segunda-feira, 21 de março de 2011

sobre a derrota do amor cinematográfico

acabo de voltar da mais malfadada tentativa cinematográfica de conquista de que se tem notícia. quando digo cinematográfica, não quero dizer daquele tipo kate winslet nua com apenas uma jóia no pescoço enquanto leonardo dicaprio traça seu retrato com carvão. quero dizer aquela tentativa na qual você chama a pequena praquele filminho seguido de jantar. uma aproximação clássica, aliás. "qual a película?", ela pergunta. "qualquer um, oras", você responde. se ela aceitar, é meio caminho andado.

existe algo nas salas de cinema que as tornaram ideais para essas situações, esses primeiros encontros, ficadas, amassos, trocações de saliva. o primeiro fator é que evita a presunção que é assumir, logo assim de cara, que ambos realmente estão interessados um no outro. pode ser apenas que os dois realmente curtam muito o cinema experimental iraniano, vai saber. o segundo é o escuro que oferece uma privacidade psicológica considerável (isso porque, convenhamos, em uma sala lotada todo mundo sabe o que você, com a guria ao lado e olhar ansioso, foi fazer ali). o terceiro, e mais determinante, são aqueles breves segundos de silêncio enquanto aparecem os créditos das produtoras e distribuidoras, quando a luz da tela é suficiente para que você olhe para o lado e, com um olhar, determine se o bote será infalível.

infelizmente os tempos já não são mais os mesmos e os percalços cada vez maiores. quase não se encontra mais aquelas salas de rua com aqueles carrinhos de pipoca em frente, aqueles filmes chatérrimos europeus que te obrigam, durante a sessão, a achar algo melhor para fazer. não, hoje você é obrigado a se dirigir a um shopping abarrotado de gente, com crianças correndo pelos corredores pedindo por mais balas, chocolates ou manteiga, acompanhadas de seus pais com profundas olheiras e esperando que o filme seja movimentado o suficiente para permitir uma soneca. não me entenda mal, não tenho tantos problemas assim em assistir a um longa hollywoodiano cheio de explosões e efeitos especiais nesses lugares. nada contra, mas vale lembrar que a última das intenções, neste caso debatido agora, é realmente acompanhar qualquer enredo. por fim, o desafio final. qual seria a hora exata em que você levanta o braço entre as duas cadeiras e deixa claro, finalmente, que dali ela não sairá ilesa?

apesar de tudo isso, ainda me mantenho um fiel amante cinematográfico. talvez não consiga largar destes velhos hábitos, e devo dizer que eles me têm sido de grande valia até os dias de hoje. uma velha rotina que apresenta números ridicularmente pequenos de falha, alguns de execução, outros de alvo. por estes motivos que persisto, e eis que, há dois dias atrás, o convite para um filme qualquer foi aceitado.

nos encontramos na praça de alimentação e fomos diretamente à fila do cinema, onde decidiríamos qual o filme com menor probabilidade de lotação e atração de pessoas abaixo de 14 anos. os 20 minutos habituais de conversa jogada fora, comentando os principais acontecimentos da atualidade, foram cumpridos com perfeição. logo os trailers já haviam terminado, e eu colocava uma pastilha de menta na boca, daquelas compradas com um único objetivo. nessa hora, abortar a missão era algo impensável. estiquei o braço por trás de seus ombros como quem não quer nada, o movimento mais antigo do manual, e ela havia aceitado sem protesto. com a luz diminuta da tela, me virei lentamente para encará-la e... desabei a rir. aqueles óculos, aqueles malditos óculos!

erro crasso, de amador. nunca haveria de imaginar o poder que a cara abobada formada por aqueles infelizes óculos 3-D teriam sobre mim. não pude me conter. ela encarava a tela de forma um tanto apaixonada, ansiosa, esperando meu próximo ato, e tudo que consegui fazer foi desatinar a rir sem controle, quase cuspindo a bala em sua cara e rezando a deus que nenhum perdigoto tivesse atingido-lhe a face.

assistimos o filme até o fim. 134 minutos de tortura interminável até que eu pudesse sair correndo dali. no final, ao deixá-la em casa, ela ainda tentou fazer piada. "esquisitos aqueles óculos, né? você até que não ficou tão bobo com eles...". eu só pensava em dar o fora. havia sido derrotado pelo cinema estereoscópico. maldito seja james cameron.

---

agradecimentos à querida julia ayres vieira, pelo debate que originou a idéia do post e alguns de seus principais argumentos.