sábado, 18 de setembro de 2010

sobre uma mulher abandonada

éramos todos, cinco ou seis, perdidamente apaixonados por ela. como haveríamos de evitar? cabelos loiros, olhos claros, seios fartos. desafio aquele que diga que a poderia resistir. não poderia. simplesmente não poderia. digo isso com a mais firme e persistente das convicções.

éramos todos dos mais variados tipos. uns velhos, outros magros, outros metaleiros. se havia um único ponto de convergência era ela. reuníamos nos bares da vida para debatê-la, mistificá-la, endeusá-la. os recém chegados à turma nos diziam loucos, malucos. não havia nesse mundo ser que pudesse ludibriar por tanto tempo uma turma de membros tão díspares quanto aquela. opinião que durava até os primeiros balançares das curvas de um corpo sem falhas em uma pista de dança.

éramos todos fantoches, reféns de um ser acima do tempo, da razão e da teoria. confesso até que aprecíavamos tal posição. "melhor amar e não ter, do que não ter o que amar", não é o que dizia o antigo ditado?

éramos todos apaixonados irremediáveis. o éramos, pelo menos até o caso do primeiro. pois eis que o primeiro decidiu, e não me pergunte o por quê, que era gay. sim, tamanha reviravolta também nos pegou de surpresa e não havia um que pudesse crer no que ouvia. era coisa da cabeça dele, dizia um. a negação era tamanha que ele havia se confundido, dizia outro

não. não era coisa da cabeça nem negação. ele simplesmente havia percebido que se deixara levar por pensamentos que não os dele. sentia, e sempre sentira, atração por outros homens, e não havia argumento que o fizesse passível a mudar de idéia.

éramos, então, não mais todos, mas apenas cinco. cinco que logo se tornaram quatro. duas semanas depois o segundo se declarou enamorado. claro, dizia um, todos a amamos. não, dizia ele, cansei. amo terceira.

assim, com o tempo, a vida e o cansaço foi nos abatendo, um a um. logo o terceiro se declarou pai. mero mês depois, o quarto se confessou celibatário. o quinto, que frequentava um terapeuta, não demorou a se admitir medicado. e enfim sobrei eu, o sexto e último, em um antro de descrentes.

as reuniões regadas a álcool logo não se mostravam mais as mesmas. como podia eu conviver com um bando de infiéis? tempo passou, esse tempo que não perdoa, e me tornei sóbrio.

anos depois, ainda nos encontrávamos no mesmo boteco de antes e éramos, todos, não mais apaixonados, nem por ela, nem por nossas eventuais namoradas, apenas pela cerveja à nossa frente. ríamos ante a velha obsessão sem propósito por um belo par de mamas. não podíamos crer que já havíamos discutido tanto por mera lactose.

enquanto isso, ela também ria, abandonada por seus fiéis seguidores, mas muito bem acompanhada de seu belo marido, o milionário, 78 anos, sem grandes perspectivas de sobreviver ao câncer de próstata.

éramos, todos, vencedores. pelo menos até o celular de alguém tocar, quando podia se vislumbrar em cada olhar a lembrança de esperanças passadas.

Um comentário:

Capitu disse...

Fiquei atordoada quanto a mulher, endeusada e aquém de todo resto.