sábado, 22 de dezembro de 2007

sobre Henry Chinasky e as pessoas

"- As pessoas não precisam de amor. Precisam é de sucesso, de uma forma ou de outra. Pode ser que seja no amor, mas não necessariamente."

-Henry Chinaski, em "Factótum", de Charles Bukowski

sábado, 15 de dezembro de 2007

sobre dias chuvosos

e foi num absurdo, numa topada, numa ilusão, num milésimo de segundo antes de conseguir dormir que João se lembrou de Thaís. haviam namorado por dois anos. ele tinha 18, ela era apenas alguns meses mais jovem.
agora, no entanto, já habitava a casa dos 40 anos. sustentava aquela barriga típica dos quarentões que abandonaram qualquer tipo de esporte há mais de dez anos. não era gordo, mas tinha uma senhora barriga. pelo menos era o que lhe falava sua mulher.
no dia seguinte, após um café-da-manhã calado, foi trabalhar. procurou se concentrar nos seus serviços, mas flashs de sua vida com Thaís lhe cruzavam a mente, dançando pelo monitor e indo pousar sobre a impressora. era como se estivesse imprimindo seu passado, lentamente, preparando-o para entregá-lo a seu editor. era como se uma obra do acaso pudesse estampá-lo na primeira página do jornal para o qual trabalhava. não é preciso dizer, foi um dia de trabalho muito improdutivo. pelo menos profissionalmente falando, pois há colegas que poderiam jurar ter visto João rindo sozinho defronte ao computador, de pé na sala do café, na fila do restaurante.
deitado na cama ao lado de sua mulher, fingia estar dormindo, mas já se decidira. daria um jeito de arrumar o telefone de Thaís.
através de Marcon, um amigo próximo afastado desde o início de seu casamento, conseguiu notícias de Thaís. não eram muitas, provavelmente solteira, trabalhando com publicidade, e um cartão. pegou o telefone. discou. uma suave voz feminina atendeu do outro lado da linha, mostrando que já era muito tarde para voltar atrás.

encontraram-se num bar que costumavam frequentar quando ainda eram um casal. ela certamente se apresentava mais velha, mas ainda tinha aquela beleza que João um dia jurara ser a maior do mundo, sussurando ao ouvido da namorada. o quê de menina desaparecera, dando lugar a uma aparente experiência de vida. divorciada, já acumulava sua própria bagagem.
após atender à ligação, Thaís tinha demorado certo tempo para se lembrar do antigo parceiro. contudo, logo aceitou o reencontro.
durante o namoro, haviam se amado muito. no começo, pelo menos. sua assim chamada "ignorância" aborrecia João, mas era contraposta ao seu gênio forte. tal gênio viria a provocar inúmeras discussões ao longo do relacionamento, principalmente quando confrontado pelo jeito leve e irresponsável deste, mas era exatamente o que João mais amava, mesmo sem saber. ironicamente, 18 anos depois do término do namoro, ele havia se casado com uma mulher muito dócil.
a conversa se desenrolava com desenvoltura. eram dois estranhos com uma forte intimidade que só se adquire com o tempo. não falavam sobre as antigas desavenças, pois os anos haviam se encarregado delas. na verdade, discutiam como era possível que tivessem se afastado tanto. ele mesmo lutava para compreender o que acontecera. teria a vida se encarregado de afastá-los? ou foram ambos que, após a útima grande separação, haviam construído muros tão altos entre si que a distância se tornara intransponível?
as horas passavam e João se entorpecia com a presença dela e com mais um copo de cerveja. se lembrava dos dias que passavam em sua cama, abraçados, confessando sentimentos que nunca mais seriam compartilhados com ninguém, dos filmes vistos no sofá de seu antigo apartamento no jardins, com os pés e as pernas entrelaçados para se manterem protegidos contra o frio de mais um dia chuvoso de são paulo.
e foi num absurdo, numa topada, numa ilusão que então entendeu. havia sido ele o responsável pelo distanciamento entre os dois. ele havia construído o tal muro intransponível. ele ainda a amava.
ele ainda a amava quando terminara o namoro. passava por uma turbulência em sua vida como nunca havia passado antes e a simples idéia de tê-la ao seu lado já lhe sustentava. no entanto, fôra obrigado a terminar o relacionamento de pouco mais de dois anos. em seguida, tentara seguir adiante, empurrando com a barriga, mas ambos frequentavam o mesmo círculo de amizades e seguir com a vida parecia difícil demais. assim, começou a levantar uma barreira, tijolo a tijolo, dia após dia, até que, mesmo quando sentados na mesma mesa de bar, sua presença não passava de uma voz tão abafada por concreto e cimento que ele mal podia distinguir.
por muito tempo, considerou-se vitorioso. havia vencido uma força ímpar em sua vida. agora, cerca de 20 anos após o rompimento, decidiu levantar bandeira branca para si mesmo, permitindo-se ser feliz, admitindo a derrota. nunca havia sido capaz de deixar de amá-la.
sentou-se mais próximo a ela, sentindo um perfume que não era o mesmo que sentia quando eram jovens, mas não menos agradável. tirou o cabelo de sua face como costumava fazer. percebeu os pêlos de seu braço se eriçando. enfim, decidiu mentir ao responder a pergunta que ela lhe fizera sobre ser casado.
procurou pelo garçom e pediu a conta.

sua mulher reclamou quando João se debruçou por cima dela, acordando-a. cheirando a cerveja, ele obstruiu seus protestos com um beijo suave. finalmente se dando conta de que poderia passar o resto de sua vida com aquela mulher, João a amou como nunca.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

sobre cigarros, solidão, tiros, propostas e inocentes

dois amigos em algum bar da vida, por aí, deus sabe onde. conversam sobre suas marcas de cigarro prediletas. queria eu conhecer metade delas. atrás do balcão, um homem com um avental que um dia, não tenho certeza, já fora branco e com os cabelos ficando ralos, puxados para trás, bem apertados num elástico que forma um rabo-de-cavalo daqueles que só se vê nos piores botecos (ou nos melhores salões de beleza). a oleosidade flutua pelo ar como uma entidade, não se sabe se vinda da gordura usada para fritar as batatas ou se do próprio rabo-de-cavalo do homem de avental. um jogo de futebol qualquer passa na pequena televisão posicionada acima da geladeira. na mesa localizada entre os dois amigos, uma garrafa da mais fina cerveja servida no local e dois copos, cheios pela metade.
no entanto, menti quando disse que era um bar. na verdade, era um belíssimo restaurante localizado no bairro mais afortunado da cidade. menti também quando disse que eram dois os que conversavam. era um só e se mantia calado, quieto, mergulhado na própria instrospecção. logo, seria estranho se houvesse dois copos à sua frente. esse único copo não estava cheio de cerveja, e sim de vinho, o mais barato servido no estabelecimento. a oleosidade, no entanto, era a mesma, que podia vir tanto da cozinha quanto do rabo-de-cavalo do garçom, um homem ainda moço, com longos cabelos negros unidos suavemente num elástico que lhe dava um quê francês se unido ao bigode fino sobre seus lábios e vestindo um avental de brancura tão intensa que podia ser comparada apenas à de seus dentes. no telão, localizado à esquerda do homem calado, passavam as notícias do dia.
de súbito, tiros. o homem agora era três, que conversavam animadamente até ter a discussão interrompida pelos disparos, felizmente saídos do cano de um .38 que se encontrava do outro lado de uma bela tela de plasma do aparelho televisor do local. recompostos do susto, chamaram a franzina garçonete alemã da cantina italiana em que se encontravam e pediram, de sobremesa, uma torta holandesa. aproveitaram também para pedir que a moça, com seus curtos cabelos tão claros que pareciam com o branco do avental que usava, enchesse novamente suas xícaras com café.
ao ouvir o pedido, a jovem não podia entender o que estava acontecendo. se conheciam há tão pouco tempo e ele já lhe propunha em casamento? só podia ser algum louco. afinal, em apenas três meses não dá pra saber com exatidão se a pessoa é normal ou não. isso, era um lunático. mas era um lunático rico, lindo, com olhos verdes e por quem ela estava perdidamente apaixonada. diabos, pensava que aquele jantar à beira do cais era apenas alguma armação dele para conseguir dela o que vinha pedindo desde que haviam começado a dividir a cama. e ela cederia, facilmente. debaixo do vestido comportado, podia sentir a lingerie branquíssima rendada que comprara para a ocasião. tentou ganhar tempo, recuperar o fôlego. ajeitou os cabelos ruivos ondulados que se prendiam em um sensual rabo-de-cavalo. próxima à mesa do casal, a banda continuava seu concerto em cima do palco. ao final da música, palmas calorosas. no entanto, o pretendente continuava a esperar sua resposta.
suando, podia sentir suas unhas se enfincando nas palmas das próprias mãos. sempre fazia isso quando estava nervoso. a resposta daquela mulher era o momento crucial de sua vida. olhava ansioso para o relógio, mas mesmo que o ponteiro dos segundos avançasse apenas uma casa, para ele era como se um dia inteiro houvesse passado. pensamentos de culpa e de vergonha inundavam sua mente. talvez tivesse cometido algum erro. talvez não devesse ter feito aquilo, no final das contas! agora era tarde, ela havia se levantado de sua cadeira com uma cara de profunda certeza. "inocente", foi o que disse a jurada número um, e seu rabo-de-cavalo de cabelos tão negros quanto a morte balançou lentamente. um sorriso se estampou na face do acusado, mesmo que continuasse suando. o tribunal entrou num caos de enormes proporções. a grande maioria das pessoas que assistiam ao julgamento, indignadas, protestavam. a mãe das duas meninas que haviam sido vítimas daquele monstro chorava compulsivamente. as câmeras de tv, que haviam acompanhado o julgamento desde o início, procuravam registrar todas as emoções presentes. enquanto o inocentado saía do tribunal por um corredor que os policiais haviam conseguido abrir entre a multidão enfurecida, a oleosidade podia ser sentida fortemente no ar. talvez vinda do próprio homem suado que caminhava solitário pensando na felicidade que tivera. um sujeito grisalho, gordo, vermelho de raiva conseguiu forçar passagem até os policiais. era o marido da mãe que chorava e pai das meninas que haviam deixado a vida.
tiros. desta vez, de verdade.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

sobre páginas em branco

sentado à frente de uma tela em branco, não sabia sobre quais letras repousaria seus dedos.
tivera sempre uma habilidade nata para transcrever a arte da vida em palavras. e tinha um bloqueio.
não era bom em conversas. se enrolava em discursos. corava ao trocar mais que duas sentenças com um desconhecido.
mas escrevendo, ah, escrevendo tinha o mundo em suas mãos. o destino de inúmeros personagens se desenlaçava em sua mente como que por um passe de mágica. sua vida, sua e a de todos aqueles que estavam ao seu redor tomavam forma sob nomes e aparências distintas àquelas da vida real. só assim sentia ter o controle.
só assim, e tinha um bloqueio. a branquidão imensurável da tela a sua frente era uma afronte, um cuspe bem dado em sua face. o monitor zombava dele. não só dele, mas também de toda a sua vida.
a agonia transpirava por seus dedos, posicionados em riste contra o teclado. se este fosse um conto de época, estariam entrelaçados com força contra algum lápis nº2 que fosse. este não é o caso. é um conto moderno sobre um escritor, seu computador e uma vida em branco.
quando havia sido a última vez que lhe acontecera algo desse tipo? não mais que um par de anos atrás. mesmo assim, aquela não tinha representado tamanho fracasso.
pois o bloqueio vinha na hora de sua autobiografia. uma obra aguardada pelos leitores fiéis e ansiada pela crítica. aos 78 anos, era de se esperar que deixasse alguma espécie de legado assinado de sua própria vida.
tudo que via, no entanto, era uma tela em branco. páginas em branco que viriam a representar uma vida vazia. uma vida de livros, e não de ações.
dias, semanas e meses se passavam em branco. sim, sua epopéia contra a máquina e a obra havia começado há muito tempo atrás. a angústia não era de agora. julgava que começara no momento de seu nascimento, mas a memória lhe traía. não era mais um escritor, um autor. era um reles mortal com uma vida gasta em vão.
em vão, não.
finalmente, percebia a beleza de tudo isso.
a beleza de ter uma tela em branco a sua frente, uma tela que poderia refletir quaisquer desejos que desejasse refletir. teria a vida que quisesse, e seria a partir deste momento.
a tela, afinal, podia estar em negro, impossibilitando seu trabalho e inviabilizando que gerações futuras viessem a conhecer a vida que levara em sua mente.
foi com isso em conta que tomou um gole de whisky do copo que se encontrava ao lado do teclado e repousou, pela última vez, o dedo médio sobre a tecla da letra w.
no dia seguinte, a diarista gritou ao achar o corpo do patrão sem vida em frente a um monitor com uma única letra escrita nele, além de sua assinatura padrão, mais abaixo.

"w


C.S."

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

sobre a arte de mentir

em meu nascimento, fui agraciado com um dom. uma habilidade que ultrapassa a de um ser humano normal. se algum dia houvesse uma competição mundial, eu seria proibido de participar para dar chance aos outros concorrentes. enfim, eu minto. falando assim, parece simples, mas a verdade é que não se pode medir o tamanho da minha maestria para a decepção - engraçado usar a palavra "verdade" em um texto sobre a mentira.
desde pequeno, escapei das mais variadas situações, broncas, sinucas, buracos e problemas usando deste meu presente divino. simplesmente olhava bem fundo nos olhos daquele que me inquiria pelo que realmente havia acontecido, abria a boca e a magia acontecia. sinceramente, digo aqui que não sei exatamente como acontece. meus lábios se distanciam e o som sai, formando uma história tão falsa e coerente que não há como meu pobre cérebro ter inventado algo parecido. isso - meu dom é ainda maior que minha própria inteligência, que, sejamos honestos, é bem limitada.
sempre tive orgulho desta habilidade. quando amigos estão em apuros, eu mais que prontamente me ofereço para resgatá-los e as palavras se formam com velocidade e ferocidade, inventando uma realidade totalmente distorcida. eu literalmente mergulho neste mundo mentiroso que habita as mais sombrias profundesas da minha alma. não gaguejo, não olho para os lados, não fico mentalmente inventando histórias. é como se elas já existissem, já fossem verdades existentes em alguma outra dimensão além desta.
mesmo com toda essa alegria, toda essa calmaria que tal habilidade me proporciona, outro dia o tiro me saiu pela culatra. a vida tem dessas coisas, vejam só. minto, minto e dificilmente sou descoberto. no entando, sempre fica no ar aquela inquietação, aquele mal-estar que só uma mentira bem contada proporciona. claro, quando a mentira é descarada, logo é desmascarada e todos podem rir ou punir o autor. agora, quando não se pode provar a farsa, todos sabem no seu inconsciente que estão sendo enganadas, que há algo de podre no reino da dinamarca - como já dizia o bardo -, mas não há provas. por isso, por mais que ninguém até hoje tenha conseguido provar com exatidão que eu estava mentindo, todos sempre me olham com desconfiança. e foi isso que me pegou pelo cangote.
estava eu, numa dessas voltas que só a vida dá, em uma situação na qual eu precisava desesperadamente falar de forma sincera. e era assim que eu me comportava. quisera eu ter a frieza de controlar meu dom e poder mentir como nunca. infelizmente, cada vez que eu falava alguma coisa era a mais pura realidade que atingia os ouvidos do meu interlocutor. isso me exasperava, me afogava num mar de sinceridades. por ironia, não se acreditava em uma palavra que eu dizia. eu lutava por uma brecha de ar, uma chance de provar que estava bem-intencionado, mas todas as minhas tentativas eram vãs. acabei admitindo a derrota, mesmo me sacrificando até o último minuto.
é. sempre tive o dom da palavra. sempre tive a maestria para a mentira. mas o universo observava e decidiu me punir. e não é que me puniu bem quando falava a verdade?
enfim, o universo é mesmo um gozador. fazer o quê. aprende-se que, às vezes, é muito mais fácil de se acreditar em uma mentira do que na mais pura verdade.




em um texto sobre a mentira, como saber se alguma coisa do que eu disse é verdade? afinal, abri o texto dizendo que domino todos os aspectos que envolvem uma boa fraude. irônico. bem, minto.
minto?

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

sobre a distância I


Snow Patrol - Set The Fire To The Third Bar

(feat. Martha Wainwright)

I find the map and draw a straight line
Over rivers, farms, and state lines
The distance from 'A' to where you'd be
It's only finger-lengths that I see
I touch the place where I'd find your face
My finger in creases of distant dark places

I hang my coat up in the first bar
There is no peace that I've found so far
The laughter penetrates my silence
As drunken men find flaws in science

Their words mostly noises
Ghosts with just voices
Your words in my memory
Are like music to me

I'm miles from where you are,
I lay down on the cold ground
I, I pray that something picks me up
And sets me down in your warm arms

After I have travelled so far
We'd set the fire to the third bar
We'd share each other like an island
Until exhausted, close our eyelids
And dreaming, pick up from
The last place we left off
Your soft skin is weeping
A joy you can't keep in

I'm miles from where you are,
I lay down on the cold ground
And I, I pray that something picks me up
and sets me down in your warm arms

I'm miles from where you are,
I lay down on the cold ground
and I, I pray that something picks me up
and sets me down in your warm arms

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

sobre pensamentos I - a trilha

e, como nada é pra sempre, seguimos no ritmo alucinante de quem tem um pneu furado.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

sobre feriados

a vida segue normalmente. todo dia a neura de seguir a rotina nos abate implacavelmente.
acordar, estudar, andar, jogar, sonhar, ganhar, exercitar, trabalhar, lutar, respirar, digitar, correr, viver, perder, acender, morder, ser, sentir, dirigir, fingir, atingir, parir, fugir.

fugir. fugir finalmente para longe, para todo o sempre, nem que por apenas um minuto. é importante que no meio do caos da rotina consiga-se fugir. ou isso, ou ficamos loucos. fugir num feriado, reunindo os amigos para aquela escapada que nos garantirá a sanidade ao mesmo tempo em que a anula. fugir para longe, para o meio do mato se possível. se não for possível, para um sítio distante de todo esse ambiente urbano que nos afaga e nos sufoca.

em carros, guiando pela estrada, se pode sentir o momento exato em que já não se é tanto um só, mas se é todos. em que todos querem apenas abstrair a vida, vivendo aquele momento insandecidamente embebido em álcool, de preferência.
lá chegando, é importante constatar a total ausência de água pela casa, até mesmo na piscina. também se deve sair para comprar gelo, afinal a geladeira com a qual todos contavam, inexiste. por fim, coloca-se a cerveja num imenso balde para gelar, quem sabe assim a noite começa.
e começa. logo as brincadeiras têm início e o nível de sangue na corrente alcoólica de todos baixa drasticamente.
sete e múltiplos de sete. catorze! lá se vai a primeira dose de vodka. 56 é múltiplo de 7? é! então bebe.
as perguntas correm soltas, não se pode respondê-las. a cada pergunta emenda-se uma nova, é isso? isso mesmo...xiii. bebe!
há sempre aquele que resolve pegar no pé de alguém, principalmente se isso puder causar o maior mal-estar possível. felizmente, a benvinda ebriedade já chegou há tempos e se juntou ao grupo. ninguém liga.
todos gritam e falam simultaneamente. todos se escutam e ninguém se ouve, ao mesmo tempo que a música vinda do porta-malas de um dos veículos atinge seu máximo volume.
finalmente, alguem obtém o privilegio de ter a prioridade sobre o último gole de vodka.
sirenes na porta e a convidada temida mas indispensável se mostra presente. pelo menos, sua presença é passageira e a polícia vai embora depois de pegar todos os dados de uma das poucas que conseguiu a proeza de se manter razoavelmente sóbria. isso no portão, pois lá nos fundos o grupo de bêbados tenta um improvisado jogo de queimada, com latinhas amassadas demarcando territórios.
sob a ameaça de uma agradável noite na prisão, todos entram à casa e começam um jogo de regras complexamente simples, no qual quem fizer o primeiro par de três cartas vence.
o sono finalmente começa a ganhar força e deposita seu peso sobre as pálpebras de alguns. os que resistem, decidem ir à cidade, para o maior rodeio minúsculo de uma pequena metrópole rural.
no dia seguinte, o tom é o mesmo, acrescido do calor trazido pelo sol tão brilhante. mais cerveja e gelo, por favor. a piscina vazia ri da cara de todos e a piscina do vizinho, tão limpa e reluzente, olha só, sorri. o carrasco solar aflige, e não se vê outra saída a não ser procurar refúgio sob as águas contidas passando o muro da casa ao lado.
o líquido transparente voa para o espaço a medida em que os corpos furtivamente mergulham, procurando fazer o maior barulho possível no meio do silêncio obrigatório de quem está fazendo algo ilícito.
como saco vazio não pára em pé e nem alça vôo sobre as savanas, todos se fartam com o maldito pão seco abençoado pelas fatias sagradas da mortadela. jesus cristo, aquele que se sacrificou pelos nossos pecados, está lá e, com sua estatura modesta, grita a plenos pulmões que a esbórnia não é mais loucura, é esparta.
vencido o calor, uma nova brincadeira é iniciada. resolvem brincar de carrinho. mas deus me perdoe se forem carrinhos daqueles da infância. agora são todos automotores puxados por cavalos nem sempre muito potentes. um dos jovens que, coitado, ainda nem mesmo conhece as belezas bíblicas carnais, perde sua virgindade (apenas aquela atrás do volante) e mostra mais habilidade até mesmo do que aqueles que já suaram para comprar suas habilitações.
finalmente, não se tolera mais a fome e uma última incursão à cidade é indispensável. vestidos a caráter, invadem as ruas causando espanto na irriquieta população local. uma pizzaria é agraciada com a sua presença. na telinha da tv, a seleção brasileira de futebol dá show em cima dos estadunidenses. três pizzas e duas cocas depois, a santa ceia se encerra e é necessário começar a articular a partida.
a casa lavada com o pouco d'água contido no tanque, o sono espantado após uma bela soneca e todos estão em seus assentos novamente. o destino é são paulo. o destino é suas próprias vidas, marcadas com o que vier pela frente.
infelizmente, nada é certo e este grupo irá se separar. um deles irá partir para o outro lado do globo em breve e esta foi uma mais que merecida despedida. separados, mas unidos para sempre, pois, mesmo que a memória falhe com os amores e o coração se esqueça das lembranças, ainda terão, gravados para sempre, os filmes desta incrível família que se formou em tão pouco tempo.
e eu, tão humildemente que vos falo, tenho orgulho e me sinto honrado de poder dizer que faço parte dela.

acredito que existem dois tipos de pessoa neste mundo: as que existem e as que vivem. as que existem se prendem às suas vidinhas tranqüilas, recatadas e retilínias. sua maior preocupação é se a salada será de tomate ou se seria ousadia demais colocar também algumas folhas de alface. as que vivem têm formas indefinidas que inundam suas vidas. em suas biografias, contradições, antíteses e paradoxos jorrariam das páginas e agarrariam o leitor pelo colarinho, agitando-o de tal maneira que ele mal veria a hora para ter o mesmo. enormes trechos de páginas em branco, como que redigidas por um escritor ébrio e são, que teve tempo para expressar as pausas que infestam suas vidas. na capa, estampados em letras garrafais estariam os dizeres: amor e saudade. talvez esta fosse a única parte do livro que não entraria em conflito consigo mesma. isso porque a saudade é a forma mais leve e carregada do amor sadio. na contracapa, uma única ilustração. a de uma mochila de viagem totalmente carregada de experiências, boas e más, deixada para trás após uma vida completa.

enfim, o que seria da vida sem suas pausas e suas contradições? acima de tudo, o que seria da vida sem a saudade?



*este texto é dedicado a todos que estiveram no infame sítio em boituva. obrigado por campartilharem tantos momentos juntos. e, mayara, que sua viagem seja tudo o que você quer, e tudo aquilo que nós mais lhe desejamos.

sábado, 8 de setembro de 2007

sobre a felicidade

lucas era o príncipe e rei de seu próprio reino. seu reino era sua Vida. ele era juíz, júri, carrasco, povo, clero, nobreza e burguesia. era governante de si mesmo.
lucas era um garoto honrado, nobre até, um grande amigo. sua vida caminhava segundo sua própria vontade. infelizmente, nem tudo é perfeito. apesar de possuir inúmeros amigos verdadeiros, estes não podiam deixar de vê-lo como alguém um tanto ignorante. nas rodas de conversas, ele nunca sabia as últimas novidades ou havia lidos as mais novas críticas culturais/políticas/econômicas. mesmo assim, sua ausência, quando ocorria, era fortemente sentida no grupo.
não escolhia seus livros por ordem dos mais respeitados críticos literários, mas sim pelas suas palavras. não ouvia canções de bandas porque haviam vendido o maior número de discos, ouvia cada acorde como se fosse único. não admirava os filmes pela sua bilheteria, se encantava realmente frame a frame. até mesmo as árvores que optava para se abrigar sob as folhas não seguiam padrões, eram escolhidas puramente por sua beleza ou pela qualidade do ar que liberavam. as garotas com quem saía muitas vezes não agradavam esteticamente a todos de seu grupo, afinal, não era o sexo que procurava, mas a satisfação de encontrar alguém com quem pudesse se sentir feliz, verdadeiramente feliz, nem que apenas por um segundo.
enfim, sua vida, seu reino, não eram compreendidos por aqueles a quem se pode chamar de seus amigos. de qualquer forma, ele era incapaz de perceber a estranheza que provocava entre seus conhecidos. talvez fosse exatamente por isso que lucas era o mais realizado de todos. talvez, isso nem mesmo ele sabia. nem mesmo eu, que tenho me mantido na humilde posição de locutor em terceira pessoa até agora e me vejo obrigado a tomar a posição da primeira pessoa, posso dizer se lucas era ciente de sua própria ignorância, sua felicidade.
digo apenas que ainda tenho a honra de conhecer lucas, um jovem que caminha incompreendido pelas ruas, com a cabeça erguida, sustentada pela sabedoria do seu conhecimento de absolutamente nada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

sobre correspondências guardadas

São Paulo, 27 de agosto de 2007

X,

faz tempos que não nos falamos, não nos falamos de verdade, e sei que essa carta não será o veículo que nos manterá mais perto, mas qual o remédio?
nos vemos distantes há meses, separados por essa enorme massa que se chama mundo. se a culpa é minha, se a culpa é sua, se a culpa é daquilo a que chamamos destino, não posso afirmar com certeza.
tenho certeza apenas que sinto falta. sinto falta daqueles que partiram, e você é um deles.
sinto falta daqueles que partirão, e você também é um deles.
sinto falta, sobretudo, sinto falta daqueles que estão aqui. tolice dizer quem.
sim, pois não posso afirmar se você partiu, se irá partir, se não irá de qualquer forma. isso pois o intangível lhe é mais apropriado. quereria poder segurá-la, abraçá-la, equacioná-la tal qual o nome que sustenta, X. infelizmente, matemática e sentimentos me faltam.
faltam de tal forma que não sei se tenho raiva, se tenho paixão, se tenho mágoa.
a única coisa que sei é que estamos distantes, como nunca estivemos. distantes enquanto estamos perto, tão perto que sinto como se meus dedos pudessem tocá-la a qualquer momento, mas não está lá.
seja como for, X, a distância ao mesmo tempo em que é algoz dos sentimentos que dirigem esta carta também é aquilo que os impulsionam.
Saudade, pois, é como lhe chamarei, X.
saiba que, se um dia resolver retornar, ainda estarei aqui. grisalho, talvez. mas aqui.
caso decida que o melhor é continuar onde está, fique tranqüila. Saudade é quem me guia. você me guia.
e é pra finalizar esta que pode ser a última comunicação existente entre nós que uso o seu nome para dar vazão a tudo o que quero dizer mas não sei como.
sinto Saudade. sinta-se amada.

sinceramente, como nunca antes,
o Autor.

sobre acontecimentos

tive a idéia pra mais um conto. uma idéia boa, uma idéia madura, uma idéia criativa.
infelizmente, foi durante o enem, o que me custou uns belos 15 minutos da prova e me fez esquecer completamente sobre o que se tratava a história.
acontece.

domingo, 26 de agosto de 2007

sobre um manifesto acovardado

nada como um dia após o outro, um dia de cada vez.
clichês, mas, nem por isso, menos verdades.
o importante é ligar-se ao presente, viver agora o agora. tem-se a infeliz mania de se manter preso por correntes, não do passado, que já foi há tanto tempo que vive apenas por intermeio de memórias, mas do futuro.
sim, vive-se acorrentado por lembranças de coisas que poderiam acontecer, que iriam acontecer, que ainda nem aconteceram.
oras, mas a vida não é exata. o tempo é inconstante. o amanhã não chegará nunca. por que perder tempo com tais coisas? por que se preocupar com o destino se o que realmente importa é a viagem??
digo que feliz é aquele que se lembra do hoje, que se preocupa em ser feliz neste instante. este sim conhecerá a felicidade eterna. a tristeza e a agonia vêm apenas de nossas preocupações, de nossos arrependimentos, de nossas mágoas. aquele que não der atenção a tais coisas merece aplausos.
merece, como merece. aqui falo, como se fosse a coisa mais fácil do mundo simplesmente não se preocupar. não se enganem. este que vos fala não se ilude de tal forma. sei que ainda carrego mais bagagem que muitos e que anseio muito pela chegada, enfim, ao meu destino final.
mas não é por isso que deixarei de aproveitar a paisagem que passa tão velozmente pela janela. aproveito cada segundo, cada detalhe, cada maravilha dos borrões em alta velocidade em minha vida.
vai que, um dia, tomo coragem e jogo minha mala de lembranças para fora?
não sei se um dia terei colhões suficientes para tal. agarro-me apenas à alegria que é realmente desejar subir ao teto deste veículo e, abrindo os braços ao vento contrário tão forte que me desestabiliza, gritar:
- PÁRA ESSA MERDA QUE EU QUERO ANDAR!
sim, um dia de cada vez, um dia após o outro, andando até o fim.
por ora, na segurança das acomodações da minha poltrona, deixo o trem seguir, acovardado.
mas aplaudo. ah, aplaudo.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

sobre decepções e culpas

no outro dia, cruzei com essa garota que eu costumava sair às vezes, no meio da Consolação.
- olá.
- alô. tudo certinho?
- opa, tudo em cima. e você?
- tranqüilo, tranqüilo...
...
- mas então, como andam as novidades? - disse eu, tentando quebrar aquele clima estranho.
- ah, quase tudo na mesma. puxa, quanto tempo, né?
- pois é. a gente diz que vai manter o contato, mas...
- ah! você não adivinha quem tá namorando...
- não adivinho. quem?
- tenta adivinhar, vai.
- poxa, mas eu não faço idéia!
- uma dica: é alguém que você já gostou muito.
- mamãe! não, eu ainda gosto muito de mamãe.
- não, bobo! alguém com quem você já teve noites maravilhosas...
- xiii, daí você complica minha vida.
- ih, "don juan". até parece que você já teve muitos casos do tipo.
- mas tive, viu. ah, as noites de WAR com o tio carlos. sabe, outro dia ele teve um problema de apendicite. coisa braba.
- deixa de ser tonto! sou eu, tolinho. tô namorando! dois meses, já.
- ahn... - ela já tinha me perdido. nessa hora, eu lutava pra lembrar o que havia acontecido com tio carlos e seu apêndice.
- ele é ótimo, eu o conheci no ônibus, se é que dá pra imaginar uma coisa dessas. foi ótimo. engraçado como, quando se menos espera, pode se conhecer alguém ótimo. - ela tinha a mania de ficar repetindo "ótimo". isso me deixava louco desde o tempo em que éramos um casal.
- puxa vida, não diga. - respostas automáticas! o que seria da vida sem as respostas automáticas? diabos, como andaria o tio carlos? precisava ligar pra ele, aliás...
- digo sim! ai, como a vida pode ser ótima. acho que esse é pra casar. não é santo, mas também não é que nem você, né? lembra? você já tinha saído com metade da turma antes de me chamar pra um "cineminha". seu cineminha era famoso. compravam-se as balas no caixa do cinema e íamos acabar de comê-las na tua casa, na manhã seguinte.
- é verdade, é verdade. - teria ele ficado internado no hospital? meu deus, como ficaram meus primos com a notícia da doença? primeira coisa a fazer quando chegar em casa: ligar pra tia édna e saber como andam as coisas. tadinha, ela também já não era mais nenhuma mocinha.
- enfim, o nome dele é daniel, é arquiteto. tem alguns prédios na Paulista que são dele, sabia? ele tá trabalhando pra prefeitura, ultimamente...
- desculpa, mas eu realmente tenho que ir andando...
- ah, tá. desculpa eu, você deve ter mais coisas pra fazer, né? que você anda fazendo da vida? ainda servindo mesas naquele restaurante na Pompéia? - a decepção na voz dela era evidente. ou percebeu que eu não havia ouvido uma só palavra do que dissera ou então achava que ficar falando do namorado não surtira o efeito desejado. em ambos os casos, ela estava certa.
- não, eu... olha, desculpa mesmo. tenho que ir. mas viu, vamos marcar alguma coisa, reunir a galera. daí você pode me contar as novidades com mais calma, tá?
- tá certo, então. se cuida.
- se cuida.
ao chegar em casa, peguei o telefone e liguei para a família toda. todos estavam bem, com excessão do meu primo marcos, que havia sofrido leves lesões ao dar de cara com um poste de concreto no meio da rua. dizem que havia sido instalado ali para introduzir um efeito de humor em alguma história, sei lá. nada sério, no entanto. tio carlos estava melhor da apendicite havia semanas. me senti mais leve e prometi a mim mesmo nunca mais esquecer das pessoas que amo.
só restava uma dúvida: o que diabos teria aquela garota falado no meio da rua? algo sobre um arquiteto paulista de ônibus, talvez...
bah, deixa pra lá.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

sobre o perdoar I


Orquestra Imperial - Não Foi Em Vão
Thalma de Freitas


Agora posso ir e não olhar pra trás
Passado tudo aquilo que se desfaz
Foi bom viver mais uma vez
saber te perdoar
e dar por fim da mágoa desse mal amar.

Hoje quero crer que não foi mesmo em vão
escolho solitude à solidão
foi bom te ter mais uma vez
poder te abandonar
e dar por fim a mágoa desse mal amar

quem feriu meu coração fui eu mais ninguém
quem feriu meu coração foi você também

sobre Ray Smith, a essência e a mente da casca de banana

"Tudo é possível. Eu sou Deus, eu sou o Buda, eu sou o imperfeito Ray Smith, tudo ao mesmo tempo, sou o espaço vazio, sou todas as coisas. Tenho todo o tempo do mundo e vida para fazer o que deve ser feito, para fazer o que está feito, para fazer o feito atemporal, infinitamente perfeito em si mesmo, por que chorar, por que se preocupar, perfeito como a essência e a mente da casca de banana."

-Ray Smith, em "Vagabudos Iluminados", de Jack Kerouac

terça-feira, 14 de agosto de 2007

sobre histórias e amores

e há coisas que realmente passam. passam, e não voltam.

marcos, vamos chamá-lo de marcos, outro dia percebeu isso súbita e drasticamente. andava pela rua distraído a pensar e a conclusão lhe atingiu com tal força na face que lhe quebrou um dente e lhe deixou um calombo do tamanho de um punho na testa. infelizmente, não posso afirmar categoricamente se as contusões foram resultado do impacto da percepção ou do impacto de um enorme poste de concreto que fora posicionado estrategicamente naquela parte da rua apenas para acrescentar um pouco de humor a esta história. de uma maneira ou de outra, o que nos importa é que, recobrado os sentidos, marcos só conseguia pensar naquilo.
ao chegar em casa e se livrar agilmente dos braços preocupados da mãe - "que raios você andou fazendo lá fora?" - marcos se dirigiu diretamente a seu quarto, onde se trancou para poder pensar com maior segurança sobre o assunto.
não, definitivamente não atravessava uma onda de sorte com as mulheres. apesar de jovem, já havia amado imensamente duas delas. o relacionamento com a primeira tinha terminado mal. assim marcos pensava. mas falaremos dela mais tarde. o que nos interessa por ora é a segunda.
eu falava que marcos não atravessava uma onda de sorte com as mulheres. menti. quero dizer, não menti, equivoquei-me. marcos atravessava uma onda de azar era com o amor. mulheres nunca lhe foram problema.
enfim, havia essa segunda garota. seu relacionamento com ela havia terminado... bem, tal relacionamento nunca havia nem ao menos começado. entendem? eles estiveram juntos, claro, mas sempre fora "eu E você", nunca "nós".
marcos havia passado meses tentando entender o que dera errado. isso, talvez nem mesmo eu possa lhes dizer. sabe-se apenas que ambos seguiram suas vidas, separados. ele certamente seguia a dele, mas seu pensamento, de vez em quando, se perdia por estes trajetos e ele apenas permitia que fosse. não havia depressão, nem mesmo tristeza ou raiva. havia apenas decepção.
o futuro lhe aguardava, ele sabia disso. contudo, olhar pra trás era inevitável. e pensava nas coisas que lhe acontecera, nos caminhos que havia percorrido para chegar até ali. e se lembrava dela. não, não da segunda; da primeira.
e foi numa dessas lembranças que encontrou a conclusão que lhe fez trombar estrondosamente com um enorme poste de concreto que fora
posicionado estrategicamente naquela parte da rua apenas para acrescentar um pouco de humor a esta história, mordendo a língua e perdendo uma lasca do dente da frente, o que lhe causaria um chiado na fala que só seria resolvido anos mais tarde, quando finalmente pôde pagar um dentista decente com seu salário medíocre.
eu havia dito, havia dito e repito, que ele pensava que seu primeiro relacionamento verdadeiramente amoroso tinha conhecido um fim amargo. bem, já não pensava mais nisso. na verdade, olhava agora com carinho por cima do ombro para recordações tão antigas. percebia que podia ver o exato momento em que havia descoberto o que é realmente se preocupar com alguém de forma completamente altruísta. preocupar-se por se preocupar, sem esperar algo em troca. e como era bom tal sentimento. e como ele gostava de gostar tanto de alguém.
marcos se levantou de sua cama com um salto e esqueceu da decepção, e também de seus medos, e também de suas preocupações, e também de seus problemas.
decidido e impulsionado pela força que o amor que outrora sentira e que tudo que mais queria agora era sentir novamente, marcos abriu a porta e foi viver. viver uma vida nova, uma vida dos destinos que virão, sem lugar para o passado.
isso, pois percebia que há coisas que realmente passam. passam, e não voltam.










mas, e se voltassem? ah, se voltassem, meus caros, eu não estaria aqui para lhes contar esta história. estaria aqui para lhes contar uma história sobre marcos, o garoto que encontrou a felicidade cedo demais e não soube o que fazer com ela. de uma maneira ou de outra, esta seria exatamente a mesma história, não é mesmo?

vazio (sobre o vazio)

há correntes do budismo que nos dizem que o mundo não existe e que somos todos feitos da mesma matéria e que esta matéria é, na verdade, o vazio.
à primeira vista, isso pode parecer absurdo, obviamente. no entanto, pensando bem - não por horas ou dias, mas por semanas, meses - há de se admitir que existe uma certa lógica por trás disso. não cabe a mim discutir tal lógica. não ousaria roubar o momento precioso no qual a descoberta do vazio se realiza na vida de cada pessoa. contudo, essa conclusão é quase que imediatamente sucedida por um conforto único.

tudo o que existe; nossos sentidos, nossos sentimentos, nossas posses, concretas ou abstratas; existe apenas porque nossas mentes percebem, realizam. de outra forma, voltaria tudo para sua forma original, o vazio.

a liberdade que tal percepção pode trazer é ilimitada. as preocupações só existem se se preocuparem com elas. os problemas só atrapalham se acreditarem neles. e os amores só se formam porque existem corações e mentes que permitem que eles se amem.
assim sendo, se mostra inegável a força do ser humano, e de qualquer outro ser vivo, se fizer diferença.

por isso, sonhe, idealize, viva. os limites estão presos apenas pelas próprias pessoas. não há terceiros. há apenas a vontade.

e ah, diabos, eu tenho Vontade.
tenho vontade de viver o vazio e, assim, viver o Tudo.

o caminho para o Fim.

eu andava precisando de algum lugar para escrever e me publicar há muito tempo. enfim, arrumei.
aproveitem. como tudo na vida, este blog só foi criado para, um dia, encontrar seu fim.