uma coisa dessas. foi ótimo. engraçado como, quando se menos espera, pode se conhecer alguém ótimo. - ela tinha a mania de ficar repetindo "ótimo". isso me deixava louco desde o tempo em que éramos um casal.
- puxa vida, não diga. - respostas automáticas! o que seria da vida sem as respostas automáticas? diabos, como andaria o tio carlos? precisava ligar pra ele, aliás...
- digo sim! ai, como a vida pode ser ótima. acho que esse é pra casar. não é santo, mas também não é que nem você, né? lembra? você já tinha saído com metade da turma antes de me chamar pra um "cineminha". seu cineminha era famoso. compravam-se as balas no caixa do cinema e íamos acabar de comê-las na tua casa, na manhã seguinte.
- é verdade, é verdade. - teria ele ficado internado no hospital? meu deus, como ficaram meus primos com a notícia da doença? primeira coisa a fazer quando chegar em casa: ligar pra tia édna e saber como andam as coisas. tadinha, ela também já não era mais nenhuma mocinha.
- enfim, o nome dele é daniel, é arquiteto. tem alguns prédios na Paulista que são dele, sabia? ele tá trabalhando pra prefeitura, ultimamente...
- desculpa, mas eu realmente tenho que ir andando...
- ah, tá. desculpa eu, você deve ter mais coisas pra fazer, né? que você anda fazendo da vida? ainda servindo mesas naquele restaurante na Pompéia? - a decepção na voz dela era evidente. ou percebeu que eu não havia ouvido uma só palavra do que dissera ou então achava que ficar falando do namorado não surtira o efeito desejado. em ambos os casos, ela estava certa.
- não, eu... olha, desculpa mesmo. tenho que ir. mas viu, vamos marcar alguma coisa, reunir a galera. daí você pode me contar as novidades com mais calma, tá?
- tá certo, então. se cuida.
- se cuida.
ao chegar em casa, peguei o telefone e liguei para a família toda. todos estavam bem, com excessão do meu primo marcos, que havia sofrido leves lesões ao dar de cara com um poste de concreto no meio da rua. dizem que havia sido instalado ali para introduzir um efeito de humor em alguma história, sei lá. nada sério, no entanto. tio carlos estava melhor da apendicite havia semanas. me senti mais leve e prometi a mim mesmo nunca mais esquecer das pessoas que amo.
só restava uma dúvida: o que diabos teria aquela garota falado no meio da rua? algo sobre um arquiteto paulista de ônibus, talvez...
bah, deixa pra lá.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

sobre o perdoar I


Orquestra Imperial - Não Foi Em Vão
Thalma de Freitas


Agora posso ir e não olhar pra trás
Passado tudo aquilo que se desfaz
Foi bom viver mais uma vez
saber te perdoar
e dar por fim da mágoa desse mal amar.

Hoje quero crer que não foi mesmo em vão
escolho solitude à solidão
foi bom te ter mais uma vez
poder te abandonar
e dar por fim a mágoa desse mal amar

quem feriu meu coração fui eu mais ninguém
quem feriu meu coração foi você também

sobre Ray Smith, a essência e a mente da casca de banana

"Tudo é possível. Eu sou Deus, eu sou o Buda, eu sou o imperfeito Ray Smith, tudo ao mesmo tempo, sou o espaço vazio, sou todas as coisas. Tenho todo o tempo do mundo e vida para fazer o que deve ser feito, para fazer o que está feito, para fazer o feito atemporal, infinitamente perfeito em si mesmo, por que chorar, por que se preocupar, perfeito como a essência e a mente da casca de banana."

-Ray Smith, em "Vagabudos Iluminados", de Jack Kerouac

terça-feira, 14 de agosto de 2007

sobre histórias e amores

e há coisas que realmente passam. passam, e não voltam.

marcos, vamos chamá-lo de marcos, outro dia percebeu isso súbita e drasticamente. andava pela rua distraído a pensar e a conclusão lhe atingiu com tal força na face que lhe quebrou um dente e lhe deixou um calombo do tamanho de um punho na testa. infelizmente, não posso afirmar categoricamente se as contusões foram resultado do impacto da percepção ou do impacto de um enorme poste de concreto que fora posicionado estrategicamente naquela parte da rua apenas para acrescentar um pouco de humor a esta história. de uma maneira ou de outra, o que nos importa é que, recobrado os sentidos, marcos só conseguia pensar naquilo.
ao chegar em casa e se livrar agilmente dos braços preocupados da mãe - "que raios você andou fazendo lá fora?" - marcos se dirigiu diretamente a seu quarto, onde se trancou para poder pensar com maior segurança sobre o assunto.
não, definitivamente não atravessava uma onda de sorte com as mulheres. apesar de jovem, já havia amado imensamente duas delas. o relacionamento com a primeira tinha terminado mal. assim marcos pensava. mas falaremos dela mais tarde. o que nos interessa por ora é a segunda.
eu falava que marcos não atravessava uma onda de sorte com as mulheres. menti. quero dizer, não menti, equivoquei-me. marcos atravessava uma onda de azar era com o amor. mulheres nunca lhe foram problema.
enfim, havia essa segunda garota. seu relacionamento com ela havia terminado... bem, tal relacionamento nunca havia nem ao menos começado. entendem? eles estiveram juntos, claro, mas sempre fora "eu E você", nunca "nós".
marcos havia passado meses tentando entender o que dera errado. isso, talvez nem mesmo eu possa lhes dizer. sabe-se apenas que ambos seguiram suas vidas, separados. ele certamente seguia a dele, mas seu pensamento, de vez em quando, se perdia por estes trajetos e ele apenas permitia que fosse. não havia depressão, nem mesmo tristeza ou raiva. havia apenas decepção.
o futuro lhe aguardava, ele sabia disso. contudo, olhar pra trás era inevitável. e pensava nas coisas que lhe acontecera, nos caminhos que havia percorrido para chegar até ali. e se lembrava dela. não, não da segunda; da primeira.
e foi numa dessas lembranças que encontrou a conclusão que lhe fez trombar estrondosamente com um enorme poste de concreto que fora
posicionado estrategicamente naquela parte da rua apenas para acrescentar um pouco de humor a esta história, mordendo a língua e perdendo uma lasca do dente da frente, o que lhe causaria um chiado na fala que só seria resolvido anos mais tarde, quando finalmente pôde pagar um dentista decente com seu salário medíocre.
eu havia dito, havia dito e repito, que ele pensava que seu primeiro relacionamento verdadeiramente amoroso tinha conhecido um fim amargo. bem, já não pensava mais nisso. na verdade, olhava agora com carinho por cima do ombro para recordações tão antigas. percebia que podia ver o exato momento em que havia descoberto o que é realmente se preocupar com alguém de forma completamente altruísta. preocupar-se por se preocupar, sem esperar algo em troca. e como era bom tal sentimento. e como ele gostava de gostar tanto de alguém.
marcos se levantou de sua cama com um salto e esqueceu da decepção, e também de seus medos, e também de suas preocupações, e também de seus problemas.
decidido e impulsionado pela força que o amor que outrora sentira e que tudo que mais queria agora era sentir novamente, marcos abriu a porta e foi viver. viver uma vida nova, uma vida dos destinos que virão, sem lugar para o passado.
isso, pois percebia que há coisas que realmente passam. passam, e não voltam.










mas, e se voltassem? ah, se voltassem, meus caros, eu não estaria aqui para lhes contar esta história. estaria aqui para lhes contar uma história sobre marcos, o garoto que encontrou a felicidade cedo demais e não soube o que fazer com ela. de uma maneira ou de outra, esta seria exatamente a mesma história, não é mesmo?

vazio (sobre o vazio)

há correntes do budismo que nos dizem que o mundo não existe e que somos todos feitos da mesma matéria e que esta matéria é, na verdade, o vazio.
à primeira vista, isso pode parecer absurdo, obviamente. no entanto, pensando bem - não por horas ou dias, mas por semanas, meses - há de se admitir que existe uma certa lógica por trás disso. não cabe a mim discutir tal lógica. não ousaria roubar o momento precioso no qual a descoberta do vazio se realiza na vida de cada pessoa. contudo, essa conclusão é quase que imediatamente sucedida por um conforto único.

tudo o que existe; nossos sentidos, nossos sentimentos, nossas posses, concretas ou abstratas; existe apenas porque nossas mentes percebem, realizam. de outra forma, voltaria tudo para sua forma original, o vazio.

a liberdade que tal percepção pode trazer é ilimitada. as preocupações só existem se se preocuparem com elas. os problemas só atrapalham se acreditarem neles. e os amores só se formam porque existem corações e mentes que permitem que eles se amem.
assim sendo, se mostra inegável a força do ser humano, e de qualquer outro ser vivo, se fizer diferença.

por isso, sonhe, idealize, viva. os limites estão presos apenas pelas próprias pessoas. não há terceiros. há apenas a vontade.

e ah, diabos, eu tenho Vontade.
tenho vontade de viver o vazio e, assim, viver o Tudo.

o caminho para o Fim.

eu andava precisando de algum lugar para escrever e me publicar há muito tempo. enfim, arrumei.
aproveitem. como tudo na vida, este blog só foi criado para, um dia, encontrar seu fim.