quinta-feira, 24 de setembro de 2009

sobre o homem que não morreu

meu vô foi um grande homem. aprendi muito com ele. como me portar com outras pessoas, como mostrar respeito, como se orgulhar de viver minha vida sendo feliz.

meu vô cometeu muitos erros. alguns mais graves, outros passageiros. alguns marcaram a vida das pessoas, outros podem ter até mesmo marcado a minha.

meu vô, mesmo quando errou, me ensinou demais. cada erro seu ficará para sempre em minha memória e, podem ter certeza, viverei procurando desviar de tais armadilhas.

meu vô era um homem feliz, um homem alegre, e não havia como não se contagiar com sua presença.

meu vô conquistou uma cidade inteira, muitas vezes sem nem sair de casa.

meu vô bebia e fumava muito. mas esse é o lance de meu avô, ele não procurava esconder essas coisas que poderiam ser consideradas defeitos.

meu vô não tinha vergonha de ser do jeito como era, não tinha vergonha de ser feliz de formas pouco ortodoxas.

oswaldo soto martinez era um grande homem. este homem morreu dia 22 de setembro de 2009 e foi enterrado no dia seguinte. em seu enterro, familiares e amigos que já eram da família lamentavam sua perda, pessoas que sentirão pelos restos de suas vidas a ausência de alguém que lhes proporcionou tanto.

oswaldo soto martinez morreu dia 22 de setembro de 2009. meu vô continua vivo. afinal, como poderia morrer um homem que morreu e renasceu tantas vezes em sua longa vida?

tenho orgulho de dizer que o tinha como meu avô. como nosso avô. cabe a nós que ficamos provarmos com nossas vidas que merecemos tal honra, e que ele tenha orgulho de dizer que nos tem como seus netos.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

sobre o que vamos fazer

vamos fingir que estamos em algum outro lugar; um pasto verde em algum país distante da europa mediterrânea, ou sobre as colinas geladas que cobrem territórios sagrados na china imperial.

vamos fingir que somos dois, você e eu, e que não há mais ninguém a ser lembrado sobre a face da Terra.

vamos fingir que existe, em algum lugar, um espaço em que realmente possamos fingir tudo isso.

vamos fingir que seus sentimentos são reais. vamos fingir que não estás fingindo sentir tudo isso que deveras não sente. vamos, os dois, nos fazer de tontos e fingir que a atuação não existe.

vamos fingir que eu não sei disso. vamos fingir que vale a pena se arriscar novamente, pular sobre uma superfície tão distante. vamos fingir que eu ligo, que não penso que talvez seja melhor navegar sobre águas mais tranquilas.

enfim, vamos fingir que o resultado compensa o risco.

vamos fingir que não são tão somente palavras lidas aqui. vamos fingir que o que se lê é real. vamos, podemos. quem sabe assim possamos viver plenamente o que, até agora, apenas se fingiu ser.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

sobre o conto e a moral

façamos o seguinte: imaginem um campo amarelado, com diversos matagais brotando aqui e ali. você já viu essa paisagem antes, apesar de se tratar de uma totalmente nova. estamos falando de um campo chinês. um campo chinês iluminado pelo sol de fim de tarde.

imaginem agora uma montanha; nem tão alta para estar coberta de neve, nem tão baixa para não valer o simples desafio de escalá-la.

no alto de tal montanha que se localiza próxima a um campo amarelado pelo sol do fim de tarde, encontramos o cenário para nosso próximo conto, um monastério simples, daqueles de telhas azuladas e arquitetura quadrada com paredes vermelhas.

se você já assitiu a qualquer filme de kung fu chinês ou de hong kong já consegue vislumbrar a obra arquitetônica a qual me refiro. kung fu panda também serve.

enfim, no meio do campo de tal monastério, cercados por bonecos de treinamento construídos na mais fina madeira oriental, um aprendiz discute a vida com seu mestre:

- mestre, consegui. voltei com ela. e dessa vez é para sempre.

- gafanhoto, deixe-me ver se entendi. você voltou com ela? a mesma que pediu um tempo para pensar na vida e, dois dias depois, ficou com shi fu, seu melhor amigo?

- sim, mestre. ela jura que dessa vez será diferente.

- imagino o que ela jura, jovem gafanhoto. só estou tentando entender a situação. seria ela a mesma que, depois de jurar que nunca mais faria algo como aquilo novamente, tratou de se entregar a dois jovens guerreiros apenas um mês depois de você ser convocado para defender a província de bu-ho?

- sim, mestre. mas eu a amo de todo o meu coração. sei que tal amor não poderá ser desconsiderado novamente.

- jovem gafanhoto, aproxime-se. - o jovem guerreiro chinês se aconchega próximo ao mestre, debaixo das folhas de uma respeitosa figueira. - já ouviu a história do sábio rato e o fosso?

- não, mestre. não ouvi. mas não consigo ver a sua importância agora. imploro seu perdão. estou apaixonado e...

- isso não importa, aprendiz. ouça com atenção às palavras de seu mestre. há gerações que se conta essa história, de pai para filho. por se tratar de um órfão, creio ser meu dever passar-lhe tamanho ensinamento. havia uma vez, muito tempo atrás, um jovem rato, que não sabia mais da vida do que um tolo de 22 anos. certa ocasião, ele voltava para casa, distraído após um dia de roeções e outros deveres característicos a ratos e acabou caindo em um fosso. o fosso se tratava de um buraco profundo, íngrime, escorregadio, que poucos sobreviveriam. em seu fundo, o próprio rato encontrara diversos restos de seres que haviam acabado por ser tragados. no entanto, com perserverança e honra, dignos de um verdadeiro guerreiro, o rato acabou por conseguir sair, mesmo custando-lhe uma de suas presas que usava para o tão importante trabalho de roer sementes. você entende, jovem gafanhoto?

- entendo, mestre. mas ainda não sei como isso se aplicaria ao meu caso...

- tenha paciência. enfim, um dia, meses depois de se salvar das garras do terrível fosso, apesar de se achar imune às suas armadilhas, o rato acabou por se embriagar em uma festa. voltava então para casa ébrio, e não percebia a aproximação gradual e fatal do terrível buraco. foi assim que o fosso lhe envolveu com um braço, laçou-lhe com o outro e acabou por puxá-lo para seu ventre. naquela ocasião, no entanto, o rato se encontrava ainda mais vulnerável, pois estava bêbado. mesmo assim, com dignidade e força, o roedor conseguiu se livrar da horrível armadilha, o que lhe custou as garras que usava para a defesa contra seus inimigos.

- sim, mestre. - neste momento, o jovem aprendiz concentrava toda sua atenção ao incrível conto do rato guerreiro que não se entregava aos planos da morte. - como, então, escapou o rato da terceira vez que caiu no fosso, sem garras e sem presas?

- aí que te enganas, gafanhoto. nunca houve uma terceira vez.

- mas como, se é certo que o fosso se tratava de uma força da natureza tão ardilosa que poderia enganar o mais sábio dos ratos?

- digo-lhe que a terceira vez nunca aconteceu, jovem aprendiz. sabes por quê?

- não imagino, querido mestre. como haveria o rato de se salvar de uma vez por todas?

- porque, por mais ébrio que estivesse nas vezes seguintes, amado jovem, o rato já havia se salvado. quero que prestes bem atenção ao que te direi agora.

- sim, mestre. sabes que minha vida é segui-lo.

- o rato se salvou, de uma vez por todas, porque tomou a atitude que falta à maioria dos seres, sábios ou ignorantes. aquele animal pequeno e tolo por natureza tratou de se salvar da única forma possível; tratou de dar uma porra de um pontapé na bunda daquela vadia de buraco!

- não entendo...

- simples, seu imbecil. - e aí o mestre já havia abandonado completamente conto ou moral para se impacientar com o jovem gafanhoto - seja homem para fazer o que até um rato fez antes de ti e manda aquela puta daquela tua namorada pras putas que a pariu, que até a mim ela já tentou dar!

se existe algo que a História nos ensinou, é que não há como discutir com a sabedoria milenar chinesa.