sexta-feira, 30 de maio de 2008

sobre táxis e as gotas da chuva


para escrever ouvindo: Stars - your ex-lover is dead



foi através do amigo de um amigo que eu encontrei marina pela segunda vez. estávamos na festa de bodas de ouro de um casal de 70 anos ou algo do gênero. as mesas eram cobertas por toalhas de linho branco, com pequenos vasos repletos de lírios ao centro, copos de cristal e talheres de prata. as paredes eram enfeitadas por faixas prateadas e douradas, e a banda tocava sucessos dos anos 50 e 60. era um salão de festas realmente muito bonito.
quando apresentados pelo jovem de boas intenções que não sabia que já nos conhecíamos, rimos brevemente. logo em seguida, instalou-se um silêncio, daqueles constrangedores, pelo que pode ter sido três minutos ou 13 anos. enfim, ela disse algo que teria sido considerado um clichê, caso ignorássemos o tempo que havíamos passado juntos:
- é, eu acho que já nos encontramos antes, não?
pude perceber pelo tom de sua voz que ela sinceramente não se lembrava de mim. quer dizer, pode ser que seu inconsciente soubesse quem eu era, mas já é sabido que a distância entre consciência e aquilo que habita as profundezas de nossa mente é enorme.
talvez essa seja a hora na qual eu devesse contar como nos conhecemos, nos apaixonamos e nos separamos 20 anos antes. fazíamos faculdade juntos, marina e eu. jornalismo. fomos amigos por um tempo, até uma festa em que os dois, bêbados, percebemos que pertencíamos a sexos opostos. alguns meses depois, fomos morar juntos, contrariando uma amiga que dividia o apartamento com ela e dois sujeitos que viviam comigo. com o fim do contrato de 12 meses, acabou também nosso relacionamento. essas coisas acontecem, o que se pode fazer?
enquanto eu lembrava dessa história, percebi que a hora avançava e eu tinha de ir embora. do lado de fora a chuva caía impiedosamente. ao expressar minha necessidade de partir, ela sugeriu que dividíssemos um táxi e eu, por preferir não me molhar, aceitei prontamente.
atravessávamos uma ponte e percebi que ela parecia triste. não trocava mais que algumas poucas palavras comigo. não podia imaginar que, naquele momento, ela tentava se lembrar do meu nome.
a separação foi amigável. concordávamos que não havia maneira de continuarmos juntos. namoramos por cerca de um ano, o qual eu passara tentando entendê-la profundamente em tempo integral. não adiantava, eu não conseguia penetrar suas defesas, ou assim pensava. eu era muito jovem, tinha 22 anos, como podia ser tão arrogante a ponto de querer conhecer todos os seus segredos? saí triste da relação, mas não magoado. ela sim, ficou um tanto deprimida. por isso acabei achando que eu era o maduro da relação, aquele que sabia lidar com relacionamentos.
hoje vejo todos os erros cometidos. não era ela quem se distanciava, não era ela quem tinha medo, não era por culpa dela que eu não conseguia conhecê-la de verdade. ela havia escolhido sentir, amar, desejar, e eu, coitado, nem tive a chance de fazer tal escolha. nunca a amei realmente. minha tristeza depois do fim não era pelo fim em si, mas pela minha incapacidade de sentir. foi por me amar tanto que ela acabou brevemente deprimida. sua depressão era um cartão-postal dos sonhos que tivemos juntos, um recado do amor verdadeiro.
talvez se tivesse tido a coragem de viver tudo aquilo eu não estivesse olhando para trás. marina era o que eu mais queria, e lhe entreguei o que entreguei. espero que não se arrependa de ter me conhecido. espero que não se arrependa de ter terminado. espero que não se arrependa de não haver o que salvar.
pagamos o taxista e subimos apressadamente para o meu apartamento, pois a chuva continuava a cair forte. no dia seguinte, em minha cama, ela ainda não se lembrava de nós dois. talvez assim fosse melhor. eu era um homem melhor, um ser humano melhor. podia ser que eu finalmente conseguisse lidar com o que eu sempre quis.
tínhamos muito tempo para nos conhecermos, para reinventarmos nossa história.
as enormes gotas da tempestade escorriam pela minha janela, desenhando sombras na face adormecida de marina.
naquele momento, eu não sentia muito por não haver o que salvar.

terça-feira, 13 de maio de 2008

sobre juras de amor eterno

durante a ligação, ele fazia juras de amor.
"mas eu te amo, pô! será que só você não vê isso? fomos feitos um para outro! eu quero passar o resto da minha vida contigo, guria! quero acordar ao teu lado. quero fazer juras de amor eterno. quero ter filhos, netos, bisnetos. quero te chamar de 'minha fofuchinha'. quero fazer amor contigo. quero ser a azeitona da sua empada, poxa! só de ouvir tua voz, vi que era pra sempre. nunca me senti assim por alguém antes. sou teu escravo, teu criado! não consigo pensar em mais ninguém. para mim, nem existe mais alguém neste universo! só você. tu és tudo, minha amada!"
do outro lado da linha, ela se desesperava, tentava mudar de assunto, mas ele continuava.
"vamos fugir? a gente desliga, eu ligo pro meu chefe, mando ele à merda e a gente foge. juntos. compramos uma fazenda no interior do amapá, estocamos vinho tinto e comida enlatada, e só saímos depois de três meses de sexo animal e apaixonado! vai, diz que sim. diz que sim, senão eu me mato. não estou brincando. subo nesta cadeira, amarro meus cadarços ao redor do meu pescoço e pulo. hein? eu falei que pulo! PU-LO! essa ligação... não, não precisa chamar a polícia. você sabe que eu não tava falando sério. pelo menos não se você aceitar fugir comigo. pára de me tratar assim, com tanta frieza, tanta formalidade! você sabe meu nome, está cansada de saber. isso, assim tá melhor. ai... fala de novo. isso, me chama de 'senhor manuel'. isso. assim eu fico louco! você sabe disso. casa comigo. vou ligar pro teu pai e pedir tua mão em casamento. não, nem tente me convencer de que é loucura. sou louco, sim. louco por você! por que você não se rende a isso? é o destino! somos almas gêmeas. eu nasci pra você, e você nasceu pra mim! não acredita que todos já nascemos predestinados e ficar com alguém? pois eu acredito. e você é minha. nunca tive mais certeza sobre coisa alguma. minha vida andava tão sem rumo, tão sem sentido. até que eu te conheci. melhor dia da minha vi...alô?? tá aí ainda? ufa... você ficou quieta por tanto tempo que eu achei que pudesse ter desligado."
ela realmente pensava em desligar. não aguentava mais.
"e, se você tivesse desligado, acho que eu não reagiria bem. esperei por tanto tempo para te encontrar... enfiaria a cabeça no forno e deixaria o gás fazer o resto. mas deixemos tudo isso pra lá. falemos de nós. como se chamarão nossos filhos? quero ter quatro. um guri, duas gêmeazinhas lindas e outro gurizinho. posso até imaginar o cachorro tomé entrando pela casa todo coberto de lama e você gritando com ele. você grita com o pobre tomé, mas o ama. você ama o tomé, não ama? e quanto a mim? você me ama?"
ela já desistira. faria a vontade dele. esse era seu plano.
"AMA??? meu deus, quanta felicidade. voce não se arrependerá! farei de ti a mulher mais feliz do mundo! faz o seguinte: desliga o telefone, fala com teu chefe, pede as contas e me encontra às dez na rodoviária de malas prontas. vamos hoje mesmo lá praquela fazenda no amapá. eu te amo, meu amor. até logo, já estou com saudades!"
ela não podia acreditar. pela primeira vez, o toque de desligado soava como as notas tiradas de harpas por pequenas mãos angelicais. olhou para o relógio pendurado na parede. ele ainda apontava para as 15 horas. para o inferno com isso! pediria demissão imediatamente. não que fosse se mudar para o amapá com aquele maluco. sua mãe bem que lhe dissera para estudar mais e virar advogada. ou médica! mas não... tinha de ser teimosa, brigar com os pais, sair de casa. aquela fora a situação mais louca na qual se envolvera em toda sua vida. não queria mais saber de telefone, não queria mais saber de seu trabalho. se levantou, trêmula, e foi em direção à sala do patrão, jurando a si mesma que nunca mais aceitaria um emprego como atendente de telemarketing.