segunda-feira, 1 de outubro de 2007

sobre a arte de mentir

em meu nascimento, fui agraciado com um dom. uma habilidade que ultrapassa a de um ser humano normal. se algum dia houvesse uma competição mundial, eu seria proibido de participar para dar chance aos outros concorrentes. enfim, eu minto. falando assim, parece simples, mas a verdade é que não se pode medir o tamanho da minha maestria para a decepção - engraçado usar a palavra "verdade" em um texto sobre a mentira.
desde pequeno, escapei das mais variadas situações, broncas, sinucas, buracos e problemas usando deste meu presente divino. simplesmente olhava bem fundo nos olhos daquele que me inquiria pelo que realmente havia acontecido, abria a boca e a magia acontecia. sinceramente, digo aqui que não sei exatamente como acontece. meus lábios se distanciam e o som sai, formando uma história tão falsa e coerente que não há como meu pobre cérebro ter inventado algo parecido. isso - meu dom é ainda maior que minha própria inteligência, que, sejamos honestos, é bem limitada.
sempre tive orgulho desta habilidade. quando amigos estão em apuros, eu mais que prontamente me ofereço para resgatá-los e as palavras se formam com velocidade e ferocidade, inventando uma realidade totalmente distorcida. eu literalmente mergulho neste mundo mentiroso que habita as mais sombrias profundesas da minha alma. não gaguejo, não olho para os lados, não fico mentalmente inventando histórias. é como se elas já existissem, já fossem verdades existentes em alguma outra dimensão além desta.
mesmo com toda essa alegria, toda essa calmaria que tal habilidade me proporciona, outro dia o tiro me saiu pela culatra. a vida tem dessas coisas, vejam só. minto, minto e dificilmente sou descoberto. no entando, sempre fica no ar aquela inquietação, aquele mal-estar que só uma mentira bem contada proporciona. claro, quando a mentira é descarada, logo é desmascarada e todos podem rir ou punir o autor. agora, quando não se pode provar a farsa, todos sabem no seu inconsciente que estão sendo enganadas, que há algo de podre no reino da dinamarca - como já dizia o bardo -, mas não há provas. por isso, por mais que ninguém até hoje tenha conseguido provar com exatidão que eu estava mentindo, todos sempre me olham com desconfiança. e foi isso que me pegou pelo cangote.
estava eu, numa dessas voltas que só a vida dá, em uma situação na qual eu precisava desesperadamente falar de forma sincera. e era assim que eu me comportava. quisera eu ter a frieza de controlar meu dom e poder mentir como nunca. infelizmente, cada vez que eu falava alguma coisa era a mais pura realidade que atingia os ouvidos do meu interlocutor. isso me exasperava, me afogava num mar de sinceridades. por ironia, não se acreditava em uma palavra que eu dizia. eu lutava por uma brecha de ar, uma chance de provar que estava bem-intencionado, mas todas as minhas tentativas eram vãs. acabei admitindo a derrota, mesmo me sacrificando até o último minuto.
é. sempre tive o dom da palavra. sempre tive a maestria para a mentira. mas o universo observava e decidiu me punir. e não é que me puniu bem quando falava a verdade?
enfim, o universo é mesmo um gozador. fazer o quê. aprende-se que, às vezes, é muito mais fácil de se acreditar em uma mentira do que na mais pura verdade.




em um texto sobre a mentira, como saber se alguma coisa do que eu disse é verdade? afinal, abri o texto dizendo que domino todos os aspectos que envolvem uma boa fraude. irônico. bem, minto.
minto?

Um comentário:

Gabriela disse...

mais uma vez adorei... e é engraçado ler um texto teu sobre tal coisa, porém, deixemos isso para uma conversa só nossa.

beijo pai, amo-te.
(e não minto quando digo isso).