sexta-feira, 14 de março de 2008

sobre sacolas deixadas num trem

certa feita ouvi sobre um garoto que, durante uma viagem, esquecera uma sacola no trem entre uma cidade e outra. logo que chegou ao hotel, se deu conta da falta da bagagem, mas, como é possível saber, nada havia a ser feito. o país era outro, a língua era estrangeira, e nenhum dos presentes sabia como reivindicar as posses perdidas.
a sacola não era qualquer sacola, e sim aquela na qual ele levava suas compras mais queridas e desejadas, um conjunto de chapéus com as quais sonhava desde que ficara sabendo que deixaria o brasil. sua reação foi das mais simples e previsíveis: chorou. errado há de ser aquele que pensar que o garoto era apenas mais um que dava importância às coisas materiais, assim como há de estar errado aquele que acredita que é fútil chorar por sonhos perdidos.
aqueles chapéus eram mais que reles compras, eram a própria materialização de desejos profundos, infantis até, mas que caracterizavam sua própria personalidade.
obviamente, sua mãe e seu irmão mais velho não foram capazes de entender de imediato a importância daquela perda, e chegaram até mesmo a se impacientar com o pobre garoto. no entanto, sua infelicidade era tão profunda e seu desespero tão genuíno que não puderam se conter em acalentar o infante. comprariam outros assim que pudessem, e foi assim que aos poucos o pranto cessou.
difícil dizer se a sensação de vazio naquele jovem peito tenha passado tão facilmente.

há aqueles que se vêem, em determinado momento de suas vidas, em posição similar. têm de deixar para trás bens preciosos que sabem que dificilmente irão recuperar, ao menos da forma como um dia foram. as formas de lidar com tais acontecimentos são as mais diversas, mas o princípio é o mesmo.
de início, a sensação de perda vem forte, e olhar para trás causa uma dor incomensurável.
em seguida vem a negação. evita-se que o pensamento passeie pelos campos da saudade, e a mente preocupa-se em se manter ocupada.
no entanto, é da natureza humana sentir a falta, a saudade, o vazio deixado por algo que se ama. dessa forma, enquanto a mente luta para ser forte, a alma sente e, embora as ações sejam de quem parece seguir olhando para frente, conhecendo novos destinos e vislumbrando novas vidas, o coração se mostra ainda soberano e sofre calado, até que o cérebro esteja forte o suficiente para acompanhá-lo.

nesse momento que se chora verdadeiramente por aqueles que tiveram de ser deixados para trás, irmãos, amigos, parentes - assim como uma sacola esquecida.

finalmente este irmão mais velho que vos fala entende da dor madura sentida por alguém que tinha tanto para ensinar, por ser tão infinitamente mais inocente a ponto de derramar lágrimas por um bando de chapéus deixados num trem para veneza.



nota do autor:
em homenagem a Gabriel, meu irmão, e a honra que é poder chamá-lo assim, e a todos aqueles que, mesmo não tendo o sangue em comum, já pude um dia fazer o mesmo. obrigado por tudo.




6 comentários:

Victor Stifler disse...

Inteligente o fato de ter posto a sacola em um trem...

A vida, essa é a vida...


Algumas perdas, porém não pra sempre!

MEsmo de longe, espero ser um dos seus chapéis...

abraços

boa sorte nessa nova vida!

Thiago Verney disse...

Grande césar, parabéns pelo teu blog, muito boa as histórias ai velho...
Aprenderemos muito ainda com nosso curso, acabei de criar um blog também, se quiseres passar por lá, pode criticar, aliás é mais um exercício do que algo sério intão pode baixar o verbo... haha

www.gramadenanquim.blogspot.com
abraço!

Unknown disse...

porra, massaki... Valeu, cara! Adorei o texto, e ainda to piscando pra lágrima num escorrer...

Thiago Verney disse...

Po brother, eu so uma anta mesmo
é o thiago da tua sala ali em cima
valeu pelo comentário lá no blog
abraço

Thiago Verney disse...

so meio novato em matéria de blog
não sei adicionar ninguém
mas quando eu descobrir eu te add ai
abraço

Gabriela disse...

eu já disse pelo orkut que eu amei esse post, mas faço questão de comentar aqui também.

foda.

e gosto cada dia mais do que escreves.
e sinto cada dia mais saudades :/

se cuida aí.
e juízo, ham.
beijo, papito.