sexta-feira, 19 de novembro de 2010

sobre o homem que tinha amigos demais

entre os corredores, alunos e funcionários da universidade albuquerque, localizada na zona oeste de são paulo, existia apenas uma unanimidade: rambo nogueira era o ser humano mais amigável que já havia frequentado aquela nobre instituição de ensino superior. apesar do nome, rambo tinha tamanho poder cativante que, mesmo cinco anos após sua formatura, ainda existiam dezenas que garantiam ser alguns de seus amigos mais íntimos, não lhe poupando elogios. obviamente que existiam aqueles mal intencionados que apenas queriam pegar carona no mítico carisma do veterano, mas a grande maioria enchia suas bocas de sinceridades ao falar da amizade.

rambo passava pela puberdade quando percebeu o poder que exercia sobre as outras pessoas. sempre tivera amigos, mas, repentinamente, todos pareciam querer lhe fazer favores, dar-lhe uma mão, ajudar como pudessem. claro que isso implicava em expectativas de reciprocidade, como acontece em qualquer relação afetiva platônica. mas isso não era nada.

o porteiro tomou súbito interesse em sua vida e, curiosamente, passou a lhe contar todos os detalhes de suas últimas conquistas amorosas no bailão. a professora de história tolerava seus atrasos na entrega de trabalhos, fazia vista grossa para as breves adormecidas durante a aula. até seu cachorro, que sempre preferira seu irmão mais novo, agora ficava à porta esperando seu retorno da escola, com o par de chinelos do dono na boca.

rambo era amigos de todos, e todos o amavam. e ele odiava isso. não suportava tamanho carinho e atenção, queria gritar a cada sorriso compreensivo. desejava, acima de tudo, fugir desesperadamente de cada indivíduo que, apesar do nome lhe ser desconhecido, o cumprimentava não com um aperto de mão, mas com um abraço apertado.

seus amigos de verdade, aqueles que já o conheciam antes da estranha maldição ser lançada, se divertiam com a situação. observaram, em primeira mão, a evolução gradual de rambo para um dos seres mais agressivos que já caminharam sobre este planeta. e gargalhavam com isso.

logo, a saudação do jovem não passava de um grunhido e o seu nome do meio passava a ser sarcasmo. a cada palavra de incentivo, a resposta era um palavrão - de fato, foram tantos ao longo dos anos que muitos nem existiam ainda. hoje, habitam as páginas de qualquer dicionário informal. mesmo assim, seu carisma perdurava. as pessoas acreditavam que aquele era apenas o jeito dele. e aquele era um jeito divertidíssimo.

"ahahaha! tá certo, bambão! eu enfio esse desenho assim que você me disser se a perspectiva está real ou não... o que?? parece a minha mãe fazendo o que?? porra! não é que tu tá certo? valeu, bambão! sabe tudo, moleque!" - enquanto isso, rambo agonizava.

para piorar seu humor, que já não era dos melhores, rambo, aos 25 anos, nunca tinha conseguido dar uma trepada. aliás, beijo mesmo, só roubado. de amigas. "aaah, bambo. claro que eu vou ao cinema contigo. não, é sério! eu adoraria! qual filme? não importa! faz tempo que eu queria sair com você, mesmo... ah, que ótimo! vou levar o carlos, assim você me diz se aprova o namoro e...".

o lado bom, que ao menos o acalentava, era que esse seu poder o fizera escalar rapidamente os degraus do mundo corporativo. em apenas três anos trabalhando no banco américa, era o primeiro funcionário com menos de 30 anos promovido a diretor. seus chefes se encantavam com seu poder de liderança e sua franqueza. o projeto, aquele que tinha 23 pessoas dedicadas exclusivamente a ele nos últimos sete semestres, realmente era uma bosta, um cu sem tamanho. com seu fim, não só pouparam ainda mais tempo, mas também conseguiram cortar todo um setor da folha de pagamento. o jovem era um talento!

considerado um gênio, era a maior prata da casa desde a sua fundação. pelo menos até a tarde de 27 de outubro, em que seu chefe o chamou para uma conversa. rambo estava sendo, infelizmente, desligado da corporação. não, não haveria como poder dar boas referências. ele sentia muito, tinha rambo como um filho, um irmão, até!, mas a diretoria andava preocupada. não acreditavam que o senhor rambo nogueira tivesse a postura necessária para o agressivo mundo das finanças.

rambo estava na rua, com um apartamento de R$700 mil ainda para pagar. o motivo? amigável demais.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

sobre os amores dos outros

ela abre a porta e dá de cara com daniel, que entra esbaforido.
- eu te amo, marina.
a declaração a pega despreparada.
- sério?
- sério, pombas! quem inventaria algo assim?
- ah, querias que eu dissesse o que? puta surpresa, inferno!
- tá, tá! desculpa. é que eu precisava tirar isso do peito o quanto antes e... - ele ouve o burulho do chuveiro ligado e finalmente repara que ela está de roupão, mas com os cabelos secos. - putz! desculpa, mesmo. não queria invadir desse jeito e interromper teu banho, mas...
- agora já foi! desde quando tás apaixonado por mim?
- apaixonado, não! eu te amo! pelo o que a carlinha disse, há uns três meses!
- foi quando a gente ficou a primeira vez, né?... - ela nota que há algo errado - peraí. "pelo o que a carlinha disse"?...
- é! mas o joca começou a dizer isso há dois anos atrás. lembra como eu vivia grudado em ti e tals?
- lembro... mas calma. desde quando, afinal?
- ah, disso eu não tenho certeza, não! sei só o que me disseram. você conhece o joca. quando ele mete algo na cabeça, fica martelando o tempo todo.
- então deixa eu ver se entendi. você me ama, mas não sabe desde quando. sabe apenas o que a carlinha e o joca dizem?
- isso aí, boneca. no começo achei que era viagem deles, mas eles repetiram tanto que eu pensei "acho que não custa nada tentar, né?". agora vem cá que temos tempo pra recuperar até o casório.
- casório?! que mané 'ório?!
- ah, nós temos que fazer tudo direitinho, né. namora uns quatro meses, noiva por um ano, casa e, depois de um tempo, tem os dois filhotes!
- que porra que tu tá falando, daniel??
- porra, não! é tudo nos conformes. mamãe sempre disse que...
- tava demorando. agora é tua mãe que quer que a gente case.
- não exatamente a gente, eu e você. mas ela sempre pregou que tudo deve ser feito com ordem e planejamento. afinal... - silêncio. ele nota que o chuveiro foi desligado - tem alguém aqui contigo?
- ...
- dani, meu filho! que diabos tás fazendo aqui, moleque? - pergunta uma cabeça masculina saindo pela fresta da porta do banheiro.
- joca?... - ele procura por uma resposta vinda de marina que, a essa altura, já está jogada no sofá, declarando a derrota.
- olha, daniel. desculpa, mas tu escolheu a hora errada de declarar amores. eu to apaixonada pelo joaquim.
-ahá! sabia!!! eu sempre te disse que eras apaixonada pelo joca e você vinha com uma história que era ciúme e... ah, caralho. eu sempre te disse, não é?
- isso aí, espertinho. eu cansei de afirmar que era coisa da tua cabeça, mas tu insistiu tanto que... "achei que devia tentar, né?". agora dá o fora daqui. como a minha mãe sempre dizia: dois é bom, três é putaria.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

sobre a pressa divina

seu nome era ricardo nogueira e ele nasceu com pressa. bateu no médico ao ser parido. não conseguia entender a demora de nove meses.

sua mãe reclamava das fraldas mal colocadas. trocava as próprias, já que ninguém percebia o cheiro em menos de dez minutos. também esquentava as mamadeiras sozinho e, antes que a mãe pudesse se preparar, abria sutiãs.

aos quatro anos, comemorou dois aniversários em duas semanas. aos oito, comeu um hot pocket congelado por não conseguir esperar um minuto e meio. aos doze, saiu com o carro do pai para buscar uma pizza que não chegava.

sentava-se apenas para levantar, deitava-se na ânsia de acordar. se andava, queria correr. se corria, desejava galopar. se galopava, era apenas para estar lá.

posso não estar a resumir muito bem, mas era basicamente isso. sua vida era uma busca inquieta pelo próximo instante. a pressa marcava quase todos os aspectos de sua vida, com a excessão de um. as mulheres, em constante rodízio em sua vida, viviam a reclamar que era lento demais.

não tinha iniciativa, não corria atrás, não declarava seus óbvios sentimentos. quando um beijo era o único caminho, recuava, dava dois passos para trás e pensava mais uma vez. isso, como qualquer homem com o mínimo de conhecimento de vida, só podia ser fatal.

e assim foi a adolescência inteira, de passagem pela vida, mas parando no portão dos relacionamentos. não houve uma que tolerasse sua calma e frieza durante os trailers no cinema, seu estrategismo ao deixá-las em casa, sua racionalização perante um torso nu.

obviamente, sua falta de habilidade com o sexo feminino não lhe havia passado despercebido. certa vez, resolveu conversar a sério com uma guria que lhe atraía a atenção. impressionantemente, como uma espécie de deus ex machina desta tragédia moderna, ela explicou ponto a ponto todos os aspectos que o tornavam tão impossível. vai entender, às vezes se dá sorte nessas coisas.

consciente de todos os seus defeitos, mais uma vez ricardo nogueira se via impaciente em remediar a situação. assim, superou a pressão do primeiro beijo em tempo recorde, aceitou prontamente subir para um cafezinho e já havia espalhado as roupas de ambos pelo chão antes que a porta do elevador conseguisse se fechar totalmente. um milagre se anunciava. anjos pelos céus afinavam suas trombetas e harpas para a maior sinfonia climática da criação.

tudo se encaminhava muito bem até que deus, que de misericordioso e piedoso nada tinha, resolveu tornar pública sua já conhecida ironia, que se declarava para a infelicidade de nosso intrépido herói. apesar de toda a enrolação superada, deitado ali, na cama, ele ainda tinha pressa, muita pressa.

sábado, 18 de setembro de 2010

sobre uma mulher abandonada

éramos todos, cinco ou seis, perdidamente apaixonados por ela. como haveríamos de evitar? cabelos loiros, olhos claros, seios fartos. desafio aquele que diga que a poderia resistir. não poderia. simplesmente não poderia. digo isso com a mais firme e persistente das convicções.

éramos todos dos mais variados tipos. uns velhos, outros magros, outros metaleiros. se havia um único ponto de convergência era ela. reuníamos nos bares da vida para debatê-la, mistificá-la, endeusá-la. os recém chegados à turma nos diziam loucos, malucos. não havia nesse mundo ser que pudesse ludibriar por tanto tempo uma turma de membros tão díspares quanto aquela. opinião que durava até os primeiros balançares das curvas de um corpo sem falhas em uma pista de dança.

éramos todos fantoches, reféns de um ser acima do tempo, da razão e da teoria. confesso até que aprecíavamos tal posição. "melhor amar e não ter, do que não ter o que amar", não é o que dizia o antigo ditado?

éramos todos apaixonados irremediáveis. o éramos, pelo menos até o caso do primeiro. pois eis que o primeiro decidiu, e não me pergunte o por quê, que era gay. sim, tamanha reviravolta também nos pegou de surpresa e não havia um que pudesse crer no que ouvia. era coisa da cabeça dele, dizia um. a negação era tamanha que ele havia se confundido, dizia outro

não. não era coisa da cabeça nem negação. ele simplesmente havia percebido que se deixara levar por pensamentos que não os dele. sentia, e sempre sentira, atração por outros homens, e não havia argumento que o fizesse passível a mudar de idéia.

éramos, então, não mais todos, mas apenas cinco. cinco que logo se tornaram quatro. duas semanas depois o segundo se declarou enamorado. claro, dizia um, todos a amamos. não, dizia ele, cansei. amo terceira.

assim, com o tempo, a vida e o cansaço foi nos abatendo, um a um. logo o terceiro se declarou pai. mero mês depois, o quarto se confessou celibatário. o quinto, que frequentava um terapeuta, não demorou a se admitir medicado. e enfim sobrei eu, o sexto e último, em um antro de descrentes.

as reuniões regadas a álcool logo não se mostravam mais as mesmas. como podia eu conviver com um bando de infiéis? tempo passou, esse tempo que não perdoa, e me tornei sóbrio.

anos depois, ainda nos encontrávamos no mesmo boteco de antes e éramos, todos, não mais apaixonados, nem por ela, nem por nossas eventuais namoradas, apenas pela cerveja à nossa frente. ríamos ante a velha obsessão sem propósito por um belo par de mamas. não podíamos crer que já havíamos discutido tanto por mera lactose.

enquanto isso, ela também ria, abandonada por seus fiéis seguidores, mas muito bem acompanhada de seu belo marido, o milionário, 78 anos, sem grandes perspectivas de sobreviver ao câncer de próstata.

éramos, todos, vencedores. pelo menos até o celular de alguém tocar, quando podia se vislumbrar em cada olhar a lembrança de esperanças passadas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

sobre o dia em que conheci a verdade

outro dia fui numa dessas lojas de verdades. você sabe, aquelas que vendem as coisas nas quais gostaríamos de acreditar.

conceito curioso, esse. gostaria de conhecer o fundador da primeira representante do setor. deve ser um sujeito dos mais interessantes.

enfim, entrei sem um desejo específico. havia marcado de encontrar uma amiga nas redondezas e, enquanto esperava, resolvi dar uma olhada no que tinha de novo.

a loja, muito bem arrumada com sua decoração moderninha, não estava muito cheia. "mas é que ainda são apenas três da tarde, meio da semana. você precisa ver isso aqui depois das sete horas, quando o pessoal sai do expediente. perto das festas de fim de ano, então! não dá pra passar pela porta...", foi o que me contou a vendedora, quando questionada sobre o baixo movimento.

expostas em longas prateleiras metálicas presas às paredes, artigos dos mais variados, com preços que iam do mais mundano ao exorbitante. logo na parte da frente, os produtos em promoção. coisas como "nunca fui corno", "eu lavo essa louça mais tarde" e "um chocolate a mais não vai fazer diferença" sofriam de uma grave falta de prestígio, evidenciada pelos poucos reais cobrados, alguns por falta de procura, outros por uma oferta em demasia.

mais adiante, encontrei maior variedade. diálogos inteiros à venda, cada qual com a sua verdade pessoal imbutida, alguns de tamanha originalidade que surpreendia que fossem levados a sério. "é, ele não estava olhando para ela. deve ser esse maldito torcicolo, outra vez. inferno, já é a quinta vez só essa semana!"

minha curiosidade aumentava a cada segundo passado. logo não aguentei mais e retornei à vendedora. "nosso produto mais caro? só um segundo", e me guiou a um pequeno embrulho localizado perto da caixa registradora.

sobre o papel dourado e empoeirado que envolvia o produto, liam-se as palavras "ele(a) me ama".

aquilo me tocou profundamente. fazia sentido. algo que poucos gostariam de ter de comprar, mas que, quando preciso, qualquer preço seria aceito.

enquanto chegava a tais conclusões, olhei rapidamente meu relógio e percebi que havia perdido a noção do tempo e estava atrasado. assim, corri imediamente para completar minha compra e fui de encontro a minha amiga, muito contente por finalmente acreditar que tamanho não é documento.

sábado, 19 de junho de 2010

sobre aqueles que transitam

existe um universo particular nas pessoas que transitam por um aeroporto.

chegou à tal conclusão enquanto comia uma coxinha fria empurrada por coca no saguão de embarque. não tivera tempo de comer antes de sair, o táxi chegara em cima da hora. por isso estava, naquele momento, sentado, esbaforido, duas malas a tiracolo, tentando impedir o infarte fulminante provocado pelo óleo presente no salgado apressado que consumia. triste substituir os INCRÍVEIS cookies dados pela companhia aérea por algo do gênero, mas teria de servir. afinal, usar o plural no caso dos biscoitos oferecidos em vôo era um uso desnecessário do que deveria ser considerado hiperlativo.

mastigava, na tentativa vã de salivar a salvação de sua vida - de seu estômago, ao menos -, botava os pensamentos em ordem e, mesmo assim, encontrava tempo para observar. conseguia classificar brevemente os diferentes tipos que estavam ao seu redor, e julgava que tais rótulos poderiam ser usados na maioria das ocasiões, na maior parte dos aeroportos pelo mundo.

as pessoas que transitam em aeroportos podem ser separadas, com alguma margem de erro, entre aquelas que partem e aquelas que chegam; entre os que se despedem e os que recebem; entre o adeus e o bem-vindo.

ele se despedira a não mais que trinta minutos, enquanto esperava o elevador. devem estar errados aqueles que dizem que, antes de morrer, se vê toda a vida diante dos olhos. ele a observara no trajeto entre sua casa e congonhas, sentado no banco de passageiro do táxi.

via momentos de felicidade e de angústia, marcados em relacionamentos familiares que viriam a se tornar tão distantes quanto o tamanho físico da separação entre ele e sua cidade-natal. podia sentir novamente perfumes marcados nas roupas, abraços e carinhos trocados com antigas namoradas. celebrava, pela última vez, mais uma garrafa de cerveja que chegava à mesa com os amigos, e toda a alegria que este acontecimento tão ínfimo podia proporcionar.

enquanto se perdia nas lembranças, quase perdia também a última chamada de embarque. chegou, então, um tanto irritadiço ao portão 9, respondendo com poucas palavras a bronca que a atendente lhe direcionava. não pretendia lhe dar o prazer de ocupar um espaço sequer em sua mente. a braveza, no entanto, não era direcionado à comissária ou aos passageiros que reclamavam de seu atraso, e sim a ele mesmo. sabia que, como pertencente ao grupo do adeus, não podia se permitir adentrar tão profundamente em trilhas esquecidas. às vezes, ele podia sentir muito ciúme de seu próprio passado.

não chegou a reclinar sua poltrona, dormindo a viagem inteira. em sua nova cidade, onde esperava estabelecer novo lar, observava os bem-vindos sendo recebidos. naquele momento, deixava de ser o adeus. não tinha intenções de mudar sua nova condição em um futuro próximo. se tornava, finalmente, naquele que chega.

sábado, 29 de maio de 2010

sobre matemática e olhos azuis

definitivamente, há mulheres que desconhecem o poder que alguns mililitros de álcool podem exercer. tornamo-nos submissos, servos, escravos do imenso poder feminino.

um tio meu já me dizia, com sábias palavras:

"carinha, tu não é muito bonito. quisera eu que tu fosse, mas não é. pelo menos tu não é feio. enfim, o máximo que tu vai conseguir pegar é uma guria nota sete, numa escala de beleza que vai de zero a dez. o segredo é pegar uma guria nota cinco, meio gordinha, meio desesperada, e beber até ela se tornar uma nota oito, talvez uma nove. depois disso, é simplesmente a manutenção da ebriedade até o fim do relacionamento."

meu tio era um sábio, mas relevava o poder que alguns olhos azuis têm sobre a mais forte das forças de vontade.

basta encará-los que estarás vencido. impossível resisti-los. e que não me deixem citar os decotes - ah! os decotes! - que enfeitiçam, ludibriam e tanto encantam. mesmo que nos declarem culpados a encará-los.

enfim, proclamo que, nesta noite, estou perdidamente apaixonado por uma dez. sou uma vergonha aos ensinamentos de meu tio; uma desgraça para minha família.

mas, de qualquer forma, posso aqui confessar que, caso o sol dê as caras no horizonte, e a ressaca em minha mente, hei de manter-me feliz - mesmo que ela não passe de uma sete.

terça-feira, 4 de maio de 2010

sobre o pouco que sobrou

eram cinco, mas já haviam sido três.

mudaram-se para lá logo após a cerimônia e, por um tempo, existiu a felicidade. felicidade que cresceu quando, com o passar dos anos, juntaram-se a eles os outros dois, que encheram de vida o local. e nada parecia dar errado.

no entanto, a convivência foi se tornando difícil, dura, áspera. o ar se tornara carregado de palavras curtas e ríspidas e o clima só se dissipou quando o primeiro foi embora.

com a normalidade, os quatro restantes conseguiam ver o futuro novamente, um futuro que não tardaria a chegar. assim, com os sonhos e ambições, o segundo se foi. mesmo que seu coração desejasse alguns segundos a mais.

algumas estações haviam se passado e era chegada a hora do destino seguir seu rumo. as desculpas para ficar não sobrepunham as oportunidades de seguir em frente, e foi com lágrimas nos olhos que o terceiro partiu.

restavam, assim, dois.

mas os dois não eram mais suficientes um para outro. o vazio deixado era muito grande e o pó assentava sobre as lembranças. não havia mais motivos para se ater a dias que não voltariam. o quarto deles manteve um breve olhar de adeus pela porta entreaberta antes de embarcar para sua última jornada.

assim ficamos agora com o último. aquele que nunca poderia partir. aquele que nunca se esqueceria, mesmo que as marcas deixadas fossem cobertas por tinta e argamassa. nada restava da família que ali morara, que ali compartilhara segredos e mistérios de uma vida inteira. sua existência se manteria real e eterna, como parte dos tijolos das próprias paredes. as paredes que sobravam, em um apartamento abandonado.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

sobre a terra da libertação

a terra da libertação é cheia de mulher feia.

mesmo sob o efeito de psicotrópicos pesados. pelo menos é isso que pude perceber nesta visita a são thomé das letras.

por isso clamo a vocês, mulheres: deixem seu namorados, noivos, maridos, viajarem.

não vamos a um lugar desses para caçar, espreitar o mulherio; vamos para reforçar aqueles velhos laços de amizade, encher a cara, passar frio e calor no mesmo dia, ouvir música tocada por pessoas mais loucas do que nós mesmos, conhecer pessoas mais loucas que nós mesmos, dividir o aperto de uma barraca inundada pela chuva, derrubar mitos, derrubar garrafas, derrubar a própria realidade.

não visitamos uma cidade cheia de maconheiros porque esperamos encontrar um amor para toda a vida ou apenas uma trepada passageira; visitamos porque desejamos fugir da rotina, fugir da sobriedade, correr desenfreadamente na direção oposta das responsabilidades e apenas viver aqueles breves instantes que levam para que a seda queime completamente.

não acampamos em meio a centenas de machos com seus cabelos rastafari porque procuramos a essência da beleza feminina; mas sim porque precisamos fugir de todas as pressões, queimar neurônios logo acima da delegacia, perder as habilidades motoras necessárias para se manter em pé, perder as habilidades motoras para se alimentar, encher a cara às nove da manhã (em algum lugar do mundo deve ser quatro da tarde), encontrar mensagens escondidas em pinturas de dali ao percebemos que somos verdadeiros especialistas em arte numa sorveteria às seis da madrugada.

enfim, vamos a um lugar como são thomé das letras exatamente porque queremos, desejamos, precisamos fugir de vocês. mas não me entendam mal.

já dedicamos cerca de 90% de nosso coração, cérebro e concentração a vocês. permitam, por favor, que possamos sentir sua falta, encher a cara com os amigos e sermos homens primitivos e sujos por um fim de semana que seja.

pois é apenas com o nível de sinceridade e percepção que só atingimos quando reforçamos aqueles velhos laços de amizade - e usamos uma certa quantidade de artigos legais e ilegais - que podemos perceber e aceitar que a terra da libertação é cheia de mulher feia.

terça-feira, 23 de março de 2010

sobre mulheres e meninas

tudo bem, então talvez aquela não fosse a melhor abordagem para uma mulher como aquelas.

o problema é que eu tinha um problema, sabe? e o problema, dessa vez, era que eu não sabia como chegar em alguém como ela.

na verdade, o problema verdadeiro era aquele que acomete nove entre dez dos homens de minha idade: seria ela mulher, ou seria ela garota?

creio ter atraído a simpatia da maior parte dos leitores masculinos deste texto. parte essa que sabe o que é não saber como reagir às reações do alvo - neste caso, alguém por volta de seus vinte anos. como saber se devemos desenvolver uma estratégia para quebrar as defesas de uma mulher ou de uma adolescente? que atire a primeira pedra quem souber.

entramos, pois, em terreno nunca dantes desvendado. singramos sitios estranhos.

tudo bem, posso concordar que tudo que remete ao sexo feminino seja algo desconhecido àqueles que buscaram singrar mares não navegados - pois há de concordar, aquele que tenha o mínimo de sabedoria, que não há certeza no eterno reino do cortejo.

sim, uso palavras antigas e esquecidas. também me desventuro por correntes nas quais muitos aventureiros jamais retornaram. mas ouso dizer que não me importo com tais coisas.

o que me importa é que eu mandei. mandei mesmo. enviei uma mensagem de texto à qual temo jamais receber resposta.

uma tempestade em copo d'água, poderia o mais destemido me esbravejar? concordo. mas peço encarecidamente que, aquele que souber todas as respostas, por favor, mande-me um e-mail. um scrap, que seja. adentramos agora no reino do xaveco moderno. o cortejo online. que me adicione no facebook quem tiver as respostas. e que me esclareça: seriam elas meninas ou mulheres?


em breve: o guia do xavecador online.

domingo, 31 de janeiro de 2010

sobre os puros de espírito

certa vez me achava em uma daquelas situações que muitos podem achar incômodas: estava sentado em uma mesa de bar com uma guria com a qual havia tido relações íntimas - sim, vamos chamar de "relações íntimas" -, seu namorado e um amigo daqueles famosos por não conseguirem calar a boca e entregarem detalhes sórdidos melhor deixados em caixinhas esmagadas em algum lugar do poeirento sótão que chamamos de lembranças. alguns podem achar tais momentos incômodos, talvez até mesmo embaraçosos, mas eu os chamava de inferno carmático.
olá, meu nome é pavio e, sim, eu já me relacionei casualmente com mulheres. antes que me acusem de misógino, acho válido salientar que foram, no máximo de minhas possibilidades casanovianas, umas duas.
pois bem, estávamos lá e a cerveja, conhecida por não conhecer grandes afetos, não parava de chegar.
a noite seguia alta e meu amigo não parava de comentar a leves brados:
- ela é gostosa, hein? mas sou mais você do que esse pirralho do lado dela.
é, ele é daqueles que tentam agradar, mesmo quando essa é uma possibilidade tão distante quanto pegar um avião para katmandu e se alistar no primeiro mosteiro budista enfiado em alguma pedra milenar.
a conversa não saia daquela breve troca de idéias sobre entorpecentes ilegais, comuns a qualquer um de nossa idade - tenho 22 anos - que tenha tido algum passado válido a se comentar, ou sobre os diversos deslumbres conhecidos em nosso curto tempo neste campo astral.
e é isso. eles eram, na mais sincera das minhas intenções, perfeitos um para o outro. não importa quão novo fosse ele, eles se encaixavam, combinavam. seus encantos com momentos dos mais mundanos era algo que simplesmente não cabia em minha mente. e eu só conseguia pensar em dar o fora dali, ao mesmo tempo em que ficava lembrando de certos momentos bíblicos que não merecem ser contados aqui.
o tempo passava e a troca de olhares era inevitável - como haveria eu de negar um breve contato ocular quando as memórias inundavam cada palavra e pensamento que cruzava a minha mente? sim, sou um cara e ainda estou atrás de sexo, oras.
no entanto, eu me mantinha firme. tomava mais cerveja, jogava sinuca e procurava continuar minha vida naqueles instantes tão duradouros quanto o tempo que se leva para apagar um cigarro e procurar outro no maço.
pois bem, a saidera chegou e a despedida era inevitável e bem vinda. não podia ser de outra forma. não podia ser de melhor forma. pelo menos até o momento em que íamos ao supermercado sacar dinheiro para que outro conhecido pudesse pagar seu táxi para casa, quando meu amigo, tão querido pela noite que se aproximava de seu término, virou para mim e disse:
- isso aí, meu velho. tá certinho. como foi mesmo? comeu uma noite e ficou de boa depois, né?
- não. como eu ia te dizendo, eu era tão apaixonado que até terminei com minha namorada pra ficar com ela.
silêncio, como era de se esperar. finalmente ele havia atingido tamanho mal-estar que me garantiria paz suficiente para curtir minha fossa.
ledo engano:
- mas tu comeu, não comeu?
deus abençoe os puros de espírito.