sábado, 19 de junho de 2010

sobre aqueles que transitam

existe um universo particular nas pessoas que transitam por um aeroporto.

chegou à tal conclusão enquanto comia uma coxinha fria empurrada por coca no saguão de embarque. não tivera tempo de comer antes de sair, o táxi chegara em cima da hora. por isso estava, naquele momento, sentado, esbaforido, duas malas a tiracolo, tentando impedir o infarte fulminante provocado pelo óleo presente no salgado apressado que consumia. triste substituir os INCRÍVEIS cookies dados pela companhia aérea por algo do gênero, mas teria de servir. afinal, usar o plural no caso dos biscoitos oferecidos em vôo era um uso desnecessário do que deveria ser considerado hiperlativo.

mastigava, na tentativa vã de salivar a salvação de sua vida - de seu estômago, ao menos -, botava os pensamentos em ordem e, mesmo assim, encontrava tempo para observar. conseguia classificar brevemente os diferentes tipos que estavam ao seu redor, e julgava que tais rótulos poderiam ser usados na maioria das ocasiões, na maior parte dos aeroportos pelo mundo.

as pessoas que transitam em aeroportos podem ser separadas, com alguma margem de erro, entre aquelas que partem e aquelas que chegam; entre os que se despedem e os que recebem; entre o adeus e o bem-vindo.

ele se despedira a não mais que trinta minutos, enquanto esperava o elevador. devem estar errados aqueles que dizem que, antes de morrer, se vê toda a vida diante dos olhos. ele a observara no trajeto entre sua casa e congonhas, sentado no banco de passageiro do táxi.

via momentos de felicidade e de angústia, marcados em relacionamentos familiares que viriam a se tornar tão distantes quanto o tamanho físico da separação entre ele e sua cidade-natal. podia sentir novamente perfumes marcados nas roupas, abraços e carinhos trocados com antigas namoradas. celebrava, pela última vez, mais uma garrafa de cerveja que chegava à mesa com os amigos, e toda a alegria que este acontecimento tão ínfimo podia proporcionar.

enquanto se perdia nas lembranças, quase perdia também a última chamada de embarque. chegou, então, um tanto irritadiço ao portão 9, respondendo com poucas palavras a bronca que a atendente lhe direcionava. não pretendia lhe dar o prazer de ocupar um espaço sequer em sua mente. a braveza, no entanto, não era direcionado à comissária ou aos passageiros que reclamavam de seu atraso, e sim a ele mesmo. sabia que, como pertencente ao grupo do adeus, não podia se permitir adentrar tão profundamente em trilhas esquecidas. às vezes, ele podia sentir muito ciúme de seu próprio passado.

não chegou a reclinar sua poltrona, dormindo a viagem inteira. em sua nova cidade, onde esperava estabelecer novo lar, observava os bem-vindos sendo recebidos. naquele momento, deixava de ser o adeus. não tinha intenções de mudar sua nova condição em um futuro próximo. se tornava, finalmente, naquele que chega.

Um comentário:

Cacau disse...

Você tem razão mesmo, a melhor frase do texto é "ele podia sentir muito ciúme de seu próprio passado." Um beijo, gostei, mas não é o seu melhor.