segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

sobre dias mais simples

tinha nove anos, seu nome era gustavo e aquela era, obviamente, a primeira vez que se apaixonava.
ele viu quando a garota nova entrou na sala, seguindo-a com seus olhos infantis enquanto ela deslizava em direção à sua carteira. engraçado, ela tinha uma mochila rosa, e um estojo rosa, e um sapato rosa e um pequeno laço laranja.
nunca tinha reparado numa menina assim antes. todas eram tão nojentas, tão frescas, tão chatas e bobas. ela não. ela era a menina mais bonita que ele tinha visto. ficou pensando em como falar com ela.
gustavo corou quando os olhos dela encontraram os dele. a professora chamou sua atenção e ele procurou se concentrar nos exercícios de matemática.

durante o recreio, após o lanche, constatou que ela já havia se enturmado. sorte a dele, ela estava com sua melhor amiga menina. se aproximou, descontraído e nervoso, perguntando se elas queriam brincar de esconde-esconde. o primeiro contato estava feito.

nas semanas seguintes, passou um bocado de tempo do recreio com ela. se chamava fernanda. brincavam com as outras crianças. ele sempre descobria seu esconderijo, sempre a pegava no pega-pega e usava um pouco mais de sua habilidade para fugir dela.
sim, ele estava apaixonado e não sabia. oras, não tinha como saber, ele tinha apenas nove anos.
implicava com ela mais do que com as outras meninas. a chamava de boba e vivia mostrando a língua pra ela, enfiando o dedo no nariz quando sabia que ela estava olhando e escondendo o seu estojo.
ela honestamente não sabia porque ele agia assim.
ele tampouco. só sabia que queria chamar sua atenção.

quem nunca reparou como os meninos agem quando se apaixonam? crianças, xingam mais, provocam mais, empurram mais e usam palavras como "boba", "chata", "nojenta" e "boboca".
essa é sua demonstração de afeto.

com o tempo, todos vêm a entender isso. uma reação normal do crescimento. no entanto, essa história não é sobre um garoto de nove anos. sinto muito. eu menti.
ele tinha 22 anos feitos, e ainda não fazia idéia.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

sobre os dissabores

há um tempo atrás, eu tinha um amigo. não tanto um amigo, um conhecido. a verdade é que ele confiava em mim, me contava coisas. coisas que pensava, coisas em que acreditava.
não me perguntem por quê contava logo a mim. talvez fosse porque eu chegava a entendê-lo. muitas das vezes não concordava, mas eu o entendia.
não tinha uma grande vida, esse conhecido meu. mal saía de casa, não tinha amigos de verdade, seu último relacionamento significativo fora há tantos anos que mal conseguia se lembrar. continuava em seu emprego seguro, vivendo sua vida pacata na segurança de seu lar, se protegendo do violento mundo hostil que acontecia à sua volta.
as coisas que me contava não eram bem coisas. digo, não assim, no plural. ele tinha uma teoria.
pelo jeito, passava horas conferindo suas idéias, repassando argumentos, relacionando adendos. tudo ligado à sua teoria.
ele acreditava, realmente confiava, que existem coisas boas por aí. risadas, música, poesia, brincadeiras, jogos, amor. e era apaixonado por tudo isso. talvez fosse um de seus maiores admiradores. sabe, do lado bom da vida.
no entanto, acreditava também no outro lado. na dor, na traição, na mentira e, de certo modo, no fim.
infelizmente, não sei se por opção ou por natureza, dava maior importância a tais coisas, deixando toda a sua admiração ser ofuscada pelo medo.
assim, ele não se arriscava. não escrevia por medo de críticas. não cantava temendo desafinar. não ria para não chorar. não namorava para não brigar, trair, terminar. enfim, não amava para não se preocupar com rejeição e desapontamento.
e eu não sentia pena dele. não passava horas tentando dissuadi-lo de seus ideais. eu apenas ouvia. era o máximo que podia fazer por ele. dono de sua própria existência era o que era. quem sou eu para dizer o contrário?
ele já passara por muito, vivera o suficiente de desilusões e dissabores, muito além do que eu podia compreender. e ele vivia assim, vivendo uma quase não vida.
há muito perdemos contato, mas imagino que ele siga perseguindo a segurança que somente uma existência sem riscos pode oferecer.
até hoje me pergunto que existência seria essa. se seria algo que vale a pena almejar. talvez a resposta seja óbvia. talvez esteja flutando ao meu redor, em cada desapontamento, em cada tristeza, em cada comida queimada na panela, em cada hematoma, em cada nota fora do lugar, em cada insulto e em cada lágrima.
podem me chamar de teimoso, ou até mesmo de tolo. saibam apenas que não sou um admirador dessas coisas. pessoalmente, se pudesse evitá-las total e completamente, o faria. no entanto, sou um apaixonado por todo o processo que leva a cada um de tais dissabores, do que vem antes e daquilo que virá depois.
quem souber como evitar, serei todo ouvidos. ouvi uma teoria a respeito certa vez. não funcionou para mim.
no fundo, acredito que de nada adianta lembrar do passado, viver o presente, sem acreditar no futuro.
tinha um conhecido que, ao lembrar do passado, não vivia o presente por temer o futuro.


nota do autor: agradeço ao mestre cartola pela inspiração. não só nessa história, mas na vida e na música.